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CAPÍTULO 4 | LUCY DONOVAN

O luto não é uma linha reta.

Ele vem em ondas.

Em um segundo você está respirando — no outro, afunda.

Às vezes eu sentia que estava flutuando sobre uma vida que não era minha. Como se me visse de fora, atravessando cômodos com passos contidos, vestida de preto, mas sorrindo para convidados em jantares que eu não lembrava ter aceitado. Outras vezes, o peso me puxava pelo tornozelo no meio de uma frase, e eu perdia o ar, a lógica, a força.

Perdi meus pais, minha casa, e com eles, um pedaço do que me fazia reconhecer a mim mesma.

Agora, eu era Lucy Donovan-Preston. Esposa de um homem que me tratava como se eu fosse feita de vidro decorativo. Irrepreensível. Bela. Frágil.

Nos mudamos para a mansão da família Donovan quatro dias após o enterro. Richard me disse que seria melhor para Jasper, mais seguro, mais estruturado. Eu concordei. Como uma boneca com pilhas fracas.

O carro que nos levou até a nova casa cortava a cidade com suavidade. Do lado de fora, tudo se movia: carros, prédios, pessoas. Por dentro, eu me sentia imóvel. Como se minha alma tivesse ficado na curva onde o carro dos meus pais não conseguiu seguir.

A mansão era opulenta. Branca, simétrica, adornada com colunas romanas. Mas apesar de toda a sua imponência, ela tinha cheiro de ausência. De portas fechadas com força. De lareiras apagadas há muito tempo. Eu sabia que ali nada me acolheria.

Jasper não falou muito durante a mudança. Se trancou no novo quarto, ligou o som baixo, e passou horas desenhando em seu caderno. Ele não chorava. Nunca. Mas havia noites em que eu o ouvia murmurar o nome da nossa mãe no escuro, como se estivesse sonhando. Ou rezando.

Eu queria ajudá-lo. Mas eu mesma estava à deriva.

Chiara vinha todos os dias, com doces, filmes, conversas. Tentava me arrancar da maré com afeto — mas nem ela conseguia me alcançar. Não naquele lugar. Não naquele estado.

— Você tá emagrecendo — ela disse uma tarde, enquanto me observava provar um garfo de massa no jantar. — Isso tá te consumindo, Lucy. Você precisa reagir.

Eu soltei um riso abafado. Irônico.

— Reagir pra quê? Pra me sentar ao lado de Richard em jantares onde falam sobre ações e política? Pra ouvir Jasper falando da escola como se tudo estivesse normal? Nada tá normal, Chiara.

Ela apertou minha mão.

— E nunca mais vai estar. Mas isso não significa que você tenha que morrer junto com eles.

Richard tentou. Ao modo dele.

Com presentes. Com convites para escapadas. Com abraços que duravam segundos e sorrisos que não chegavam aos olhos.

Naquela sexta-feira, ele surgiu no quarto com um vestido preto rendado, embalado num cabide de veludo.

— Reservei uma mesa no clube La Vigna. Jantar, música ao vivo. Só nós dois.

Eu hesitei. A ideia de sair parecia absurda.

Mas então me olhei no espelho — cabelo solto, olhos vazios, pele opaca. E pensei: talvez... talvez o mundo lá fora me lembre como era sentir algo.

Vesti o vestido como quem veste uma armadura. Maquiei meus olhos com precisão cirúrgica. Passei perfume nos pulsos, nos ombros. Ajoelhei para pegar um salto.

E quando me levantei... não me reconheci.

Mas fui.

O restaurante era feito de mármore, vidro e velas altas. A luz era baixa, âmbar. O vinho era francês. A música, um jazz lento que escorria pelos cantos do salão.

Richard estava bonito.

Terno bem cortado, cabelo impecável, aquele sorriso de quem sabe que pode conquistar qualquer coisa — menos o que realmente importa.

Conversamos sobre amenidades. Ele me elogiou. Eu agradeci. Rimos, brevemente. Pela primeira vez em semanas, me senti... não viva, mas desperta.

Pedi vinho.

A primeira taça me aqueceu.

A segunda... me entorpeceu.

Não foi muito. Mas algo estava estranho. O mundo girava devagar. Meu corpo parecia mais pesado do que o normal, como se o álcool tivesse espalhado chumbo sob minha pele.

— Está bem? — Richard perguntou, vendo meu olhar perdido.

Assenti.

— Só... cansada. Foi uma semana longa.

Ele verificou o celular. Algo ali o fez franzir o cenho.

— Charles está aqui, no salão dos fundos. Preciso resolver uma coisa rápida com ele. Você pode ir indo pra casa, amor. O motorista já está esperando.

— Tem certeza?

— Confie em mim. Vai descansar. Eu chego em pouco tempo.

Me levantei, um pouco tonta. Ele segurou minha cintura, firme.

— Você está linda.

Beijei sua bochecha. E saí.

A noite estava fria. Um vento leve acariciava meus braços, e a pele arrepiava sob a renda fina do vestido. Entrei no carro, sentindo o couro aquecido pelo motor.

O motorista perguntou se estava tudo certo. Respondi com um aceno.

Me recostei no banco, os olhos fixos no céu escuro. A lua estava alta. Inquieta. Uma moeda prateada solta demais no universo.

A estrada parecia mais longa do que lembrava.

Os faróis cortavam a escuridão como navalhas. O som dos pneus era quase hipnótico. Comecei a cochilar.

Mas então... algo. Um movimento brusco.

A última coisa que vi foi uma curva.

Muito fechada.

O carro perdeu a estabilidade.

Capotou.

Uma.

Duas.

Três vezes.

O vidro estourou em milhares de estilhaços que cortaram o ar como lâminas invisíveis. O teto esmagou parte do lado direito. A porta do passageiro voou. O som... era o de um mundo sendo dilacerado.

E então, silêncio.

Despertei entre ferro retorcido e cheiro de gasolina.

Meu corpo estava deitado no asfalto, fora do carro. Não sei como fui lançada. A perna esquerda... não respondia. A cabeça latejava. Sangue escorria da minha têmpora até a clavícula.

O céu girava. As luzes dos postes pareciam estrelas caindo.

Minha respiração vinha em pequenos ofegos.

Dor. Muita dor.

Tentei falar. Um gemido escapou. Minha garganta tinha gosto de ferro e medo.

Levantei a mão trêmula. Vi o colar da minha mãe... partido. As pérolas espalhadas pelo chão, como pequenos olhos brilhantes me observando morrer.

E pela primeira vez desde que tudo começou, eu senti.

Medo real.

Não da morte. Mas do que viria depois. De deixar Jasper sozinho. De morrer incompleta, sem dizer adeus, sem saber quem eu era além daquela dor.

Minha visão embaçou.

O mundo escureceu.

Mas antes que tudo desaparecesse... senti algo quente envolver minha mão.

E uma voz. Masculina. Grave.

— Ei. Fica comigo. Você vai ficar bem. Me ouve, Lucy... eu tô aqui.

Era ele.

Silas.

E dessa vez... não havia sarcasmo.

Só urgência.

Só calor.

Só vida.

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