Samara fechou a porta do toalete atrás de si com um gesto quase mecânico. Caminhou até o espelho de moldura dourada, encostando as mãos frias sobre a pia de mármore branco. Fitou o próprio reflexo como se buscasse respostas para um turbilhão que a assolava por dentro. Seu coração pulsava tão forte que parecia ressoar no pequeno espaço como um tambor em guerra.
Ela nunca havia se sentido assim. Em vinte e cinco anos de vida, sempre se orgulhara de sua segurança, de sua ousadia, de sua liberdade diante dos homens que cruzavam seu caminho. Competitiva, destemida, sempre se via como dona das próprias rédeas. E agora? Bastara um olhar – aquele olhar verde, de brilho cortante e ancestral – para desmontar sua fortaleza de autossuficiência. Khaled. O nome ecoava em sua mente como um mantra proibido. O homem que usava as longas vestes tradicionais árabes não era apenas um visitante, não era apenas um fornecedor de perfumes. Ele trazia consigo algo maior: uma aura que mesclava poder, fé e uma virilidade que a sufocava. Ela respirou fundo, tentando recompor-se, mas o peito subia e descia em ondas rápidas. Passou os dedos pelos cachos volumosos que lhe emolduravam o rosto, buscando firmeza em seu próprio reflexo. Mas o que encontrou foi outra versão de si mesma: uma Samara vulnerável, fragilizada, incapaz de compreender por que aquele estrangeiro a feria e incendiava ao mesmo tempo. Voltou para o salão. A primeira coisa que seus olhos contemplaram foi Khaled. Ele estava em meio aos convidados do coquetel oferecido por Eduardo Vila Real, com uma taça de cristal entre os dedos firmes. O líquido âmbar refletia a luz dourada dos lustres, mas o que realmente chamava atenção eram as mãos que seguravam a bebida: enormes, de dedos grossos, mãos feitas para comandar, para decidir destinos. Samara estremeceu ao imaginar como seria sentir aquelas mãos sobre sua pele. O pensamento lhe pareceu uma traição, uma imprudência. Moveu a cabeça, como se pudesse expulsar o devaneio que a invadia, mas seu corpo havia reagido antes mesmo de sua mente tentar resistir. Respirou fundo, caminhou até o pai, aceitou a taça que lhe fora oferecida. Tentou disfarçar, mas a bebida trêmula em sua mão revelava sua falta de controle. O coração batia em sua garganta. E então, como se tivesse lido o seu íntimo, Khaled a encontrou na multidão. O Sheik ergueu a taça em sua direção, num brinde silencioso. O gesto foi simples, mas carregado de uma intensidade que a deixou sem chão. Samara tentou sorrir. Tentou ser simpática, natural, mas seus lábios vacilaram. O nervosismo era evidente. Khaled deu alguns passos. Lentos, firmes, cada um deles parecia pesar dentro de Samara como um chamado impossível de recusar. O salão inteiro parecia desaparecer enquanto os olhos de cor esmeralda a fixavam como presas no deserto. Ela, que sempre se orgulhara de dominar cada situação, agora se sentia hipnotizada. Cara a cara. O perfume masculino do árabe misturava-se ao ar climatizado, como se trouxesse consigo a poeira das dunas e o mistério das noites estreladas do deserto. E nesse exato momento, uma música árabe começou a ecoar pelos alto-falantes do salão. O som dos alaúdes e dos tambores parecia intensificar a aura que cercava Khaled. Ele não desviava os olhos dela. E então, Eduardo Vila Real, já com o rosto avermelhado pelo álcool, tomou o microfone. — Em homenagem ao nosso fornecedor do deserto saudito, temos essa música para selar nosso pacto de negócios com as fragrâncias orientais! — anunciou, com voz exaltada. — Está curtindo o som das terras dos faraós? Um silêncio constrangido recaiu sobre alguns convidados. Samara arregalou os olhos, sentindo o rubor subir-lhe ao rosto. Quis desaparecer. O olhar sombrio de Khaled recaiu sobre Eduardo, tão gélido quanto uma lâmina recém-forjada. Samara corou, envergonhada pelo excesso do pai. Sabia que, em outras ocasiões, Eduardo soltava frases inconvenientes quando o álcool lhe subia à cabeça, mas agora a situação era diferente. O Sheik não era um empresário qualquer, não era um homem comum. Sua presença carregava autoridade. Nadir, o assessor egípcio de confiança de Khaled, se inclinou discretamente ao ouvido de seu senhor e murmurou algumas palavras em árabe. Khaled assentiu com um gesto grave. Em seguida, ambos se retiraram. Mas antes de cruzar a porta, Khaled voltou-se uma última vez. Seus olhos esmeralda encontraram os de Samara, enviando-lhe uma mensagem silenciosa, densa de desejo e também de reprovação. Ela sentiu as pernas tremerem. Quando o Sheik desapareceu do salão, o coração de Samara ainda pulsava como se tivesse sido exposto ao fogo do deserto. — Papai… o senhor não devia fazer piada com o árabe… — disse, baixinho, para Eduardo, ainda tentando manter a compostura. — Eles não têm o mesmo senso de humor que a gente… Eduardo gargalhou, completamente alheio à gravidade da situação. Segurou o rosto da filha entre as mãos e apertou-lhe as bochechas, como fazia quando ela era criança. — Minha garota de Ipanema! — exclamou, orgulhoso. — Tão linda e tão ingênua! Samara desviou o olhar, mortificada. O quarto de hotel Na suíte luxuosa onde estava hospedado, Khaled caminhava de um lado a outro como um leão enjaulado. Os lustres dourados e os tapetes persas não aplacavam a tempestade que rugia em seu peito. — Nadir… — disse, a voz carregada de indignação. — Esse homem… esse Eduardo Vila Real… não tem honra. Não demonstra respeito. Fala como um tolo diante de seu próprio sangue e diante de seus convidados. O assessor manteve-se em silêncio, mas seus olhos refletiam o mesmo desconforto. Khaled prosseguiu: — Não posso negociar com alguém que trata meu povo como caricatura. O comércio é feito de confiança, e confiança se ergue sobre respeito. Sem respeito, não há trato. Fez uma pausa. Passou a mão pelo próprio rosto, tentando aplacar a fúria. Mas dentro dele, o calor não vinha apenas da ira. O olhar de Samara o perseguia. Os cachos soltos sobre os ombros, o corpo delicado dentro do terno azul, os olhos que refletiam força e, ao mesmo tempo, fragilidade. — Prepare tudo para a viagem amanhã — ordenou, a voz mais firme. — Partiremos ao nascer do sol. Não quero mais um minuto de negócios com esse homem. Nadir assentiu, pronto para executar a ordem. Mas, quando ficou sozinho, Khaled foi até a janela da suíte. Olhou a cidade que pulsava sob a noite carioca. O mar refletia a lua como prata líquida. E, ainda assim, o que lhe vinha à mente não eram as ondas ou os arranha-céus. Era o rosto de Samara, refletido em seus pensamentos como uma miragem teimosa. O Sheik cerrou os punhos. Não podia ceder. Não devia. Mas, pela primeira vez em muito tempo, seu coração de ferro sentia-se ameaçado.