CAPÍTULO 2

Algumas pessoas dizem que a vida muda em um piscar de olhos. Eu discordo. Ela muda em etapas, aos poucos, como uma xícara de café esfriando lentamente enquanto você está ocupado demais para perceber.

No dia seguinte à coletiva, voltei à redação com a estranha sensação de estar carregando algo invisível comigo. Não era exatamente ansiedade, nem entusiasmo. Era como uma coceira no canto da alma, uma daquelas que você não sabe se ignora ou cutuca até virar ferida.

— Bom dia, Isa! — gritou a Luiza, da editoria de moda, passando com seu blazer impecável e batom vermelho como quem desfila por uma passarela em plena quarta-feira.

— Bom dia... — murmurei, tentando equilibrar meu copo de café, minha bolsa, e o celular que insistia em tocar notificações do grupo da família.

No meu computador, a tela me esperava com o arquivo ainda em branco da matéria que eu precisava terminar sobre Pedro Dantas. Eu tinha feito anotações no caderno, gravado a coletiva, separado frases... mas por algum motivo, não conseguia escrever.

A imagem dele, sentado diante de mim na sala reservada, com aquele pedido estranho de "mostrar quem ele era de verdade", rondava minha cabeça. Que tipo de celebridade fazia isso? E por que justo eu?

— Você vai escrever ou vai só namorar o cursor piscando? — perguntou Marcelo, meu colega de redação, se apoiando na divisória da minha mesa com um sorriso debochado.

— Tô concentrada — menti, enquanto minimizava a aba do T*****r e abria o documento de novo.

Ele riu.

— Você tá é tentando entender o Pedro Dantas. Boa sorte. A imprensa inteira tenta isso há anos.

Dei de ombros, mas ele não estava errado. Era mais fácil escrever sobre política internacional do que sobre celebridades que se protegiam com charme e frases de efeito.

Na hora do almoço, fugi para o meu lugar preferido: uma lanchonete escondida na rua de trás do jornal, onde ninguém me enchia e o suco vinha num copo grande. Pedi meu tradicional sanduíche de frango com salada, e abri o bloco de notas do celular.

Anotações aleatórias. Trechos de texto. Frases soltas.

“Talvez as pessoas não queiram conhecer a verdade. Talvez queiram apenas uma história boa o suficiente para acreditar.”

Suspirei. O que Pedro Dantas queria não era uma matéria. Ele queria controle sobre a narrativa. E, por algum motivo que eu ainda não entendia, achava que eu podia ajudar com isso.

Talvez fosse minha fama de "ética demais". Ou o fato de que nunca publiquei matéria sensacionalista, mesmo quando dava ibope. Ou talvez ele só estivesse tentando algo novo, fora da bolha em que vivia.

Mas ainda assim… algo em mim se irritava com a ideia de ser escolhida por conveniência. Eu não era uma ferramenta para salvar reputações. Eu era jornalista. Uma boa, diga-se de passagem, mesmo que às vezes tropeçasse nas próprias palavras e deixasse o celular cair no elevador.

Voltei à redação decidida a escrever a matéria do meu jeito.

Nada de floreios. Nada de bajulação.

Fiz um retrato honesto da coletiva, com direito a observações críticas e um toque pessoal. Mostrei os bastidores da imprensa tentando arrancar respostas, mostrei como ele esquivava com charme, e destaquei a frase dele sobre não querer ser "fácil de lidar". Era a síntese de Pedro Dantas: encantador, mas intencionalmente opaco.

Quando entreguei o texto para a editora, ela levantou as sobrancelhas.

— Isa... isso aqui tá bom.

Sorri, aliviada.

— Bom do tipo “vai pro site”, ou bom do tipo “vou mudar tudo e botar seu nome num canto”?

Ela riu.

— Bom do tipo “vamos publicar em destaque”.

Era só uma matéria. Mas, por algum motivo, parecia o início de alguma coisa maior.

(...)

Naquela noite, em casa, com a televisão ligada num programa qualquer e meu gato dormindo em cima do sofá, eu revisei mentalmente tudo que havia acontecido. A coletiva, a conversa reservada, o texto...

Foi quando o celular vibrou.

Número desconhecido.

Atendi com um “alô” hesitante.

— Isadora? Aqui é o Pedro Dantas.

Levantei do sofá num pulo.

— Oi...? Tudo bem?

— Li sua matéria. Queria agradecer. Você fez exatamente o que eu esperava. E eu não costumo dizer isso com frequência.

Fiquei em silêncio por alguns segundos. Porque, para falar a verdade, não sabia exatamente o que dizer.

— Eu só fiz meu trabalho — respondi, simples.

Ele riu, do outro lado da linha.

— É... e fez muito bem. A gente ainda vai conversar mais. Você tem tempo essa semana?

Meus batimentos aceleraram, e eu nem sabia por quê.

— Tenho sim.

— Ótimo. Meu assessor vai te passar os detalhes. Boa noite, Isa.

