CAPITULO 1

ISABELLA

Meu nome é Isabella Moretti.

Um sobrenome do passado da mamãe.

Filha de uma espiã italiana e de um fantasma russo.

O tipo de origem que ninguém deveria carregar.

Mamãe dizia que o sangue é uma bênção e uma maldição. Que o dela era de fogo, e o dele, de gelo — e que o meu era a junção perfeita para destruir reinos inteiros.

Ela era Donatella Moretti, uma das melhores agentes a serviço da Camorra, até cometer o erro imperdoável: amar um inimigo.

Viktor Rostova.

Pakhan da Bratva.

O homem que a fez conhecer o perigo mais íntimo — e o mais doce.

Quando ele descobriu que ela estava grávida, o mundo inteiro pareceu congelar. A criança — eu — era uma ameaça viva. Uma herdeira de duas coroas, a ponte entre duas organizações que jamais poderiam coexistir.

Donatella tinha duas opções: abortar ou desaparecer.

Ela escolheu a segunda.

E, com isso, condenou-se a uma vida de sombras.

Durante quatorze anos, a floresta foi meu lar, meu campo de batalha e minha prisão.

Mamãe sempre dizia que a noite era o nosso escudo, e o silêncio, a nossa arma.

Acordávamos antes do amanhecer, quando o mundo ainda dormia.

— “A primeira regra, Isabella: quem dorme, morre.”

Eu mal tinha forças para levantar, mas o olhar dela não permitia hesitação.

Caminhávamos por quilômetros entre árvores, descalças, com a lama subindo pelos tornozelos e o frio cortando como navalha.

Ela me ensinou a caçar, a rastrear, a montar e desmontar uma arma de olhos fechados.

A identificar sons antes mesmo de percebê-los.

A lutar com o corpo, com a mente e com o medo.

— “A fraqueza é morte.” — dizia enquanto me fazia levantar depois de uma queda.

E eu levantava. Sempre.

Mesmo sangrando. Mesmo chorando.

Não lembro de ter tido infância.

Meu arco era meu brinquedo.

Meu sangue, o preço das lições.

Mas, à noite…

Havia algo que só eu via.

Quando o treino terminava, e o silêncio tomava conta da cabana, Donatella limpava cada ferida minha com as próprias mãos.

O toque dela, mesmo áspero, era o mais próximo de ternura que eu conhecia.

Ela não dizia “eu te amo”.

Mas o modo como seu olhar amolecia enquanto passava o pano úmido sobre um corte dizia tudo.

— “Você é minha razão e minha maldição, Isabella.” — murmurava, achando que eu dormia.

Eu fingia dormir.

E sorria por dentro.

Aos dez anos, já era uma sombra.

Aos doze, um fantasma.

Aos quatorze, um erro que respirava.

Ela me ensinou a ser invisível, a apagar pegadas, a pensar como um inimigo e a desaparecer como um vulto.

Me fez entender que não havia espaço para sonhos ou fraquezas — apenas para a sobrevivência.

Mas havia amor, mesmo que camuflado entre tiros e cicatrizes.

Amor de uma mãe que matou o próprio nome para me manter viva.

Amor de uma mulher que renunciou à guerra e escolheu o exílio, para que eu respirasse.

Agora, olhando para trás, percebo que Donatella nunca quis me transformar em uma arma.

Ela queria me preparar para o inevitável: o dia em que as sombras viriam nos buscar.

E nesse dia — eu teria que ser mais letal do que o medo, mais fria do que o vento, e mais invisível do que o próprio passado.

Porque, como ela sempre dizia, com os olhos fixos nos meus:

“Fraqueza é morte, Isabella. E nós não morremos”

...

O dia em que Donatella me deixou sozinha na floresta foi o dia em que eu realmente nasci.

Não porque fosse meu aniversário.

Mas porque foi quando aprendi que sobreviver é o mesmo que matar uma parte de si.

