O amanhecer do Rio de Janeiro resplandecia sobre as águas da Baía de Guanabara quando o Sheik Khaled abriu os olhos em seu quarto de hotel. A noite anterior lhe havia sido amarga, envenenada pelas palavras imprudentes de Eduardo Vila Real. O orgulho ferido pulsava em seu peito como uma chama que não se apaga, e a decisão já estava tomada: não haveria mais negócios com aquele homem.
Contudo, algo mais forte que a ofensa ainda pulsava dentro dele — a lembrança de Samara. A cada instante sua imagem se impunha, como uma miragem inapagável no deserto. Os cachos escuros que balançavam livres até a cintura, a pele luminosa, o olhar determinado e ao mesmo tempo vulnerável sob seu domínio silencioso… ela havia se enraizado em sua mente como nenhuma concubina, nenhuma princesa, nenhuma mulher de seu harém jamais havia conseguido. Era absurdo. Inaceitável. Mas era inevitável. Khaled se ergueu, vestiu sua túnica branca impecável e chamou seu fiel assessor: — Nadir. — a voz era grave, carregada de decisão. — Quero sair. Hoje, antes de partirmos, preciso visitar o coração desta cidade. Nadir, egípcio discreto e leal, não questionou. Apenas acenou com a cabeça, certo de que, por trás daquela ordem, existia um propósito maior. O mercado central O sol já queimava alto quando o carro negro cruzou as ruas do centro do Rio de Janeiro. O barulho dos vendedores ambulantes, os cheiros misturados de frutas, flores, especiarias e maresia tomavam o ar. O Sheik, acostumado às cores douradas de seu deserto, ficou impressionado com a explosão viva de tons, texturas e aromas daquele lugar popular e vibrante. Passou por bancas de frutas tropicais — mangas, cajus, pitangas — que pareciam cintilar como pedras preciosas sob a luz da manhã. Mas foi diante de uma floricultura simples, enfeitada por rosas e lírios frescos, que Khaled parou. Seus olhos de esmeralda pousaram sobre um buquê imenso de rosas vermelhas e orquídeas brancas. A combinação lhe pareceu perfeita: paixão e pureza, fogo e neve, desejo e inocência. Exatamente como Samara. — Este — disse ele ao florista, apontando com firmeza. — O mais belo. Entregue-o como se carregasse o coração de um homem. Nadir se adiantou, explicou em português ao vendedor e organizou a compra. Khaled, então, pegou de próprio punho um pequeno cartão e escreveu em árabe: “Meu coração ficou preso em seu olhar.” Ass: Khaled Ao terminar, entregou o cartão ao assessor e seus lábios se curvaram em um meio sorriso enigmático. — Envie a ela. — ordenou, e seus olhos brilharam com uma chama rara, quase doce. — Quero que Samara Vila Real saiba que, mesmo quando eu cruzar os mares de volta ao deserto, um pedaço de mim permanecerá aqui. O voo da lembrança No carro de volta ao hotel, Khaled encostou a cabeça no vidro escuro. Sua mente viajou. Imaginou Samara não em ternos executivos, mas envolta em véus de seda translúcida, sob a claridade de uma lua cheia no deserto. Visualizou-a caminhando em sua direção, os tornozelos ornados por braceletes de ouro, os olhos submissos não por imposição, mas por desejo. Ele a queria não como uma posse, mas como a mais desejada das rendições. “Se ao menos ela aceitasse ser minha concubina…” pensou, e a fantasia o fez estremecer. No entanto, uma voz silenciosa lhe dizia que Samara jamais seria como as outras. Ela não se curvaria. Não o seguiria por devoção cega. A brasileira exigiria algo que ele nunca havia oferecido a nenhuma mulher: entrega mútua. Era essa rebeldia, essa independência tão distante de sua cultura que o enlouquecia ainda mais. — Samara… — murmurou em árabe, sentindo o coração acelerar. — Estrela rebelde, fogo que arde sem pedir permissão… Com esses pensamentos, embarcou no avião que o levaria de volta à Arábia. Mas não partiu vazio: dentro de si, levava a imagem daquela mulher que incendiara sua alma. A entrega inesperada Horas mais tarde, no bairro elegante onde vivia a família Vila Real, Samara chegava em casa. Estava cansada da rotina, ainda tomada pelas lembranças confusas da reunião e do coquetel. Mal havia fechado a porta, quando ouviu a campainha. Um entregador sorridente estendia-lhe um buquê majestoso. Rosas vermelhas e orquídeas brancas, exuberantes, tão belas que pareciam irreais. — Para a senhorita Samara Vila Real — disse ele. Samara arregalou os olhos. Sentiu o coração disparar antes mesmo de abrir o cartão. Ao ler os traços em árabe, franziu a testa. Letras elegantes, misteriosas, indecifráveis. No verso, apenas uma assinatura: Khaled. Segurando o cartão contra o peito, ela sussurrou: — O que será que significa? Seu coração, que sempre se orgulhara da calma e da racionalidade, estava agora em descompasso. Sentiu-se vulnerável, como se tivesse sido tocada por uma força invisível. Colocou as flores em um vaso de cristal na sala, mas não conseguiu desviar o olhar delas. Era como se exalassem o perfume secreto de um desejo proibido. O mergulho na curiosidade Naquela noite, inquieta, Samara levou o notebook para a cama. Precisava entender quem era realmente aquele homem que havia abalado sua autoconfiança com um simples olhar. Digitou o nome: Khaled Al-Hassan. As primeiras páginas mostraram cifras astronômicas. Listas de revistas financeiras o apontavam como um dos homens mais ricos do Oriente Médio. Empresas de petróleo, negócios de pedras preciosas, tecidos raros, perfumes exóticos. Leu os nomes de sua família: Hassan, o pai; Layla, a mãe; Soraya, Amina e Yasmim, as irmãs. Tudo confirmava a imponência daquele homem que parecia intocável. Samara suspirou fundo. Sentia-se pequena diante da grandiosidade daquela linhagem. Mas a curiosidade não a deixou parar. Abriu novas abas e pesquisou sobre a cultura árabe, sobre a religião islâmica, sobre os haréns. E então, o choque. Leu sobre mulheres forçadas a viver em silêncio, sobre tradições que as calavam, sobre a devoção quase escravizante aos homens. Sentiu o estômago revirar. “Ele… é um deles.” — pensou, apertando os lábios. O mesmo homem que a havia encantado com os olhos de esmeralda poderia ser também aquele que reduziria uma mulher à condição de sombra. Seu coração se dividia entre o fascínio e o desprezo. Samara fechou o notebook e deitou-se, mas o sono não vinha. A cada vez que fechava os olhos, via Khaled aproximando-se no coquetel, o corpo firme, os dedos largos segurando a taça. Imaginava aquelas mesmas mãos deslizando sobre sua pele, possuindo-a com intensidade. Sentia o corpo reagir, traindo sua razão. Mas então lembrava-se das pesquisas, das histórias de opressão, e um arrepio de repulsa a fazia virar de lado. No silêncio de seu quarto, murmurou para si mesma: — Não, Samara… você não é uma concubina. Nunca será. No entanto, quando o vento atravessou a janela e fez o perfume das flores preencher o ambiente, ela não resistiu. Tocou nas pétalas macias e sorriu, mesmo sem querer. Por mais que tentasse lutar contra, uma parte de si já estava prisioneira do olhar daquele homem. E no deserto, dentro do avião que cortava o céu, Khaled também sorria. Sabia que, de algum modo, havia deixado sua marca.