CAPÍTULO 5

Se tem uma coisa que aprendi ao longo dos meus vinte e oito anos é que a vida adora jogar pistas falsas. Você pensa que está indo numa direção, confiante, segura, achando que o máximo que vai acontecer no seu dia é o elevador travar entre dois andares.

E aí, do nada, aparece Pedro Dantas com seus olhos indecentes, um sorriso que deveria ser ilegal em todos os estados e uma proposta que ainda nem foi feita, mas já bagunçou tudo dentro de mim.

Claro que estou exagerando. Mas só um pouco.

Desde aquele café com ele, minha mente não parava. Não consegui escrever uma linha decente na pauta que meu editor me pediu, um artigo sobre os impactos da urbanização na qualidade do ar. Tentei começar três vezes, mas toda vez que abria o Word, o título que surgia na tela era: “Por que Pedro Dantas me chamou pra conversar?”

Zero credibilidade jornalística.

— Isso tudo é culpa sua — reclamei, jogando um olhar enviesado para Bento, que se espreguiçava descaradamente em cima do meu sofá. — Você podia ao menos fingir que se importa com a minha instabilidade emocional.

Ele miou. Não sei se em protesto, deboche ou pura fome.

— Tá bom, eu também estou com fome. Mas isso não resolve nada, gato.

Me levantei e fui até a cozinha. Abri o armário e encarei o pacote de bolacha de água e sal como se ele fosse me dar uma resposta. “O que Pedro quer de mim?” era o tipo de pergunta que eu normalmente faria para minha terapeuta. Mas como tinha cancelado a última sessão porque “não estava acontecendo nada demais”, achei que seria um pouco hipócrita voltar lá dizendo: “Oi, então, um famoso quer conversar comigo e talvez mudar minha vida, pode me ajudar a processar isso?”

O pior de tudo era: Pedro não tinha sido claro. Disse que precisava de alguém que dissesse a verdade. Me chamou de “diferente”. Disse que se cansava de viver como Pedro Dantas o tempo todo. E depois disso? Nada. Ficamos nos olhando como se um de nós fosse ter uma grande revelação. Mas não houve.

A parte racional de mim dizia que ele só queria uma consultoria informal, talvez um conselho. Quem sabe até uma entrevista exclusiva. Já a parte emocional, aquela que anda de mãos dadas com a insônia e com os devaneios noturnos, essa já tinha escrito três possíveis roteiros de romance, todos com trilha sonora.

Voltei para a sala com uma caneca de chá e uma tigela de ração. O chá era pra mim, claro. Bento, como sempre, foi direto ao ponto.

— Preciso colocar minha cabeça no lugar — murmurei, ligando a televisão. — Você me lembra disso amanhã, ok?

Ele não respondeu, mas deitou no meu colo. E isso, vindo dele, era o equivalente a um “vai ficar tudo bem”.

No fundo, eu sabia que a calmaria era provisória. Que Pedro apareceria de novo. Que ele diria o que realmente queria. E que, de algum modo, isso mudaria minha rotina mais do que eu estava disposta a admitir.

Mas por agora… eu só queria o silêncio. O colo do meu gato. E a leve ilusão de que ainda estava no controle da minha própria vida.

Na manhã seguinte, acordei com a sensação de que tinha dormido dois minutos. E considerando que fui deitar depois das duas da madrugada, porque decidi reorganizar minha estante por cor, atividade típica de gente mentalmente estável, talvez nem tivesse dormido mesmo.

Levantei com o som do despertador, que soava mais agressivo do que deveria. Bento, que havia dormido no meu travesseiro como um príncipe mimado, simplesmente abriu um olho e voltou a dormir, me ignorando solenemente.

— Bom dia pra você também, majestade — murmurei, enfiando os pés nas pantufas.

Tomei um banho rápido, me enrolei na toalha e fui até a cozinha em busca de café. Tudo o que encontrei foi um restinho de pó velho que nem o filtro quis aceitar. Ótimo. Vida adulta é isso: acordar sem café e continuar mesmo assim.

Quando finalmente saí de casa, o sol já estava alto e o elevador demorou tanto pra chegar que pensei seriamente em descer os quatro andares pela escada. Mas aí lembrei que a última vez que tentei isso quase torci o tornozelo e fui resgatada pelo síndico, que agora me chama de "Isadora Atrapalhada". Um apelido carinhoso, segundo ele. Não concordo.

Assim que cheguei à portaria, dei de cara com Clara. Mais precisamente, com Clara entrando apressada no prédio, vestida com uma roupa de academia que parecia mais cara do que minha geladeira.

— Isa! — Ela me deu aquele sorriso contagiante que só ela sabia dar. — Você tá com uma cara horrível. Não dormiu?

— Bom dia pra você também, amiga.

— Desculpa. É que seu olho tá um pouco… panda dramático.

Revirei os olhos, mas sorri. Clara era dessas que falava a verdade como se estivesse te oferecendo um elogio.

