As semanas que se seguiram, foram como era de se esperar que fossem, — monótonas e agitadas ao mesmo tempo.
Monótonas para mim, claro. Para os meus sentimentos quase inexistentes em relação a Richard, mas sempre agitadas quanto aos preparativos do meu casamento. Aquele momento entre o pedido de casamento e o grande dia passaram como uma neblina perfumada de flores e protocolos. Richard e eu estávamos sempre cercados de sorrisos, brindes e promessas que, embora vazias de emoção crua, eram preenchidas por uma sensação reconfortante de pertencimento. Ele era bom. Dedicado. Cortês e era tudo que ele precisava ser, não é?
— Eu farei de você a mulher mais feliz desse mundo — ele me disse certa noite, após colocarmos juntos a última pedra do convite de casamento. Mas por algum motivo, eu não consegui acreditar 100% naquelas palavras.
A preparação para a cerimônia ocupou todas as mulheres da casa. Minha mãe comandava tudo como uma verdadeira general: da escolha dos pratos à paleta de cores da decoração.
— Lavanda, Lucy. Lavanda traz paz e elegância — ela dizia, como se estivesse revelando o segredo da vida eterna. Eu apenas sorria, porque sua empolgação era mais importante do que minhas opiniões sobre flores, cores ou qualquer outra coisa.
Eu queria dizer que tudo aconteceu rápido. Num piscar de olhos.
Mas não foi assim.
Foi lento. Preciso. Como quase tudo na minha vida.
E então, dois dias antes da cerimônia, realizamos o ensaio na villa toscana onde aconteceria a festa. A propriedade, pertencente a um antigo duque amigo da família, era quase irreal: jardins com fontes esculpidas, pérgolas cobertas de glicínias e uma piscina de borda infinita que parecia tocar o céu.
Era ao lado dessa piscina que eu estava com minha mãe, enquanto os garçons praticavam a entrada com bandejas de champanhe. Nós estávamos sentadas em espreguiçadeiras, eu e ela trocamos impressões sobre o vestido, o clima, e — inevitavelmente — sobre Richard.
— Ele é bonito — ela comentou, com aquele olhar de quem analisava mais do que apenas a aparência. — Mas o que mais gosto nele é que ele parece saber o lugar dele no mundo. Isso é raro e quer dizer muito sobre a família Desmond, e claro, principalmente sobre como ele irá tratar você no futuro.
— Mamãe…
— Sei que não gosta de pensar nisso, querida, mas Richard é um homem, não pode acreditar que sua beleza e encantos durem para sempre. Deve pensar em como ele será um dia, quando a sua beleza, não for o suficiente para deixar ele feliz.
Bufei.
— Pensar em quando ele quiser me trair?
— Lucy…
— Acha que ele fará isso.
— Acho que não se pode confiar em homens, ou em… qualquer um que não seja, a si mesmo.
Suspirei.
— Certo. Então… acha que ele é uma boa opção porque ele sabe o seu lugar? Porque ele sabe que deve sempre respeitar o fato de que eu sou uma Donovan?
— Sim. Isso a deixa segura.
— E eu? Eu pareço saber o meu lugar? — perguntei, mais por provocação do que por insegurança.
Ela sorriu, virando o rosto para mim.
— Você sempre soube, Lucy. Desde pequena. Você nasceu para liderar, não para ser conduzida, você nasceu como uma Donovan. Destinada a grandes coisas.
Antes que eu pudesse responder — ou sequer pensar em permanecer nessa picuinha com a minha mãe — nós duas ouvimos um grito agudo.
— Adivinha quem ganhou o torneio de esgrima no colégio? — A voz de Jasper, nos alcançou enquanto ele vinha correndo em nossa direção com o uniforme desabotoado e um sorriso de raposa.
— Aposto que você trapaceou — provoquei ele, rindo enquanto nossa mãe abria um largo sorriso.
— Eu prefiro chamar de estratégia de ataque rápido.
Ele acrescentou e claro que não nós poupou dos detalhes.
— Eu estava encurralado, você não faz ideia de como é difícil quando grande parte da turma já faz ideia do que está fazendo, — ele zombava, — eu tive que lutar a sério, sabia? Me esforçar! .
Jasper fazia piadas enquanto pulava entre as pedras do jardim, perto da piscina. Mas então, ao fingir um golpe de esgrima imaginário, tropeçou em uma das almofadas decorativas. Desesperado para não cair, eu o vi procurar apoio em algo e foi quando ele se jogou em minha direção.
— Jasper! — Eu tentei segurar sua mão, dar a ele algum apoio, mas fui eu quem perdeu totalmente o equilíbrio ao me levantar.
Era tarde demais.
Ele me agarrou pela cintura e, no impulso, me desequilibrei. A única coisa que vi foi o céu girando — e então, meu corpo colidindo contra algo quente e sólido antes de ambos mergulharmos na água.
O impacto foi tão repentino que me tirou o ar.
Emergi arfando, com os cabelos colados ao rosto, e quando tentei abrir os olhos, dei de cara com um homem. Um homem molhado. Um homem muito bonito. Seus olhos eram escuros, suas sobrancelhas arqueadas em um misto de surpresa e diversão. Ele me segurava em seus braços com firmeza, como se fosse natural, como se eu sempre estivesse estado ali.
— Você tem o costume de cair em cima de estranhos ou é uma técnica nova de flerte? — ele perguntou, a voz baixa e carregada de ironia, seus olhos me penetravam como se fossem capazes de decifrar minha alma.
— Do que diabos você está falando!? Me larga! — Eu disse, tentando sair dos seus braços, mas meu corpo não colaborava.
Ele riu, um som rouco que me causou arrepios.
