Mundo ficciónIniciar sesión(Ponto de vista de Ethan)
Eu não deveria ter tocado nela. Foi um deslize — mínimo, calculado, provavelmente imperceptível para qualquer pessoa… Mas não para mim. Quando meus dedos roçaram os dela, senti algo que não sentia há anos: uma interrupção na ordem que eu mesmo construí. Aurora Delmont. Nome suave demais para alguém que carrega uma herança capaz de destruir famílias — e negócios — inteiras. Eu a observei enquanto ela analisava os documentos. O modo como ela mordia a parte interna da bochecha quando tentava parecer forte… e como os olhos dela, mesmo quando firmes, traíam um medo antigo. Um medo que ela jamais admitiria ter. Força e vulnerabilidade na mesma respiração. Interessante demais para ser ignorado. E perigoso demais para me aproximar. ⸻ Minha assistente entrou sem bater — hábito que eu tolerava apenas porque ela era boa no que fazia. — Senhor Vesper, recebemos outra mensagem anônima. — Ela deixou o envelope sobre a mesa, o cenho tenso. — O mesmo papel. A mesma letra. Meu olhar encontrou o de Aurora. Ela empalideceu, mas manteve a espinha ereta. Corajosa. Idiota, mas corajosa. Peguei o envelope. Dentro, apenas uma frase: “Ela não deveria estar aqui.” Dobrei o papel com calma. Não revelei a ela que esse era o terceiro bilhete. Apenas disse: — Vou cuidar disso. Ela me olhou como se pudesse decifrar se eu estava dizendo a verdade. O que era engraçado, considerando que nem eu sabia por que queria tanto protegê-la. ⸻ Quando ficamos a sós novamente, Aurora cruzou os braços, tentando parecer maior do que realmente era. — Você sabe quem está fazendo isso — disse ela. — Por que não me conta? — Porque você não está pronta. — Quem disse que eu preciso estar pronta? — Eu. — Dei um passo à frente. — E, até onde sei, você me contratou justamente por isso. Ela abriu a boca, provavelmente para retrucar, mas acabou fechando de novo. A coragem dela vacilou por um segundo. Um segundo que eu não deveria ter notado. Mas notei. Ela desviou o olhar para os prédios através do vidro, e eu aproveitei para observá-la sem disfarces. O corpo dela carregava uma tensão constante, como alguém acostumado a lutar sozinha. Como alguém que nunca teve tempo de ser jovem. A herança, a morte dos pais, a família que a acolheu por conveniência… Tudo nela gritava abandono. E ainda assim, ela estava ali. De pé. Lutando. Isso mexeu comigo de um jeito que eu não gostei. ⸻ — Não quero que você tenha medo — eu disse, sem entender por que estava oferecendo esse tipo de conforto a alguém. Ela levantou a cabeça. — Não tenho medo. Sorri. Pequeno. Involuntário. — Mente mal, Aurora. Ela corou. Não esperava isso. A reação dela… foi um impacto direto na minha racionalidade. E então, para minha própria surpresa, deixei escapar: — Posso ensinar você a mentir melhor. Se quiser. Ela engoliu seco. — E… por que você faria isso? O motivo real não era apropriado. Então menti — e menti bem. — Porque uma herdeira envolvida em uma guerra familiar precisa saber sobreviver. Mas a verdade, crua e incômoda, era outra: Eu queria ver até onde ela podia ir. Quanto ela suportaria. Quanto ela resistiria a mim. ⸻ Aurora se aproximou da mesa e tocou o envelope que eu havia guardado. — Ethan… — a voz dela saiu mais suave. — Isso envolve meu pai, não é? Ela não deveria ter adivinhado tão rápido. Isso me irritou… e me impressionou. — Saia comigo hoje à noite — eu disse. Ela congelou. — O quê? — Preciso te mostrar algo. E não posso fazer isso aqui. — Isso é… trabalho? — Ela perguntou, mas o leve tremor na voz revelava outra expectativa. Me aproximei devagar, como um predador que não precisava correr para ter sua presa. — Não sei — respondi. — Depende do que você considera… trabalho. Ela recuou um passo. Mas não tirou os olhos de mim. Isso foi a parte mais perigosa. Porque, naquele instante, tive certeza absoluta de algo: Aurora Delmont podia ser a única pessoa capaz de me fazer perder o controle. E perder o controle… sempre cobra seu preço






