Capítulo 4 Novos Caminhos

(lua Carvalho)

Acordei com o som do choro de Sol. Eram quase seis da manhã, e o quarto já estava banhado pela claridade tímida do sol que entrava pelas frestas da cortina. Esfreguei os olhos, cansada. Mais uma noite mal dormida. Desde que ela nasceu, meu sono nunca mais foi o mesmo, mas, nos últimos meses, parecia ainda mais difícil.

Levantei, vesti o roupão e fui até o quarto dela. Sol estava sentada no berço, balançando o corpo para frente e para trás, murmurando sons e falas desconexas. Estendi os braços e a peguei no colo.

— Bom dia, meu amor... — murmurei, tentando sorrir. — A mamãe tá aqui.

Ela encostou o rostinho no meu pescoço, mas não me olhou nos olhos. Aquilo já era parte da rotina. Eu percebia que havia algo diferente no comportamento da minha filha. Muitas vezes, ela não respondia quando eu a chamava e pela idade de cinco anos ela falava tudo errado . Outras vezes ela chorava desesperadamente diante de sons altos. E, em público, era comum as pessoas me olharem de forma estranha quando ela tinha crises de choro incontroláveis.

Apesar de todas as dificuldades, eu a amava mais do que a própria vida. Era minha razão de existir.

Naquela manhã, tínhamos consulta com a neurologista infantil. Eu já estava ansiosa havia dias. Sentia que hoje teria respostas — e talvez elas não fossem fáceis de ouvir.

O consultório era iluminado e tinha brinquedos espalhados pelo canto da sala. A médica, Dra. Helena Duarte Galvão, uma mulher de fala calma e olhar acolhedor, nos recebeu com um sorriso.

— Bom dia, Lua. E essa é a Sol, não é? — disse, olhando para minha filha.

— Sim... — respondi, ajeitando-a no meu colo. Sol balançava as mãos repetidamente, em movimentos rápidos.

Dra. Helena observou por alguns instantes antes de falar.

— Quero que você saiba que analisamos com muito cuidado os exames e o comportamento da Sol durante as últimas avaliações. Sei que pode ser difícil ouvir, mas precisamos conversar sobre o diagnóstico.

Senti meu estômago revirar.

— Doutora... o que minha filha tem?

Ela respirou fundo.

— A Sol apresenta características do Transtorno do Espectro Autista. O TEA.

A palavra caiu sobre mim como um peso. Meus olhos se encheram de lágrimas.

— Autismo...? — repeti, quase sem voz. — Isso quer dizer que... que ela nunca vai ser uma criança normal, ela nunca vai falar normal?

A médica inclinou o corpo para frente, com paciência.

— Lua, é importante entender que o autismo não é uma doença grave, não é uma sentença de infelicidade. A Sol pode se desenvolver, aprender, falar normalmente, ter uma vida plena. Mas vai precisar de acompanhamento especializado: terapia ocupacional, fonoaudiologia, piscologa, piscomotricista, acompanhamento comportamental... Quanto mais cedo começarmosas terapias e a intervenção, maiores serão as chances de progresso.

Olhei para minha filha, que brincava com o cordão do meu casaco sem me encarar. Um soluço escapou da minha garganta.

— Doutora, eu... eu sou só uma mãe solteira, desempregada. Como vou conseguir tudo isso?

Ela segurou minha mão com firmeza.

— Eu sei que parece assustador agora. Mas você não está sozinha. Existem programas de apoio, benefícios do governo, clínicas conveniadas. Vamos traçar um plano juntas.

Balancei a cabeça, as lágrimas escorrendo sem que eu conseguisse contê-las.

— Eu só quero que minha filha seja feliz.

— E ela será — respondeu Dra. Helena, sorrindo com ternura. — O mais importante ela já tem: uma mãe que a ama profundamente. Isso faz toda a diferença.

Saí do consultório atordoada, com Sol no colo. A cidade parecia barulhenta demais, pesada demais. Meu peito doía como se estivesse sendo esmagado.

Peguei o ônibus até a casa da minha vó. Durante o trajeto, segurei Sol com força, como se pudesse protegê-la de todo o mal do mundo. “Ela é minha luz”, pensei. “Mas e se eu não for forte o bastante para iluminar o caminho dela?”

Quando cheguei, minha avó Laura me recebeu com o sorriso de sempre. Mas bastou me olhar para perceber que algo estava errado.

— O que aconteceu, minha filha? — perguntou, já me puxando para dentro.

Eu desabei. Chorei como não chorava desde o acidente.

— Vó... a Sol... — soluçava, tentando encontrar palavras. — A doutora disse que ela é autista.

Minha avó me abraçou com força, como se quisesse segurar os pedaços quebrados de mim.

— Minha querida... não chore assim. O autismo não é o fim do mundo.

— Mas vó, como vou cuidar dela sozinha? Como vou pagar um bom plano de saúde, o tratamento, terapias, escola? Eu nem tenho emprego! — meu choro aumentou, junto do desespero.

Ela me fez sentar no sofá, enxugou minhas lágrimas com as mãos enrugadas.

— Lua, olhe para mim. — Sua voz era firme, mas cheia de amor. — Você já passou por coisas muito mais difíceis. Sobreviveu a um acidente terrível, criou a Sol sozinha até aqui. Você é mais forte do que pensa.

Balancei a cabeça, sem acreditar.

— Eu estou tão cansada, vó. Tão perdida.

Ela sorriu, acariciando meu rosto.

— Amanhã, tudo pode começar a mudar.

— Amanhã...? — perguntei, confusa.

— Sim. — Ela se levantou, foi até a mesa e pegou um papel com um número escrito. — Você tem uma entrevista marcada. Vai conhecer o meu antigo patrão, o Eduardo Duarte Galvão. Ele precisa de uma secretária pessoal, e eu indiquei você.

Meus olhos se arregalaram.

— Vó... você fez o quê?

— Indiquei você — repetiu ela, sem pestanejar. — Eduardo é exigente, difícil, mas confia em mim. E eu confio em você. Essa é sua chance de mudar de vida, minha filha.

Engoli em seco. Só de ouvir o nome já senti o peso da responsabilidade.

— Mas eu não tenho experiência, vó. E com a Sol... como vou conciliar?

— Você vai aprender. E se organizar. — Ela apertou minhas mãos. — Faça isso pela sua filha. Dê a ela o futuro que merece, Você vai conseguir!

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