Não tive nem tempo de responder, ele desligou. E eu fiquei ali, com o telefone na mão, sentindo como se minha rotina tivesse acabado de sair dos trilhos. De novo.

Mas, ainda assim… uma parte de mim sorriu.

Talvez a vida não mude num piscar de olhos. Mas, às vezes, ela muda com uma ligação inesperada.

Fiquei alguns segundos olhando para a tela preta do celular depois que a ligação terminou. A frase dele ainda martelava nos meus ouvidos como se tivesse sido dita agora: "A gente ainda vai conversar mais. Você tem tempo essa semana?"

O mais estranho não era o conteúdo, mas o tom. Quase íntimo. Quase como se ele já soubesse que eu diria sim. Tão íntimo que já usou apelido.

Levantei do sofá com uma lentidão estudada, como se pudesse adiar o peso daquela ligação com movimentos suaves. O meu parceiro continuou no sofá, e apenas me olhou como se uma ligação dessa não fosse importante.

Fui até a cozinha, buscando alguma ocupação comum que pudesse trazer minha mente de volta para a realidade ou pelo menos para a minha rotina.

Coloquei água pra ferver e peguei um sachê de chá de camomila, meu ritual particular para noites estranhas. E essa, com certeza, entrava fácil nessa categoria.

A porta da frente se abriu com um estalo suave. Nenhuma surpresa. Clara tinha a chave e o hábito de entrar como se minha casa fosse extensão da dela. O que, no fundo, era. Ela morava no apartamento da frente e, desde o início, cultivamos uma amizade que desconsiderava paredes, fechaduras e formalidades.

— Isa? — a voz dela soou animada demais para uma terça-feira.

— Na cozinha — respondi, tentando soar casual. Mas Clara era radar de emoções ambulante. Bastou entrar no ambiente pra me lançar aquele olhar afiado.

— Você tá com aquela cara.

— Que cara?

— A cara de quem acabou de ver um famoso no elevador. Nu.

Soltei uma risada nasalada.

— Você é exagerada.

— Fala logo — disse ela, encostando no balcão com os braços cruzados. — O que aconteceu?

Suspirei. Eu podia esconder o jogo de muita gente, mas nunca dela.

— Pedro Dantas me ligou.

— O... como é?

— Pedro Dantas. O próprio. Me ligou. Agora há pouco.

— O ator? — Ela piscou duas vezes, como se precisasse de tempo pra processar. — Meu Deus, o Pedro Dantas te ligou? Por quê?

— Disse que leu a matéria, que gostou da forma como escrevi. Quis agradecer pessoalmente. E… comentou que queria conversar mais.

Ela se endireitou, o cenho franzido.

— Conversar mais?

Assenti, jogando o sachê na água quente.

— Disse que ia pedir pro assessor entrar em contato pra combinarmos alguma coisa.

Clara ficou me olhando como se eu fosse uma bomba-relógio prestes a explodir. Depois, balançou a cabeça e riu.

— Isso tem cara de confusão das boas.

— É só trabalho.

— Hum.

— O que foi esse “hum”?

— Nada. Só acho que “conversar mais” com Pedro Dantas não costuma ser só trabalho.

Revirei os olhos.

— Clara, ele me ligou. Elogiou meu texto. Pode ser só isso. Gente famosa também agradece, sabia?

— Gente famosa não liga. No máximo manda mensagem fria por e-mail com assinatura do assessor. Pedro Dantas te ligou. À noite. Quer te ver de novo. Isso aí, minha amiga, tem cara de enredo.

Tentei desviar o pensamento. Não podia me permitir especular. Mas no fundo... algo em mim concordava com ela. Tinha mesmo cara de enredo.

— E você? — perguntei, tentando mudar de assunto. — O que veio fazer aqui? Precisava de açúcar de novo?

Ela sorriu, se aproximando da caneca que eu havia preparado pra mim.

— Não. Só senti cheiro de novidade no ar. E eu sempre venho conferir de perto.

Rimos juntas. Era isso que eu amava na Clara. Ela sabia exatamente quando aparecer e quando me deixar em paz também.

Depois que ela foi embora, a quietude voltou a preencher meu apartamento. Era assim que eu gostava. Do meu espaço. Do silêncio. Das xícaras de chá ainda fumegando na pia. Bento dormindo relaxado.

Mas mesmo naquele silêncio confortável, minha cabeça não parava.

“Conversar mais.”

“Você tem tempo essa semana?”

Fechei os olhos e apoiei a testa no vidro da janela da sala, sentindo a brisa da noite do lado de fora.

O mundo dele era barulhento, iluminado, exagerado. O meu era feito de entrelinhas, observações e chá quente antes de dormir.

Talvez fosse isso que ele viu em mim. Ou talvez não fosse nada.

Eu só sabia de uma coisa: minha vida estava prestes a mudar. E eu ainda nem fazia ideia do tamanho da confusão.

— O que será que ele quer, Bento?

Tive resposta? Claro que não. O descanso dele era mais importante.

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