Eu achei que sabia o que era perder.
Achei que crescer era um processo lento, silencioso — feito de escolhas e maturidade e acordos assinados com sorrisos educados.
Mas perder, de verdade? Isso não é uma lição.
É um golpe. Um rasgo. Um grito que ninguém ouve, mas que você sente ecoar dentro do seu peito por horas, dias, talvez para sempre.
Naquele dia, eu acordei com o som dos pássaros cantando nos jardins.
A brisa era doce. O sol atravessava as cortinas de linho com a mesma delicadeza de sempre. Eu estava casada. Tinha uma casa, um sobrenome forte, um futuro.
Tudo parecia... certo. Estável. Confortável, ainda que morno.
Richard estava fora, mais uma vez. Uma reunião, um almoço, um investidor — tanto faz. Não era importante. Ele raramente era importante nos meus dias, embora ocupasse cada canto da minha vida.
Chiara chegou no fim da tarde. Trazia macarons e vinho branco, e nós nos sentamos na varanda de trás como fazíamos antes de tudo virar um roteiro de cerimônia.
Ela falava de alguma amiga em comum, de um novo escândalo social, e eu ria em pequenos intervalos, porque não tinha mais força pra me importar.
— Você tá calada demais — ela disse, após um gole de vinho.
— Tô pensando — respondi. — Sabe quando você tem tudo, mas sente que não tem nada?
Ela me olhou com ternura. — Sei.
Silêncio.
— Às vezes eu acordo e esqueço que me casei. Esqueço até do meu nome novo. Só lembro que não sinto... nada.
— Lucy...
— É como se minha vida tivesse se tornado uma pintura bonita demais pra ser real. E eu fico ali, olhando, fingindo que sou a mulher dentro da moldura.
Ela estendeu a mão e segurou a minha. — Vai passar. Esse vazio. Às vezes, a gente precisa se perder primeiro... pra encontrar o que realmente quer.
Eu ia responder. Juro que ia.
Mas o telefone tocou.
Chiara olhou para ele, franziu o cenho, e foi atender. O tempo que passou entre ela dizer "alô" e o mundo acabar não durou mais do que trinta segundos.
— Lucy — ela chamou, a voz... estranha.
— Quem era?
Ela virou devagar. Os olhos já vermelhos. A boca entreaberta, como se as palavras estivessem presas numa barreira invisível.
— Me diz agora, Chiara. O que foi?
Ela desligou.
Deu um passo. E mais um.
Depois, sentou ao meu lado, como se não conseguisse ficar de pé. E então, colocou a mão sobre a minha.
— Houve um acidente.
A frase ficou suspensa entre nós.
Meu corpo gelou. Meu estômago virou. Mas eu não falei nada. Só esperei.
— Seus pais, Lucy. Eles... o carro... eles estavam vindo pra cá. Capotou na autoestrada. O motorista... morreu na hora. Eles... não resistiram.
— Não. — Foi tudo o que consegui dizer. — Não, Chiara.
Ela balançou a cabeça devagar. — Eu queria poder mentir. Queria dizer que alguém se enganou. Mas... é verdade.
— Não. Não pode ser. — As palavras saíam como sussurros de desespero. — Eles estavam bem. Eles estavam vivos hoje de manhã. Eu... eu devia ter ligado. Devia ter dito que os amava.
Ela começou a chorar, mas eu ainda estava em outra frequência. Minha mente repetia as mesmas frases:
Não. Não. Não.
Me levantei, tropeçando nos próprios pés. O mundo girava. Minha pele formigava.
— Eu preciso... preciso ver... preciso falar com alguém. Eles... devem estar confundindo. Tem... tem outro Cameron Donovan por aí. E outra Lilian. Alguém... alguém fez confusão.
Chiara me segurou pelos ombros. — Lucy, olha pra mim.
Eu olhei.
— Eles se foram. Não tem confusão. Eles estavam vindo te visitar. Porque te amam. Porque queriam te ver. E agora... agora só tem você. E Jasper.
Ao ouvir o nome dele, meu corpo travou.
Jasper.
Oh, meu Deus. Jasper.
Foi como um soco. Como se minha alma tivesse saído do peito. Caí de joelhos, o rosto nas mãos, soluçando como nunca imaginei ser possível.
Me senti uma criança. Uma órfã. Um eco.
Passos.
Levantei a cabeça.
Jasper estava parado na porta. Camiseta branca, cabelo despenteado. Parecia menor do que realmente era.
— Lucy? — ele chamou. A voz embargada. — O que aconteceu?
Chiara se levantou, mas fui eu quem deu o primeiro passo.
Me aproximei, como se estivesse pisando em vidro. Segurei seu rosto entre as mãos.
— Jasper... — sussurrei, e então minhas lágrimas voltaram. — Papai e mamãe... eles...
— Não. — Ele recuou meio passo. — Não fala. Não diz isso.
— Eu queria não dizer. Eu juro. Mas a gente precisa ser forte agora. Juntos. Só tem a gente agora.
Ele não respondeu. Não chorou. Só me abraçou. Forte.
E ali, nos braços do meu irmão, eu senti a realidade me atravessar como uma lâmina fria.
Eu não era mais filha de ninguém.
E agora, eu teria que ser tudo por ele.
Por nós dois.