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CAPÍTULO 6 | LUCY DONOVAN

Escuro.

Tudo o que havia era escuro.

Uma ausência absoluta de som, de dor, de pensamento.

Mas então, um ruído.

Sutil. Como um pulso eletrônico, lá no fundo.

bip... bip... bip...

Uma respiração lenta, profunda, que não era minha. Ou era?

Não sabia.

O que eu sabia, na verdade, era quase nada.

Lentamente, os sentidos começaram a me invadir como invasores silenciosos em campo minado. A pele sentia o tecido áspero de lençóis que não eram meus. Havia cheiro de desinfetante, plástico, soro. Um zumbido constante no fundo da cabeça. A luz além das pálpebras parecia querer cortar meus olhos.

Eu existia, de novo. Mas por quê?

Por um momento, desejei que não.

— Lucy...?

A voz era suave, feminina, ansiosa.

Forcei as pálpebras. Foi como tentar erguer um telhado desabado. A luz me atravessou com violência. Mas abri mesmo assim.

O teto era branco. Estéril. Um tubo pendia acima de mim. E ao lado... a silhueta de uma mulher de avental azul, segurando uma prancheta e um tablet. Ela sorriu quando percebeu que eu a via.

— Está me ouvindo? Pisque duas vezes se sim.

Pisquei. Uma. Duas.

— Bom... ótimo. Você está estável. Estava inconsciente há dois dias. Mas resistiu bem. Seu corpo é forte. Seu coração é teimoso. — Ela sorriu mais uma vez, depois virou-se para o monitor. — Vou chamar o médico. E seu marido. Ele esteve aqui.

Meu marido.

A memória me atingiu como um projétil.

Richard.

O jantar.

O vestido.

O vinho.

O carro.

A curva.

O estalo.

O mundo girou. Pisquei com força, tentando ficar no presente, mas meu corpo começou a tremer.

Minhas mãos estremeceram. O som da máquina se acelerou.

— Respira, Lucy. Respira devagar. Você está segura agora.

Seguro. Que palavra mentirosa.

A enfermeira me acalmou com toques leves no braço, como se eu fosse feita de vidro quebrado. Talvez eu fosse.

Horas se passaram.

Talvez um dia.

O quarto era um aquário: silêncio, luz branca, ausência de vida real. Tudo parecia artificial. Até o tempo.

A porta se abriu com cautela. Um par de saltos discretos tocou o piso encerado. Chiara entrou. E por um segundo, foi como ver uma parte do meu mundo antigo tentando sobreviver.

— Lucy... — sussurrou, como se minha dor tivesse volume e ela não quisesse incomodar.

Seus olhos estavam vermelhos. As olheiras acentuavam ainda mais seu rosto pálido.

— Meu Deus... — ela se aproximou, e imediatamente tocou minha mão. — Você tá aqui. Você tá viva.

Minha garganta ardia. Falar parecia uma batalha que eu não sabia se venceria.

— Eu... o que...?

Ela apertou minha mão.

— Calma. Não precisa falar. Você sofreu um acidente, Lucy. O carro... capotou na estrada, voltando do clube. Você perdeu muito sangue.

Meus olhos se encheram. Parte por dor física. Parte porque, naquele momento, a realidade caiu com todo seu peso: alguém tentou me apagar da existência. E eu sobrevivi.

— Jasper? — sussurrei.

— Ele tá bem. Fisicamente, pelo menos. Tá assustado, claro. Mas tá sendo cuidado. Ele sabe que você tá viva. E quer te ver.

— Richard...?

Chiara hesitou.

— Ele veio. No primeiro dia. Disse que tava arrasado, que foi pego de surpresa. Desde então, tá... resolvendo coisas com os advogados da família.

Ela desviou os olhos.

E aquilo me deu um arrepio.

— Chiara... como esse acidente aconteceu?

Ela não respondeu de imediato. Respirou fundo, seus olhos ainda presos nos lençóis.

— Não sei o que pensar... o motorista disse que o carro derrapou... eu... eu estou tão aliviada que você esteja viva. 

As palavras me atingiram com força. Mas antes que eu pudesse reagir, outra coisa chamou minha atenção.

O quarto.

O ar.

Havia perfume.

Mas não era o meu.

Nem o de Richard.

Era outro.

Notas de flor de laranjeira, âmbar... madeira e limão.

E mais do que o cheiro, havia uma sensação. A de que alguém tinha estado ali. Recentemente.

Olhei para a poltrona ao lado. Ela estava levemente puxada para trás, como se alguém tivesse se levantado com cuidado para não fazer barulho.

Na mesa de apoio... um copo com marcas de dedos.

Um arranhão no vidro.

Meus olhos se fixaram nele.

Era o mesmo arranhão que eu vi, dias antes, no copo que Silas segurava durante a conversa com Richard, em um dos almoços antes do casamento. Eu lembrava porque ele girava o copo, distraído, e o som do atrito me incomodava. O som do anel que ele usava arranhando o vidro como se o som irritante camuflasse o barulho de algo que o irritava. 

Silas.

Um arrepio percorreu minha coluna. Mas não era de medo.

Era... inquietação.

Como se ele tivesse estado ali, sentado em silêncio, enquanto eu dormia. Como se tivesse velado minha vida, sem testemunhas.

Sem explicações.

O que diabos isso tudo queria dizer? 

Primeiro meus pais e agora... um acidente que quase me levou a morte? 

Fui criada como uma jovem senhorita rica, mas não fui criada para ser tonta ou leviana com o que me cercava. Eu sabia que havia algo ali... algo que agora, começava a me preocupar de verdade. 

No final da tarde, Richard apareceu.

Perfumado. Terno impecável. Sorriso de revista.

— Lucy... — ele entrou, flores nas mãos. Lírios brancos. — Meu amor. Você está acordada.

— Sim — minha voz saiu quase cortante.

Ele se aproximou, curvou-se, e beijou minha testa.

— Eu achei que te perderia. Quando me ligaram... — ele fez uma pausa teatral. — Eu larguei tudo. Você é minha prioridade agora, entende?

Assenti, mas não consegui retribuir o sorriso.

— E o que... o que os médicos disseram? — perguntei, de olhos fixos no buquê.

— Que você vai se recuperar. E que teve sorte.

Não foi sorte, pensei. 

Alguma coisa estava errada e eu precisava descobrir o que era. 

— Lembra de algo? — ele perguntou, com falsa doçura.

— Pouco. Tudo é embaçado.

— Talvez seja melhor assim. Às vezes, esquecer é um presente.

Não respondi. Só observei.

E em silêncio, soube:

Richard mentia.

E alguém mais sabia disso.

Alguém que tinha estado naquele quarto, e eu daria o que me fosse pedido em uma aposta, de que esse alguém, era Silas Desmond. 

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