Girei a chave com cuidado, o mais devagar possível, como se isso fosse atrasar o inevitável. O clique da porta soou alto demais, me traindo. Entrei na ponta dos pés, como se isso fosse diminuir a culpa. Já passava da meia-noite. Eu sabia. Naquela casa, horário era uma sentença, e liberdade, um pecado.
Prendi a respiração, esperando ouvir o estouro da voz do meu pai vindo da sala, mas tudo estava quieto. A casa mergulhada em penumbra, com só a luz da cozinha acesa. O rádio velho deixava escapar uma música gospel arrastada, quase triste. Quando cheguei na porta da cozinha, vi minha mãe sentada à mesa, com uma caneca entre as mãos.
Ela levantou os olhos devagar. Como se já soubesse que era eu. Mas quisesse ter certeza.
— Onde você estava? — a voz dela saiu baixa, mas firme. Um tipo de dureza que ela só usava comigo.
Fiquei parada na porta, como se tivesse doze anos de novo. Tirei os sapatos devagar, tentando parecer menos errada.
— Estava com o Lucas — respondi.
Vi o rosto dela mud