— Foi só insônia — respondi, tentando disfarçar um bocejo. — E um leve ataque existencial.

— Por acaso esse ataque tem nome e sobrenome? — Ela arqueou uma sobrancelha.

Silêncio. E então ela mesma respondeu:

— Pedro. Dantas. Sabia!

— Ele não fez nada, ok? — rebati, andando na direção do portão. — Só apareceu do nada, disse coisas confusas e foi embora. Nada demais.

— Nada demais vindo de um astro do cinema com fama de galinha internacional, que resolveu dar atenção especial pra você… Isa, pelo amor de Deus. Isso é basicamente o roteiro de uma fanfic. E você tá vivendo sem perceber.

Suspirei e parei por um instante.

— Eu não sei o que ele quer.

— E isso te incomoda?

Pensei por alguns segundos.

— Um pouco. Mas não mais do que o fato de que eu só tenho bolacha de água e sal em casa e estou indo cobrir uma pauta sobre reforma urbana sem nem um pingo de cafeína no sangue.

Clara riu, tirou da bolsa uma barrinha de cereal e me entregou como se fosse uma dádiva dos deuses.

— Vai dar tudo certo. E se não der, a gente inventa um plano B juntas.

Abracei-a rapidamente antes de seguir para a rua, respirando fundo. O ar da cidade estava meio abafado, e o trânsito parecia mais caótico que o normal.

Cheguei à redação com cinco minutos de atraso e um coração batendo estranho dentro do peito. Talvez por causa da insônia, talvez por causa da expectativa que eu não queria admitir. Mas algo me dizia que o Pedro Dantas ainda não tinha saído da minha história. E o pior, uma parte de mim começava a torcer pra ele voltar.

O dia passou como um borrão mal editado.

As horas na redação foram marcadas por cafés ruins, telefonemas intermináveis e revisões de textos que pareciam não ter fim. Eu mal consegui me concentrar de verdade, tropeçando nas próprias palavras cada vez que tentava escrever algo coerente sobre as mudanças no zoneamento urbano da cidade.

Cheguei a recomeçar o parágrafo inicial quatro vezes. Em uma delas, escrevi: "As ruas da cidade não são as mesmas, assim como meus batimentos cardíacos desde que Pedro Dantas apareceu." E fiquei encarando aquilo por minutos, até que Ana me lançou um olhar suspeito.

No fim da tarde, entreguei um rascunho aceitável para o editor e saí antes que minha cabeça explodisse. O metrô estava lotado, como sempre, e o som abafado das conversas misturado ao zumbido do vagão só me deixava mais dentro da própria mente. Foi só quando cheguei na portaria do prédio que percebi o aviso colado no vidro:

“Entrega para Isadora Campos — deixado por motoboy, às 16h.”

Assinei o papel com a caneta do porteiro e peguei o envelope. Era simples, sem remetente. Meu nome estava escrito em uma caligrafia bonita demais para ser coincidência.

Subi com o envelope nas mãos, o coração dando uma leve acelerada. Bento me recebeu na porta como se tivesse sido treinado para me olhar com desprezo sempre que eu demorava mais que o normal. Passei por ele e me joguei no sofá, rasgando a aba do envelope com cuidado.

Dentro, havia um convite.

Na verdade, um bilhete em papel firme, dobrado com perfeição. Era elegante, direto e tão pessoal quanto impessoal ao mesmo tempo.

“Isadora,

Gostaria de continuar nossa conversa.

Amanhã, 19h. Restaurante La Torre.

Está reservado em meu nome.

Se puder, estarei esperando.

Um abraço, Pedro.”

Fiquei encarando aquele papel como se ele fosse me dar alguma explicação além do que dizia. Mas não havia nada além disso. Nenhum “por quê”. Nenhuma pista do que ele pretendia conversar. Só uma data, uma hora, um lugar.

Suspirei alto. Muito alto. Bento miou do chão, impaciente, como se dissesse: “Vai ou não vai, mulher?”

Levantei devagar e deixei o papel sobre a mesinha da sala. O bilhete parecia ocupar um espaço maior do que ele realmente tinha. Não apenas na mesa, mas dentro de mim também.

Fui até a cozinha, preparei um chá, agora meu ritual automático de “calma, ainda estamos vivas”, e voltei para o sofá. Estava tão mergulhada no próprio redemoinho mental que só percebi que estava falando sozinha quando ouvi minha voz em alto e bom som:

— Não é um encontro. Não é um convite romântico. É só... uma conversa. Talvez ele queira uma opinião. Ou uma entrevista. Talvez ele só esteja solitário e me ache inofensiva. Talvez…

E parei. Porque talvez já era demais. Eu nem sabia se ia.

Mas sabia que queria saber o que ele tinha a dizer. Minha curiosidade sempre falava mais alto.

E isso, por si só, já era complicado o bastante.

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