O táxi deslizou lentamente pelas ruas iluminadas da cidade, e Carolina sentiu o coração bater acelerado contra as costelas, um tambor ritmado de ansiedade e culpa. Na bolsa, o vestido impecável – e absurdamente caro – que Melissa havia enviado parecia pulsar, um artefato de um mundo que não era o seu, lembrando-a do jogo perigoso que estava prestes a começar. O dinheiro adiantado, já destinado a saldar as dívidas mais urgentes, ainda queimava metaforicamente em sua conta, um lembrete gelado do preço de sua escolha.
O prédio do evento beneficente era um monumento ao luxo inatingível: vidros brilhantes, escadas de mármore que pareciam absorver a luz, lustres que lançavam padrões dourados sobre convidados impecáveis. Flashs de câmeras disparavam como pequenos relâmpagos, iluminando sorrisos perfeitos e ensaiados. O murmúrio constante de conversas polidas e o tinir de taças de champanhe criavam uma sinfonia de riqueza que, em vez de encantar, a deixava com um nó de inadequação na garganta. "Apenas esteja lá. Observe. Deixe que ele te encontre. A curiosidade dele é sua maior aliada." As instruções de Melissa ecoavam em sua mente como um mantra. Carolina engoliu seco, tentando se fundir com a parede, enquanto uma recepcionista de sorriso impecável a conduzia para dentro do salão principal. Ela se movia como um fantasma entre aquelas pessoas, um estudo em contrastes: sua beleza natural realçada pelas roupas caras, mas sua postura denunciava uma hesitação que dinheiro nenhum podia comprar. Foi então que seus olhos se prenderam a uma obra de arte exposta no centro do salão – uma escultura agressiva e bela, feita de metal polido e vidro quebrado, refletindo e distorcendo a luz e as imagens ao redor como um caleidoscópio crítico. — Interessante, não acha? — uma voz surgiu ao seu lado, grave e carregada de um tom levemente cínico. — Uma peça sobre fragmentação e ilusão, no meio de tanta… superficialidade consolidada. Carolina quase se sobressaltou. Ele estava ali. Christopher Moretti. Era mais alto do que imaginara, e o terno escuro, embora impecável, parecia usado com uma despreocupação rebelde. O cabelo estava levemente desalinhado, como se ele tivesse passado a mão nele várias vezes em frustração, e a barba por fazer acrescentava uma aura de descuido perigoso. Mas eram os olhos que a prenderam: de um cinza intenso, eles observavam a escultura não com admiração, mas com uma análise crítica e penetrante. — Sim — ela respondeu, forçando a voz a não tremer. — A maneira como a luz se reflete e se quebra… parece criar movimento a partir do caos. Quase como se a obra estivesse viva e se despedaçando ao mesmo tempo. Ele se virou completamente para encará-la, e um franzir de sobrancelha quase imperceptível substituiu a expressão anterior. Era um olhar de reconhecimento, como se ele tivesse encontrado alguém que falava uma língua rara em um deserto de trivialidades. — Raramente alguém vê isso — disse ele, e pela primeira vez, o cinismo na voz deu lugar a uma centelha de curiosidade genuína. — A maioria só usa isso como pano de fundo para fotos que vão postar nas redes sociais, com hashtags que não entendem. — Talvez estejam muito distraídos com os flashs e o champanhe para realmente enxergar — Carolina respondeu, ecoando involuntariamente o ton dele, sentindo o coração acelerar como se estivesse fugindo de algo. De um canto do salão, por trás de um grupo de investidores, Melissa observava. Seus olhos claros não perdiam um único detalhe: a postura levemente tensa de Carolina, o modo como ela segurava a bolsa com força, a expressão surpresa de Christopher. Um sorriso mínimo, quase imperceptível, tocou seus lábios. A isca estava lançada. A jovem, com sua mistura de nervosismo e perspicácia inesperada, era mais convincente do que qualquer atriz poderia ser. — Então você percebe além da superfície — Christopher inclinou-se ligeiramente, como se examinando um espécime raro. — Inteligência e sensibilidade. Uma combinação… interessante. E perigosa, por aqui. — É só saber olhar — respondeu Carolina, sentindo a tensão crescer em seus ombros. Mantenha a calma. É só uma conversa. — Às vezes, a verdade mais crua está nos detalhes que todos escolhem ignorar. Ele ergueu uma sobrancelha, intrigado. A observação o atingiu de uma forma que ela não poderia ter planejado. — Parece que você não é do circo. E mesmo assim, já decifrou um dos números principais. — Um brilho de desafio acendeu em seus olhos cinza. — Muito curioso. — Talvez eu apenas preste atenção onde os outros fingem — disse ela, mantendo a calma superficialmente, embora cada palavra fosse um esforço consciente. O olhar dele percorreu-a então, não com o desejo vulgar que ela temia, mas com a mesma intensidade analítica com que observara a escultura. Era como se ele estivesse tentando decifrar suas camadas, enxergar a costura do vestido emprestado e a persona que ela mal começara a construir. Carolina teve a estranha sensação de que, de alguma forma, ele via a sombra da dona da loja na etiqueta e o desespero por trás de seus olhos. — Espero que você continue prestando atenção — disse Christopher, seu sorriso agora era um pouco mais real, um pouco mais perigoso. — Estou começando a achar que observar você decifrar este salão de espelhos pode ser infinitamente mais divertido do que qualquer outra coisa esta noite. Carolina sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Aquilo não era um elogio fútil; era um desafio. Um aviso silencioso, quase uma admissão de que ele também jogava um jogo, mas conhecia as regras melhor do que qualquer um. Melissa, satisfeita, virou-se e desapareceu na multidão, seu trabalho ali estava feito. Carolina sentiu o peso do olhar dela se afastar, mas foi substituído por um peso maior: a consciência de que o primeiro passo foi dado, mas o chão sob seus pés era mais instável do que jamais imaginara. O som dos aplausos polidos para um discurso qualquer, o tinir das taças e o burburinho das conversas continuavam, mas para Carolina, o mundo havia reduzido àquele pequeno círculo de espaço ao redor de Christopher Moretti. Ela estava em um novo território, traiçoeiro e eletrizante, onde cada palavra era uma jogada e cada olhar, uma análise. Christopher ergueu levemente sua taça de uísque em sua direção, um gesto mínimo, quase íntimo, que era ao mesmo tempo uma saudação, um reconhecimento e uma declaração tácita de guerra. O jogo havia começado. E Carolina, para seu próprio terror, percebeu que a primeira jogada dele já a deixara completamente desequilibrada. Entre máscaras e reflexos distorcidos, ela já estava em xeque. E a partida mal havia começado.