A volta para casa foi um borrão. Carolina mal se lembrava de ter se despedido de Marcela e Caio, de ter pegado o ônibus, de ter caminhado sob o céu noturno que parecia mais pesado do que nunca. Na sua mão, o cartão de visita de Melissa Moretti queimava como uma brasa, um contraste gritante com o frio que sentia por dentro.
A casa estava escura e silenciosa quando ela entrou. Um alívio, Célia já devia estar dormindo. Mas uma fresta de luz sob a porta do escritório do tio Ricardo indicava que ele ainda estava acordado. Ela se aproximou e ouviu o som abafado de uma conversa telefônica. —… sim, entendemos. Segunda-feira então. Obrigado. — A voz de Ricardo soava cansada, derrotada. Ele desligou o telefone, e um silêncio pesado se seguiu. Carolina empurrou a porta suavemente. O tio estava sentado à escrivaninha, a cabeça apoiada nas mãos. Os papéis espalhados à sua frente pareciam um campo de batalha. — Tio? — ela chamou baixinho. Ele ergueu a cabeça rapidamente, tentando disfarçar a preocupação com um sorriso cansado. — Carol. Tudo bem? Você chegou tarde. — Trabalho em grupo — ela mentiu, a palavra soando amarga na sua boca. — O que foi aquilo no telefone? Ricardo suspirou, derrotado. — Era o banco. O prazo final é segunda-feira. Eles não vão mais adiar. — Ele olhou para ela, e seus olhos estavam cheios de uma dor que fez Carolina querer chorar. — Lamento que você tenha que ouvir tudo isso. Ela se aproximou e pousou a mão no ombro dele, sentindo a tensão enrijecer seus músculos. — Nós vamos dar um jeito. — Como, Carol? — a pergunta saiu como um sussurro quebrado. — Vendendo a casa? E depois? Onde a gente vai morar? A gente. Ele sempre a incluía. Mesmo na beira do abismo, ele a via como família. A culpa corroeu Carolina como ácido. Ela se retirou para seu quarto, o cartão de Melissa pesando no bolso como uma pedra. Sentou-se na cama e olhou para a tela do celular, para as mensagens inocentes dos amigos. Caio: Consegui o número da musa ruiva! 😎 Tô vivendo! Marcela: OBRIGADA PELA AJUDA! Você é uma deusa das relações internacionais! Sorvete na segunda, combinado? Ela sorriu triste, uma lágrima escapando e manchando a tela. Aquela vida simples, de preocupações comuns, parecia estar se despedaçando. Seu olhar caiu sobre uma foto emoldurada na sua mesa de cabeceira: ela, ainda pequena, nos ombros do pai, com a mãe abraçando as pernas dele, todos rindo. O tio Ricardo estava ao lado, com um sorriso largo, ainda sem as marcas de cansaço que carregava hoje. A felicidade era tão palpável naquela foto que doía. Agora, seus pais se foram. E a família que restava estava prestes a desmoronar. Ela pegou o cartão. Melissa Moretti. Aquele nome elegante era uma corda salva-vidas envenenada. Aceitar significaria trair tudo o que seus pais teriam acreditado? Significaria mentir, manipular, enganar um homem que, pela descrição, já era ferido. Mas recusar… recusar significava ver o tio Ricardo perder a casa que ele tanto amava. Significava mergulhá-lo em uma dívida da qual ele nunca se recuperaria. Significava dar à Célia o prazer perverso de ver sua previsão se concretizar, Carolina era um fardo, e finalmente os tinha arrastado para o fundo do poço. Ela não tinha escolha. Na verdade, tinha uma, salvar o tio ou salvar sua própria moral. Com dedos trêmulos, ela pegou o celular e digitou o número do cartão. A ligação tocou duas vezes antes de ser atendida. — Melissa Moretti. — a voz do outro lado era calma, como se já esperasse a ligação. — É… é a Carolina. — ela engoliu seco. — Eu aceito. Do outro lado da linha, houve um leve suspiro, quase de satisfação. — Boa escolha, minha querida. Você não se arrependerá. — Eu tenho condições. — Carolina disse, surpresa com a firmeza que encontrou na própria voz. — Naturalmente. — Metade do dinheiro adiantado. Para eu conseguir me vestir adequadamente e… me situar. A outra metade quando… quando tudo estiver resolvido. Melissa riu baixinho, um som que parecia de admiração. — Vejo que é uma jovem de negócios. Muito bem. Enviarei os detalhes para seu e-mail. Um adiantamento será feito pela manhã. É um prazer fazer negócios com você, Carolina. A ligação terminou. Carolina deixou o celular escorregar de seus dedos na cama. Ela olhou para a foto de família outra vez. — Eu sinto muito — ela sussurrou para os pais sorridentes na foto. Naquela noite, Carolina sonhou que estava assinando um contrato com tinta que não parava de escorrer, manchando suas mãos enquanto Melissa observava com um sorriso frio. Do outro lado da mesa, um homem de rosto desfocado estendia a mão para ela, mas quando ia tocar nele, o chão desabava e ela caía em um abismo de notas de dinheiro que se transformavam em cinzas em suas mãos.