CAPÍTULO 6

Acordei antes do despertador tocar, coisa que só acontece quando minha cabeça está mais cheia do que meu e-mail de trabalho numa segunda-feira.

Fiquei deitada por um tempo, observando o teto como se ele fosse me responder. Ou, ao menos, me dar um sinal do que fazer.

Pedro Dantas.

O nome dele já tinha se instalado com residência fixa nos meus pensamentos. A voz grave, o jeito educado demais pra alguém famoso, o olhar quase paciente. E agora, um bilhete misterioso deixado na portaria, como se eu fosse protagonista de um livro de romance da década passada. Conseguir meu telefone é fácil quando está nesse meio, mas até o meu endereço ele conseguiu. Realmente, ele está me deixando cada vez mais curiosa.

Virei pro lado e dei de cara com Bento, esparramado na beirada da cama. O focinho enfiado no meu travesseiro, como se dormisse melhor assim.

— Você acha que eu devo ir, Bento? — murmurei, e ele respondeu com um bocejo preguiçoso, sem nem abrir os olhos. — Achei que sim.

Levantei devagar e segui a rotina como quem tenta se distrair de um pensamento insistente. Café, banho, roupa básica. Tudo automático, tudo sem alma.

Enquanto escovava os dentes, meu olhar se prendeu ao espelho. Havia algo nos meus olhos que me incomodava, um brilho inquieto, uma dúvida escondida.

No caminho até a redação, passei por uma banca de jornal e lá estava ele: Pedro Dantas na capa de uma revista, com uma manchete genérica sobre carreira, bastidores e fama. Peguei o celular e abri o navegador, digitando o nome dele.

Ator premiado. Queridinho da televisão e do streaming. Já atuou em drama, comédia e ação. Dono de um carisma que arrasta multidões e de uma fama de galinha que parece andar lado a lado com o sucesso.

Suspirei, bloqueando a tela.

Não era o tipo de homem que se interessava por jornalistas comuns, que vivem com o orçamento apertado e dividem a cama com um gato carente e ranzinza.

Na redação, tudo parecia seguir seu curso habitual, o que significa, claro, confusão, café frio e prazos que evaporam com o tempo.

Sentei à minha mesa e, antes de qualquer coisa, contei tudo pra Clara. Mandei a foto do bilhete, o print da capa da revista, os emojis certos para desabafar e, como esperado, recebi a resposta mais "Clara" do mundo:

CLARA:

VOCÊ TÁ BRINCANDO COMIGO

VOCÊ VAI NÉ??

É CLARO QUE VOCÊ VAI

É PEDRO DANTAS

PE-DRO DAN-TAS

se você não for, eu vou no seu lugar

Ri sozinha. Clara tinha o dom de tornar qualquer dilema existencial numa oportunidade de moda.

Mas, no fundo, a dúvida ainda pulsava. Ir ou não ir? Era uma armadilha? Um truque de celebridade entediada? Ou, pior: e se ele estivesse mesmo interessado em conversar e eu fizesse papel de boba?

Tentei trabalhar, mas as palavras escapavam como peixes molhados. Minha concentração estava em outro lugar, num restaurante elegante, num horário marcado, numa conversa ainda sem roteiro.

Perto da hora do almoço, recebi uma mensagem curta.

PEDRO DANTAS:

Confirmado para hoje? O restaurante mantém a reserva até às 19h15. Sem pressa.

Fiquei olhando pra tela por um tempo, o coração batendo mais rápido do que eu gostaria de admitir.

Não respondi na hora.

Deixei o celular virado para baixo, como se assim pudesse atrasar a realidade.

Mas a verdade é que eu já sabia o que ia fazer. Só ainda não tinha coragem de dizer em voz alta.

Cheguei em casa mais cedo do que o habitual, com a desculpa esfarrapada de que precisava terminar uma pauta em casa, e com a verdade batendo no peito: eu precisava de tempo. Tempo pra pensar, pra escolher uma roupa que não gritasse “desespero”, e pra treinar algumas respostas espirituosas caso Pedro Dantas resolvesse me testar.

Assim que fechei a porta, Bento veio até mim com o andar altivo de quem governa o mundo, ou pelo menos os 70 metros quadrados do meu apartamento.

— Tô em apuros, meu amigo — falei, agachando pra fazer carinho embaixo do queixo dele. — E antes que diga alguma coisa, sim, eu vou. Acho. Talvez. Ai, Bento, o que eu tô fazendo?

Ele me olhou, ronronou e seguiu para o tapete, onde se esticou com a elegância de quem não se abala por drama humano.

Eu, por outro lado, estava em plena crise existencial frente ao meu guarda-roupa. Abri as portas do armário como se esperasse que algum look fabuloso pulasse de lá dizendo: “Oi! Pronta pra jantar com um astro da televisão?”

Não aconteceu.

Revirei cabides, experimentei três blusas, duas calças e uma saia que me lembrava que precisava fazer doações com urgência. No fim, optei por um vestido simples, de tecido leve e cor vinho, que me deixava confortável e com a impressão de que me esforcei, mas não demais. Um batom discreto, rímel só nos cílios de cima e cabelo solto, com aquela textura que finjo que é natural, mas que envolve creme, secador e uma pequena reza.

Antes de sair, sentei no sofá e fiquei ali por uns minutos, encarando o nada com o coração batendo rápido demais.

— Eu sou uma mulher adulta, independente, com boletos no débito automático e um gato com nome de bispo. Posso jantar com um ator famoso sem surtar. Isso é só… um jantar. Nada mais.

