ISABELLA
Eu tinha onze anos quando matei pela primeira vez. Não por escolha. Mas porque, no nosso mundo, hesitar é morrer. Era fim de tarde. O sol se escondia atrás das copas das árvores, e o céu alaranjado tingia as folhas como se o próprio sangue estivesse no ar. Mamãe estava em missão, vigiando uma rota próxima à estrada velha. Eu fiquei na cabana — sozinha, como ela havia me ensinado. “Silêncio é segurança”, ela dizia. “Barulho é convite para a morte.” Mas naquela tarde, o silêncio quebrou. Um estalo. Passos pesados. Vozes baixas. Peguei o arco, o coração acelerado, os dedos trêmulos. A sombra surgiu entre as árvores — um homem grande, sujo, com o distintivo da Camorra pendendo do pescoço. Eu o reconheci. Um dos homens de confiança do meu tio, Riccardo. — “Isabella, não é?” — ele disse, um sorriso torto nos lábios. — “Sua mãe é esperta… mas ninguém engana Riccardo por muito tempo.” Meu sangue gelou. Ele sabia. — “Você vai me dizer onde ela está escondendo o resto do armamento… ou talvez eu diga a coisa certa pra pessoa errada.” — ele rosnou, dando um passo à frente. Eu recuei, o arco erguido, mas ele não parou. Riu. Um riso sujo, debochado. — “Uma garotinha com brinquedos de gente grande. Bonito. Ela te treina pra quê, hein? Pra ser substituta ou escudo?” O som da provocação cortou mais fundo que qualquer lâmina. Meu corpo se moveu antes que minha mente entendesse. A flecha voou. Um assovio breve. Um impacto seco. Silêncio. Os olhos dele se arregalaram, surpresos — um som rouco escapou da garganta enquanto a flecha o atravessava bem no peito. Ele caiu de joelhos. Depois, imóvel. O arco escorregou das minhas mãos. A respiração falhou. E o mundo, por um instante, pareceu parar. Eu o olhava, incapaz de piscar. O sangue se espalhava pelo chão, quente e real. E o medo me invadiu, pesado, sufocante. O que eu tinha feito? Quando Donatella chegou, me encontrou ajoelhada, imóvel. A flecha ainda cravada no corpo. O chão manchado. E eu — apenas uma menina — com as mãos tremendo como se nunca mais fossem parar. Ela não disse nada no início. Olhou a cena. Depois olhou pra mim. E então se aproximou, lenta, sem armas. Ajoelhou-se ao meu lado e segurou minhas mãos. Elas estavam frias. — “Olhe pra mim, Isabella.” — a voz dela era firme, mas baixa, controlada. Eu levantei o rosto, os olhos marejados, o corpo rígido. — “Eu… eu não queria…” — murmurei. — “Ele ia… ia contar, mamãe…” Ela passou a mão no meu cabelo, afastando uma mecha colada pelo suor. Seus olhos, duros como aço, se suavizaram. — “Eu sei.” — disse. — “E é por isso que você teve que agir.” — “Mas eu o matei…” — sussurrei, quase sem voz. — “Você sobreviveu.” — respondeu. Ficamos ali, as duas, em silêncio. A chuva começou a cair devagar, lavando o sangue entre as folhas. Donatella então me envolveu nos braços, o gesto mais raro de todos. Seu corpo tremia levemente, não de medo, mas de um tipo de tristeza que eu ainda não entendia. — “Nunca deseje matar, Isabella.” — sussurrou em meu ouvido. — “Mas nunca hesite quando for sua vida em risco.” Ela se afastou um pouco, me fazendo encará-la. Seus olhos estavam marejados, mas firmes. — “Você sente medo agora. Isso é bom. Significa que ainda é humana.” — disse. — “Mas, um dia, vai aprender a esconder esse medo. Porque o mundo lá fora não vai te perdoar por senti-lo.” Naquela noite, ela me fez enterrar o corpo. Cada pá de terra era uma lição. Cada respiração, um lembrete. Quando terminamos, Donatella colocou a mão sobre o montículo de terra e disse: “A morte de uma inocência pela minha culpa.” Eu a olhei, sem entender o peso daquelas palavras. Mas ela sabia. A partir dali, a infância que eu ainda tentava segurar se perdeu de vez. E o nome Isabella Moretti passou a significar apenas uma coisa: A sombra que aprendeu a matar.