A pequena câmera do celular de Sabrina, manuseada com uma discrição nascida do desespero, capturara tudo: os rostos dos capangas da Progresso Empreendimentos, suas ameaças veladas aos moradores do Novo Amanhã, o carro sem placas que usavam para intimidar a comunidade. Era uma prova perigosa, uma adaga digital que ela agora segurava, o metal frio contrastando com o calor de sua indignação.
"É dinamite pura, S.," Beatriz disse, os olhos brilhando ao ver o vídeo no laptop seguro. "Se isso vazar para a pessoa certa, Bastos e aquele vereador Guedes estarão em maus lençóis. Mas é arriscado. Muito arriscado. Eles não vão hesitar em te silenciar de vez se descobrirem que você tem isso." Sabrina engoliu em seco, o medo tentando encontrar uma fresta em sua armadura de raiva e determinação. "Eu sei, Bia. Mas não podemos recuar agora. O Novo Amanhã está por um fio. E aquelas pessoas… elas contam conosco." Decidiram que a melhor estratégia seria vazar o vídeo e o dossiê que Beatriz compilara para um jornalista investigativo independente, conhecido por sua coragem e por não ter rabo preso com os poderosos da cidade. Seu nome era Gabriel Correa, e ele tinha uma coluna num portal de notícias online que se tornara uma pedra no sapato de muitos corruptos. Marcar um encontro seguro com ele, porém, seria o desafio.
Enquanto Sabrina planejava seu próximo movimento arriscado, Leonardo intensificava a pressão sobre Ricardo Alves, o jovem arquiteto do Banco Rossi. O encontro inicial no bar fora apenas o aperitivo. Agora, era hora do prato principal. Leonardo marcou um novo encontro, desta vez num local mais discreto, um café tranquilo num bairro afastado.
Ricardo chegou pálido, os olhos fundos de quem não dormia há dias. As dívidas de jogo o consumiam, e a "oportunidade de negócio" que Leonardo lhe acenara parecia, ao mesmo tempo, uma tábua de salvação e um pacto com o diabo. "Eu pensei no que você me disse," Ricardo começou, a voz trêmula, mal tocando no café que Leonardo lhe oferecera. "E?" Leonardo perguntou, a voz calma, mas com um peso que não deixava dúvidas sobre a seriedade da situação. "As plantas do banco… os sistemas de segurança… são informações ultraconfidenciais, Leonardo. Se eu for pego…" "Ninguém será pego se você for cuidadoso, Ricardo," Leonardo o interrompeu, com um sorriso que não alcançava seus olhos. "E o 'bônus' que estou oferecendo resolveria todos os seus problemas financeiros. Uma nova vida, sem dívidas, sem agiotas no seu encalço." Ele fez uma pausa, o tom endurecendo sutilmente. "Por outro lado, se você não me ajudar… bem, seus credores podem não ser tão… compreensivos… quanto eu."
A ameaça velada pairou no ar. Ricardo estremeceu. Ele estava preso entre a cruz e a espada. Finalmente, com um suspiro de derrota, ele assentiu. "Eu… eu vou tentar. Há uma cópia digital de segurança das plantas principais e dos protocolos de alarme num servidor de acesso restrito no departamento de arquitetura. Com meu login, talvez eu consiga baixá-los para um pendrive. Mas preciso de tempo. E de uma boa desculpa para estar lá fora do horário." "Providenciarei ambos," Leonardo disse, satisfeito. A primeira peça do quebra-cabeça do Banco Rossi estava prestes a se encaixar. Mas ele não podia afastar a imagem de Sabrina Rossi, a filha do dono daquele mesmo banco, lutando suas próprias batalhas perigosas. A ironia era um gosto amargo em sua boca.
Sabrina, com a ajuda de Eleonora – que, apavorada com a escalada das ameaças, mas também admirando a coragem da filha, concordara em criar mais uma distração para Lorenzo –, conseguiu marcar um encontro com o jornalista Gabriel Correa. O local escolhido foi uma pequena livraria num bairro tranquilo, conhecida por seu café reservado nos fundos. Beatriz acompanharia Sabrina, disfarçada, para garantir sua segurança e documentar qualquer imprevisto.
No dia marcado, Leonardo também colocava seu plano em ação. Ricardo Alves, sob o pretexto de precisar finalizar um projeto urgente, ficaria até mais tarde no Banco Rossi. Leonardo estaria esperando por ele num ponto de encontro discreto, próximo ao banco, para a entrega do pendrive. Tudo parecia meticulosamente calculado.