Bento me olhou da poltrona e piscou devagar, tipo quem diz: “Você tá surtando sim.”

Peguei a bolsa, respirei fundo e saí.

O táxi me deixou em frente ao restaurante no horário exato e eu queria dizer que entrei confiante, mas a verdade é que hesitei. Fiquei parada por um segundo, encarando a fachada elegante e o reflexo da minha própria ansiedade no vidro.

Era um lugar bonito demais. Luzes amareladas, cortinas que pareciam flutuar, garçons com postura impecável e cheiro de trufas no ar. Totalmente fora da minha zona de conforto.

O maître me olhou antes que eu dissesse qualquer coisa.

— Boa noite, senhorita. Sua reserva está em nome de quem?

Dei um sorriso sem graça, sentindo meu rosto aquecer.

— Estou acompanhando Pedro Dantas.

Ele assentiu com um sorriso profissional e me conduziu por um corredor interno. Passamos por algumas mesas ocupadas por gente chique demais pra sequer olhar pra mim. No fim do salão, em um reservado discreto, lá estava ele.

Sentado, camisa branca com as mangas dobradas, barba por fazer e o celular sobre a mesa. Ele olhou pra mim no segundo exato em que me virei. E sorriu. Não o sorriso de celebridade. Foi um sorriso calmo, de quem realmente esperava por mim.

Levantei o queixo, organizei minha coragem e caminhei até ele como quem anda em direção a um abismo… com salto baixo.

— Boa noite — disse, tentando parecer no controle da situação.

— Boa noite, Isadora. Que bom que veio.

Me sentei, ainda processando o fato de que eu realmente vim. E que ele realmente estava ali.

— Se eu tivesse contado isso pra alguém, teria parecido mentira — comentei, rindo nervosa.

— Então é melhor não contar ainda — ele brincou, apoiando os cotovelos na mesa com aquele charme displicente. — Melhor você me conhecer primeiro… antes de decidir se vale a pena me tornar uma história.

Dei uma risada curta, mas meu cérebro ainda tentava entender por que, entre todas as pessoas, Pedro Dantas queria me conhecer.

E o mais estranho era: eu queria saber a resposta tanto quanto ele.

O restaurante era bonito demais para alguém que tomava café em caneca trincada e comia empadinha de padaria no almoço. Cada detalhe parecia calculado: da iluminação morna à música instrumental que ninguém prestava atenção, passando pelas taças finas demais para minhas mãos desajeitadas.

Pedro parecia confortável ali. Como se fizesse parte do cenário. Sentado à minha frente, com a manga da camisa dobrada até o antebraço, ele examinava o cardápio com a tranquilidade de quem já esteve em muitos jantares como aquele, e provavelmente com pessoas muito mais interessantes que eu.

— Você está nervosa? — ele perguntou, sem tirar os olhos do cardápio.

— Um pouco — admiti, rindo. — Isso aqui tá fora da minha zona de conforto. Sou mais de pedir comida pelo aplicativo e comer de pijama com o gato no colo.

Ele ergueu o olhar, um sorriso curioso surgindo nos lábios.

— E como é o nome do gato mesmo?

— Bento. Herdou o nome do ex-dono. Longa história.

Pedro riu, apoiando o cardápio sobre a mesa.

— Eu quero muito ouvir essa história qualquer dia.

A naturalidade com que ele falou aquilo me pegou desprevenida. Era como se fôssemos velhos amigos, e não duas pessoas de mundos completamente opostos, dividindo um jantar que não fazia o menor sentido.

O garçom se aproximou, anotou os pedidos, serviu o vinho. Eu tentei me comportar, mas duvidei que estivesse conseguindo. Quando dei por mim, estava segurando a taça com as duas mãos, como se ela fosse desmanchar.

— E então — comecei, olhando para ele por cima da borda da taça. — Vai me dizer o verdadeiro motivo pra esse jantar misterioso?

Ele girou o vinho na taça, pensativo.

— Talvez eu só tenha querido jantar com uma boa companhia.

Ergui uma sobrancelha.

— Isso funcionaria melhor se eu não fosse jornalista. E se você não estivesse claramente ensaiando um discurso na cabeça, tipo aqueles pronunciamentos "quem me conhece, sabe".

Ele soltou um suspiro leve, rendido.

— Justo. É que… eu precisava encontrar alguém que me ouvisse antes de julgar. Alguém de fora do meu ciclo, alguém que não tivesse nada a ganhar ou perder comigo. E aí, depois daquela entrevista desastrosa com o Ricardo…

— Você leu? — perguntei, surpresa.

— Li tudo. Duas vezes, na verdade. Gostei do seu texto. E mais ainda de como você conduziu a conversa.

Cruzei os braços, desconfiada.

— Pedro, se você vai me pedir pra escrever sua biografia, acho que está mirando na pessoa errada. Meu talento narrativo se limita a matérias sobre política municipal, pautas de última hora e desastres de celebridades.

Ele riu, e por um segundo o ar ao nosso redor pareceu mais leve.

— Não é isso. — Fez uma pausa curta, os olhos cravados nos meus. — Mas é algo que exige sua confiança. E talvez sua loucura também.

Inclinei a cabeça, intrigada.

— Agora você me deixou curiosa.

Ele pareceu pesar as palavras por um instante. Tomou um gole de vinho. Respirou fundo. E então, com a maior naturalidade do mundo, me disse:

— Preciso que você finja ser minha namorada.

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