Voo sobre o oceano

Samara Vila Real. O nome soava como música aos que a conheciam. Filha única de Eduardo Vila Real, um dos empresários mais renomados do Brasil, era dona de uma presença que não passava despercebida.

Seus cabelos longos, castanhos e cacheados, quando soltos ao vento de Ipanema, pareciam bailar em ondas que hipnotizavam olhares. Olhos castanhos profundos, capazes de revelar firmeza e doçura em igual medida, eram um convite silencioso à contemplação. Os lábios carnudos e sedutores, sempre bem delineados, completavam o conjunto de um rosto que carregava a marca de uma beleza que não se esforçava para ser notada: ela simplesmente era.

Sua pele clara, suavemente dourada pelo sol carioca, trazia o brilho da juventude e do vigor. O corpo, esguio e delicadamente curvado, combinava a leveza de uma bailarina com a graça natural de quem crescera junto ao mar. Samara era o reflexo de uma geração moderna: independente, instruída, livre em pensamentos, mas ainda fortemente ligada ao pai e à empresa que carregava seu nome, a Samara Perfumes, sua herança e também seu fardo.

Enquanto no Brasil aquela jovem seguia sua rotina executiva na perfumaria de seu pai, do outro lado do mundo, um homem poderoso preparava-se para uma travessia que uniria dois mundos tão diferentes quanto o deserto e o mar.

Sheik Khaled Al-Rashid reunira sua família em torno de uma longa mesa de mármore e ouro, adornada com tâmaras frescas, cordeiro assado temperado com especiarias e jarros de água aromatizada com rosas. Era o banquete de despedida, uma tradição que sua mãe fazia questão de manter a cada viagem importante.

À cabeceira, Layla, a matriarca, observava o filho com olhos marejados. A idade já havia marcado seus traços, mas ainda conservava a nobreza de quem viera de linhagem antiga. Suas palavras eram suaves, mas carregadas de peso:

— Khaled, meu filho, que Allah guie teus passos e ilumine teus caminhos. O Brasil é terra distante, de costumes estranhos, mas a honra de tua família deve sempre te acompanhar.

À sua direita estavam as três irmãs do Sheik.

Amina, a mais velha, recatada e obediente, limitava-se a sorrir e fazer perguntas discretas sobre as viagens do irmão.

Soraya, a do meio, sempre curiosa, ousava ir além:

— Irmão, dizem que o Brasil é um país de praias infinitas e de festas sem fim. As mulheres lá não se escondem sob véus, caminham livres sob o sol, exibindo suas roupas coloridas… Como pode um lugar assim?

Khaled ergueu o olhar, sério, impenetrável. A voz grave cortou o ar:

— Não é um lugar para mulheres como vocês. Lá, a honra não tem o mesmo valor. O corpo feminino é exibido como mercadoria. O mundo de fora não é como o nosso vilarejo, não é como a nossa terra. Vocês pertencem ao recato, ao lar, ao futuro que será moldado ao lado de maridos dignos.

O silêncio recaiu sobre a mesa. Apenas Yasmim, a mais jovem, ousou desafiar:

— E por que não poderia eu mesma ver o mundo com meus próprios olhos?

O olhar de ferro do Sheik pousou sobre ela, gelando-lhe a ousadia.

— Porque lá fora não há respeito pelas tuas virtudes. O que protejo aqui, no deserto, se perderia em meio ao caos das ruas estrangeiras. A liberdade que admiras é apenas ilusão, irmã. Não trocaria tua dignidade pelo brilho falso das cidades do Ocidente.

Yasmim baixou os olhos, subjugada pela firmeza do irmão. Layla a matriarca, então, interveio, quebrando a tensão:

— Khaled fala como um líder, não apenas como irmão. Allah o preparou para guiar não só esta família, mas todo o nosso povo.

E, de fato, o pai, Hassan Rashid Al-Rashid, homem idoso de voz cansada, mas espírito altivo, ergueu sua taça de cristal e declarou com orgulho:

— Meu filho é a prova da prosperidade de nossa linhagem. Conduz negócios que atravessam fronteiras, mantém viva nossa tradição e ainda leva o nome da família ao respeito internacional. Que Allah multiplique teus passos.

Entre bênçãos e orações, o banquete seguiu, embalado por músicas tocadas ao fundo por alaúdes e tambores suaves. Mas no coração do Sheik, apenas o silêncio ecoava. O Brasil era uma incógnita, um desafio. E ele estava pronto para enfrentá-lo.

A manhã seguinte trouxe consigo o nascer do sol sobre as dunas, pintando o deserto de dourado. O Sheik, em sua túnica branca impecável, subiu a bordo de seu jato particular. Na bagagem, além de tecidos finos e joias destinadas a presentes de honra, levava as preciosas réplicas de seus perfumes, fragrâncias raras, resultado de destilações secretas guardadas por gerações.

Aquela venda para Eduardo Vila Real não era apenas a maior transação de sua história — era também um símbolo. Parte dos lucros já estava destinada às obras de caridade, sustentando escolas, hospitais e a distribuição de alimentos aos pobres. Pois, embora fosse temido por sua rigidez, Khaled também era reverenciado por sua generosidade. Essa dualidade o tornava único: um homem de ferro, mas com um coração capaz de compaixão.

O jato rasgou os céus, sobrevoando desertos, mares e continentes. Durante as longas horas de viagem, Khaled fitava o horizonte pela janela. O deserto, com seu silêncio absoluto, ficava para trás, e diante dele se abria um mundo barulhento, de cores, de excessos.

A chegada ao Brasil

O avião tocou o solo carioca sob um céu azul intenso. Do alto, Khaled avistara o Cristo Redentor, os contornos do Pão de Açúcar e o verde profundo da Floresta da Tijuca, contrastando com o azul da baía. Era um cenário que nada tinha em comum com as areias áridas de sua terra.

No entanto, o primeiro choque cultural não veio da paisagem, mas das pessoas.

Ao deixar o aeroporto, ladeado por seguranças vestidos de terno escuro, Khaled caminhou imponente, seu traje árabe chamando atenção. O corpo de 1,95 de altura, músculos bem definidos, peito largo e a postura ereta atraíam olhares de homens e mulheres. Muitos o fitavam com curiosidade e desejo, outros com respeito silencioso.

Mas foram as mulheres brasileiras que mais o surpreenderam. No calor do Rio de Janeiro, usavam roupas curtas, exibindo a pele como se fosse natural. No calçadão, jovens corriam com trajes mínimos de ginástica, senhoras caminhavam de vestidos leves, e a liberdade parecia estar em cada gesto.

O Sheik, acostumado ao véu e ao recato de sua cultura, observava aquilo com um misto de espanto e reprovação silenciosa. Para ele, era como contemplar um outro mundo — um mundo que não se curvava às regras de Allah, mas dançava sob seus próprios ritmos.

E, ainda assim, algo dentro dele ardia diante daquela liberdade. Não era aceitação, tampouco aprovação. Era apenas um fogo estranho, difícil de nomear.

Enquanto seu comboio seguia pela orla, ele mantinha o olhar fixo nas ruas. Os rostos brasileiros eram múltiplos, como mosaicos: negros, brancos, mestiços, todos misturados em um mesmo mar humano. E, no meio desse universo de contrastes, o Sheik carregava consigo a mesma certeza que sempre o acompanhara: onde ele chegava, nada permanecia intocado.

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