Sabrina chegou à livraria, o coração aos pulos, o pendrive com o vídeo e o dossiê queimando em sua bolsa. Beatriz já estava lá, sentada numa mesa afastada, fingindo ler um livro, mas com os olhos atentos a cada movimento. Gabriel Correa chegou pontualmente, um homem de meia-idade com um olhar cético, mas curioso. "Signorina Rossi," ele cumprimentou, apertando a mão dela. "Sua amiga Beatriz me falou de um material… explosivo." "Acredito que sim, senhor Correa," Sabrina respondeu, tentando manter a voz firme. Ela começou a explicar a situação do Novo Amanhã, as táticas da Progresso Empreendimentos, as ameaças.
Enquanto isso, a poucos quarteirões dali, Leonardo esperava por Ricardo Alves numa ruela escura. O arquiteto chegou, pálido e suando frio, olhando para todos os lados. "Conseguiu?" Leonardo perguntou, a voz baixa. Ricardo assentiu, entregando-lhe um pequeno pendrive. "Está tudo aí. As plantas, os protocolos, tudo. Agora, o dinheiro." Leonardo entregou a Ricardo um envelope grosso. "Suma da cidade por uns tempos, Ricardo. E esqueça que nos conhecemos." Antes que o arquiteto pudesse dizer mais alguma coisa, Leonardo desapareceu nas sombras, o pendrive seguro em seu bolso. Ele tinha as chaves do reino Rossi. Mas a vitória veio com um peso em sua consciência.
Sabrina, na livraria, acabara de entregar o pendrive a Gabriel Correa. O jornalista examinava o conteúdo com uma expressão cada vez mais séria. "Isto é… realmente grave, signorina. Se for autêntico…" "É autêntico, eu garanto," Sabrina afirmou. De repente, a porta da livraria se abriu com violência, e dois homens encapuzados, os mesmos que a haviam atacado antes, invadiram o local, armas em punho. "O pendrive, vadia! E o jornalista intrometido!" um deles gritou, avançando sobre eles.
Beatriz, vendo a cena, agiu rápido, derrubando uma estante de livros sobre um dos homens, criando uma distração. Gabriel Correa tentou proteger Sabrina, mas o segundo capanga o atingiu com a coronha da arma, fazendo-o cair. O homem então se voltou para Sabrina, os olhos brilhando de maldade. "Você não aprende, não é, patricinha?"
Foi quando a porta da livraria se abriu novamente. Leonardo, que passava por ali a caminho de seu refúgio após o encontro com Ricardo, ouviu os gritos e o barulho da confusão. Seu instinto, sua necessidade de proteger aquela jovem que ele agora sabia ser Sabrina Rossi, falou mais alto. Ele entrou na livraria no exato momento em que o capanga levantava a mão para atingir Sabrina.
Num movimento rápido e brutal, Leonardo o interceptou, o som do osso quebrando ecoando pelo ambiente. O outro capanga, o que estava se livrando dos livros derrubados por Beatriz, virou-se, surpreso, mas Leonardo já estava sobre ele, uma fúria controlada e letal. A luta foi curta, violenta, e terminou com os dois capangas da Progresso no chão, gemendo de dor.
Leonardo virou-se para Sabrina, que o encarava, pálida, mas com os olhos arregalados de assombro e… algo mais. Beatriz e Gabriel Correa também o olhavam, chocados. "Você está bem?" ele perguntou a Sabrina, a voz rouca, procurando por ferimentos. "Eu… eu acho que sim," ela gaguejou. "Você… quem é você?" Ele a encarou por um instante, a máscara de frieza momentaneamente rachada pela preocupação. "Leonardo," ele disse, simplesmente. "E você é Sabrina, não é?" Ela assentiu, incapaz de desviar o olhar do dele. "Precisamos sair daqui," ele disse, olhando para os capangas caídos e para o jornalista ferido. "A polícia não vai demorar." Ele se virou para Beatriz. "Cuide dele. E use o material que ela lhe deu. Faça barulho."
Ele pegou a mão de Sabrina. "Venha comigo. Agora." Desta vez, ela não hesitou. Segurou a mão dele com força e o seguiu para fora da livraria, para a incerteza da noite, deixando para trás o caos, as provas, e a vida que ela conhecia. Seus mundos haviam colidido de forma definitiva. E ambos sabiam, instintivamente, que nada mais seria como antes. A atração, o perigo, os segredos… tudo se intensificara, jogando-os num redemoinho do qual talvez não houvesse escapatória. Estavam juntos agora, por força do destino, dois fugitivos em seus próprios labirintos, com a cidade inteira como testemunha e inimiga.