— Claro, madame. Mas vou sentir falta da sua forma dramática de dizer olá. — Ronronou como se fossemos íntimos o suficiente para que ele pudesse brincar e isso me fez bufar de raiva.
Consegui me soltar, e saí dali furiosa.
Eu era a noiva! Todos ali sabiam que eu me casaria com Richard em poucos dias, como ele tinha a ousadia de me tratar com aquela ousadia?
Fui nadando até a borda e saí da piscina com a dignidade de uma princesa afogada. Minha mãe correu até mim com uma toalha, mas eu mal conseguia falar. Não pelo tom debochado dele — embora tenha sido irritante —, mas pela maneira como seu toque me incendiou. Nunca, nem nos momentos mais íntimos com Richard, meu corpo reagirá assim.
— Quem é ele? — perguntei, ainda recuperando o fôlego, enquanto Jasper se desculpava de novo e de novo.
— Ah… Ele? É Silas Desmond — disse minha mãe, entregando a toalha enquanto colocava uma segunda em meus cabelos. — Ele é primo de Richard. Veio dos Estados Unidos. Não sabia que ele viria para o ensaio, por isso não te informei. Por quê, querida?
— Nem eu sabia, — rosnei, — não me lembro de ter ouvido esse nome antes. Mas ele bem que podia ter ficado na América, que homem inconveniente!
Ela me olhou de lado, rindo baixinho.
— Não fale assim meu amor, pelo que seu pai disse, Silas Desmond é viúvo. Ele se tornou recluso na América depois da morte de sua esposa.
Pisquei, surpresa com aquela informação.
— Se esse é o caso, o que ele faz aqui?
Mamãe suspirou.
— Bom… aparentemente, veio para presenciar o casamento de seu primo, mas…
Jasper que estava atrás dela bufou.
— Deve ter vindo para garantir que fosse lembrado, afinal, ele é um Desmond. Deve querer parte da herança, que o Richard tá pra herdar.
— Hum… — encarei Silas de soslaio enquanto ele saia da piscina, jogando os cabelos para trás e aceitando uma toalha de uma das serventes do local. Eu vi a garota corar enquanto ele agradecia de forma sutil. — Espero que ele vá embora logo.
Mamãe assentiu.
— Ele deve ir, até onde eu sei, ele mora no Canadá.
Eu não consegui acompanhar o que ela continuou a dizer. A presença dele era como um raio de calor num dia de primavera: inesperado, e impossível de ignorar. Mas eu tinha muitas outras coisas para me preocupar e esse incidente tinha que ficar para trás.
O tempo passou rápido demais depois disso. Me recuperei do banho inesperado e do "moreno mal educado" com ajuda da minha melhor amiga, Chiara — uma herdeira ítalo-brasileira de riso fácil e que, no fim, eu considerava ser a única pessoa em quem eu podia confiar. Nós éramos amigas há anos e claro que ela não ia ficar longe de mim em um momento tão importante. Estávamos juntas, e passamos a véspera do casamento rindo no quarto, entre camadas de cremes, música clássica suave e muito vinho.
Chiara era contra a ideia de se casar com algo além do homem perfeito, mas a vida não funcionava assim. Eu não podia ficar esperando pra sempre, e diferente dela, eu não era a filha única da família.
Havia o futuro de Jasper em jogo.
Então, nós concordamos em discordar, aproveitamos aquele momento e quando o dia do casamento chegou, ela estava lá por mim.
A igreja onde eu iria me casar, era uma visão. Vitrais coloriam os bancos com luzes que dançavam ao som do coral.
Eu tive a ajuda de Chiara e da minha mãe para me vestir e terminar de me arrumar, e meu pai me ofereceu o braço com um olhar emocionado quando saí do quarto e desci as escadas para encontrá-lo.
— Você está deslumbrante, minha pequena. Sua mãe certamente vai derreter de tanto chorar.
— E você?
— Vou me controlar. Eu prometo.
Ele disse e eu sorri.
Caminhei até o altar como quem mergulha em um sonho antigo. Richard estava lá, me esperando, e quando seus olhos encontraram os meus, eu me senti... segura. Não apaixonada, mas ancorada.
O “sim” saiu dos nossos lábios em uníssono, depois, foi a vez dele falar.
A festa foi exuberante, cheia de sorrisos, danças, taças erguidas e promessas sem palavras.
Mas o que ficou gravado em mim foi o momento no jardim, mais tarde, quando mamãe me abraçou de lado e disse:
— Esse é o começo, Lucy. Não o fim. Lembre-se disso.
Foi a última vez que a vi sorrir daquele jeito.
Richard e eu fomos embora logo depois. Fomos para a mansão que havíamos ganhado de presente de casamento, onde seria nossa lua de mel, já que Richard precisava focar no trabalho. Aquela era uma casa de campo reformada, que era puro mármore e cortinas de seda. Eu estava no quarto, sentada na beirada da cama, quando ele entrou e era claro que eu estava ansiosa, afinal, era a minha primeira vez.
— Você está linda — disse ele, sua voz mais rouca do que nunca.
Me aproximei.
— E você está nervoso.
— Um pouco — ele admitiu, tirando a gravata. — Mas no melhor sentido.
Nos beijamos devagar. O toque dele era familiar, mas agora mais urgente. As mãos dele deslizaram pelas minhas costas nuas, e pela primeira vez senti um tipo de curiosidade nova.
Nos deitamos, e quando ele se debruçou sobre mim, com os olhos cheios de desejo, deixei o vestido escorregar pelos ombros.
Naquele instante, Richard era meu marido.
Mas, por um milésimo de segundo, meu corpo se lembrou de outro toque. O toque quente e forte que eu preferia não ter conhecido, e a qual afastei o mais rápido que consegui da minha mente.
Mesmo assim, foi essa lembrança que me fez arfar.