Capítulo 3 O acidente

( Lua Carvalho)

Eu estava sentada na sala, folheando um álbum de fotos antigo que minha vó Laura guardava com tanto carinho. Cada página era um pedaço de um passado que parecia pertencer a outra vida, a outra pessoa. Quando virei uma das páginas, meus olhos se prenderam em uma fotografia que quase me tirou o ar.

Era eu e Bruno. Estávamos sorrindo, de mãos dadas, em um dia ensolarado no parque. Eu usava um vestido azul claro, ele usava aquela camisa branca que eu tanto gostava. Naquele instante congelado, éramos felizes. Pelo menos parecia.

Segurei a foto por mais tempo do que deveria. Quanto mais olhava, mais a lembrança daquele dia fatídico vinha à tona. Minha mente, mesmo relutante, me arrastava de volta para o carro, para o cheiro do estofado, o barulho do motor, e principalmente... para a discussão.

Bruno estava com ciúme, como sempre. Qualquer palavra, qualquer gesto, era suficiente para atiçar a desconfiança dele. E eu, cansada das brigas constantes, tentei mudar de assunto, jogar uma bomba que, no fundo, eu esperava que transformasse nossa vida.

— Eu estou grávida. — soltei, com a voz embargada, mas tentando soar firme.

Por um segundo, o silêncio tomou conta do carro. Bruno olhou para mim com uma mistura de choque e raiva. Seus olhos faiscavam, e eu soube que aquilo não terminaria bem.

— Como você fez isso? — gritou, as mãos apertando o volante com força. — Você não estava tomando a injeção?

— Bruno, por favor... — tentei acalmá-lo. — Eu não estou tentando te enganar. Eu descobri recentemente. Estou de cinco meses... nossa filha já está formada.

— Você está mentindo! — rugiu ele, cada palavra atravessando meu peito como uma lâmina. — Quer me prender a você de qualquer jeito, não é?

Meu coração disparou. Eu sabia quando Bruno estava prestes a perder o controle. Seu rosto estava vermelho, o maxilar travado. Eu só queria evitar mais uma explosão.

— Bruno, eu juro... não é o que você pensa. É nossa filho ou filha!

Mas já era tarde. Ele acelerou, os pneus chiaram no asfalto. O carro parecia desgovernado, e em segundos saiu da pista, colidindo violentamente com outro veículo. O barulho do impacto foi ensurdecedor, vidros estilhaçaram, o mundo virou de cabeça para baixo.

Depois, apenas escuridão.

Acordei em um quarto branco, o cheiro de hospital impregnado em minhas narinas. As luzes do teto me cegavam, e minha mente estava enevoada. Senti um peso estranho no corpo, como se não fosse mais meu.

— Lua... minha querida. — A voz suave da minha vó Laura me alcançou.

Virei a cabeça devagar e a vi ali, ao meu lado, segurando minha mão com tanto amor que meu peito doeu. Seus olhos estavam marejados, a pele enrugada ainda mais marcada pela tristeza.

— Vó...? — minha voz saiu rouca, fraca. — O que... aconteceu?

Ela respirou fundo, como se buscasse coragem antes de me responder.

— Você sofreu um acidente de carro, Lua. Ficou em coma induzido por alguns meses.

Meu coração parou por um instante. A memória era fragmentada, pedaços desconexos de gritos, do volante, do impacto. A pergunta que veio foi inevitável.

— E o Bruno...?

Os olhos de minha vó se encheram de lágrimas. Ela hesitou, e isso já era resposta suficiente.

— Bruno não resistiu, minha filha. Ele morreu no acidente.

Senti o mundo ruir ao meu redor. Um nó sufocante se formou na garganta, e uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Apesar de todas as brigas, apesar do ciúme, ele havia sido meu primeiro amor. Parte de mim ainda o amava, e agora... ele simplesmente não estava mais ali.

Mas antes que eu pudesse me afogar naquela dor, minha vó apertou minha mão e continuou:

— Lua... há algo que você precisa saber.

Olhei para ela, confusa, com medo.

— Sua bebê... nasceu. Ela veio ao mundo antes da hora, mas é uma lutadora. Está bem, forte, esperando por você.

Meu coração disparou. Bebê. Minha bebê.

— Eu... eu tenho uma filha? — sussurrei, entre lágrimas.

Minha vó sorriu, apesar do choro.

— Sim, minha querida. Você tem uma filha linda. Ela é pequenina, mas saudável. Está na incubadora, e os médicos dizem que logo você poderá segurá-la nos braços.

Chorei como nunca havia chorado. Uma mistura de dor pela perda e de alívio por aquela vida que, mesmo prematura, resistia.

Alguns dias depois, finalmente me levaram até a ala neonatal. Meu coração batia descompassado, minhas mãos tremiam. Quando entrei no quarto iluminado por luzes suaves, vi várias incubadoras, pequenos milagres respirando com a ajuda de máquinas.

E então, a enfermeira parou diante de uma delas.

— Essa é a sua filha.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Dentro daquela caixinha de vidro estava o ser mais frágil e, ao mesmo tempo, mais forte que eu já havia visto. Tão pequena, tão delicada, com a pele rosada e os olhos fechados.

Aproximei meu rosto, encostei a mão no vidro. Uma onda de amor inexplicável tomou conta de mim. Ali estava o motivo pelo qual eu precisava continuar viva.

— Ela é... perfeita — murmurei, soluçando.

Uma enfermeira sorriu e abriu a incubadora para que eu pudesse segurá-la pela primeira vez. Com todo o cuidado do mundo, coloquei minha filha nos braços. O corpo dela era leve, o coraçãozinho batia acelerado contra meu peito.

— Minha bebê... — falei entre lágrimas. — Você veio para me salvar.

Minha vó Laura, emocionada, enxugava as lágrimas ao meu lado.

— Já pensou em um nome para ela, Lua?

Olhei para aquele rostinho minúsculo, senti sua respiração frágil e decidi.

— Vou chamá-la de Solange.

— Solange... — repetiu minha vó, sorrindo. — É lindo.

Acariciei a cabeça macia de minha filha e completei:

— Mas vou chamá-la de Sol. Porque foi isso que ela trouxe para mim. Depois de tanta escuridão, ela veio para iluminar a minha vida.

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