Tinha treze anos. O ar estava pesado, úmido, e o céu parecia pronto para cair sobre nós. Mamãe me entregou uma mochila leve demais para ser útil, e um olhar frio demais para ser maternal.

— “Três dias.” — disse, sem hesitar. — “Sem mim. Sem abrigo. Sem erros.”

— “Três dias… sozinha?” — perguntei, tentando disfarçar o tremor na voz.

Ela apenas ajustou a arma no coldre e respondeu:

— “Quem teme o escuro, morre nele.”

Então virou as costas e sumiu entre as árvores.

As primeiras horas foram fáceis.

Mas quando a noite caiu, o som da floresta mudou.

Era como se tudo respirasse, observando-me.

A chuva começou fina, depois virou dilúvio.

O fogo se apagou, a comida encharcou, e o frio mordeu meus ossos como fera faminta.

As lágrimas vieram — silenciosas, inúteis.

E, de repente, a voz dela ecoou na minha mente, cortante:

“Fraqueza é morte.”

Eu me forcei a levantar, os joelhos afundando na lama, o corpo doendo em cada músculo.

Improvisei um abrigo com galhos e folhas, amarrei o arco nas costas e segui o som dos rios.

Dormir era um luxo que matava.

Na segunda noite, ouvi passos.

Pesados. Rítmicos.

Não eram animais.

Peguei a faca e me escondi sob um tronco.

A respiração curta, o coração como um tambor.

Um vulto se moveu à frente — rápido, humano.

E então o mundo explodiu num estrondo de metal contra metal.

Ela.

Donatella.

— “Te achei rápido demais.” — disse, com o olhar impassível. — “Sabe o que isso significa?”

Antes que eu respondesse, ela atacou.

O primeiro golpe foi no ombro, para me desequilibrar.

O segundo, na costela, para tirar meu ar.

O terceiro, na perna, para me fazer cair.

Ela não segurava força.

E eu sabia: esse era o teste.

Caí, rolei, ergui o arco e desferi um chute que ela bloqueou com a frieza de quem já matou dezenas.

A chuva batia forte, e o chão virava lama, mas ela não parava.

Nem eu.

Cada golpe era uma lição.

Cada queda, uma lembrança: “Levante. Sempre levante.”

Quando finalmente consegui acertar um soco que a fez recuar meio passo, ela sorriu.

Um sorriso pequeno, quase imperceptível.

E então me derrubou de novo.

Seu joelho pressionou meu peito, o frio do cano da arma encostou na minha testa.

— “E agora, Isabella… o que você faz?”

Ofegante, olhei nos olhos dela.

E, pela primeira vez, vi o que realmente havia ali: medo.

Não dela.

Por mim.

Respirei fundo, o corpo gritando de dor, e respondi:

— “Eu sobrevivo.”

Ela abaixou a arma. Silêncio.

Depois, um leve aceno.

— “Então você está pronta.”

Voltamos para a cabana.

Ela cuidou dos ferimentos em silêncio, como sempre.

Mas, dessa vez, sua mão tremeu.

— “Você me odeia?” — perguntei, a voz fraca.

Donatella parou, o pano ensanguentado entre os dedos.

Seu olhar encontrou o meu — não o da guerreira, mas o da mãe que ela tentava esconder.

— “Eu te amo mais do que a vida.” — murmurou. — “E é por isso que preciso te ensinar a sobreviver a ela.”

Naquela noite, o trovão estourava lá fora, e eu não dormi.

O corpo latejava, a mente queimava.

Mas algo dentro de mim havia mudado.

Eu entendi que amor e dor, para nós, eram a mesma coisa.

Que Donatella não era apenas minha mãe.

Ela era a lâmina que cortava o medo.

E eu, o aço sendo forjado.

Desde então, nunca mais temi o escuro.

Porque aprendi a ser parte dele.

“Fraqueza é morte.”

“E eu não morro.”

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