“Voltar é como abrir uma ferida que você fingiu que cicatrizou. Mas ela ainda sangra, silenciosamente.”
Angeline Tromsø | Noruega O vento cortante de Tromsø arranhava minha pele enquanto eu subia os últimos degraus do prédio antigo onde estava escondida. Mesmo ali, longe de tudo, o passado parecia sussurrar em cada sombra. O cheiro do mar congelado, o céu eternamente cinza e o silêncio sufocante das ruas desertas não eram suficientes para abafar o que me perseguia: lembranças de sangue, gritos, juras falsas e um amor que virou sentença. No fim da tarde, uma batida seca na porta me tirou da inércia. Três homens engravatados, expressão neutra, identidades exibidas rápido demais. — Agência de Proteção às Testemunhas. — disse o que parecia liderar. — Podemos entrar? Assenti, hesitante. Eles entraram como se já conhecessem o lugar. Um deles olhou ao redor como quem mede uma bomba-relógio. — Estamos fazendo uma checagem de segurança. Houve movimentação suspeita nas últimas horas. — disse o mesmo agente, com voz firme. — Movimentação? Como assim? — Você teve contato com alguém de fora? Alguém que sabia do seu paradeiro? Minha mente quis mentir. Meus lábios, por instinto, chegaram a se mover para dizer “não”. Mas havia algo errado. Eles estavam tensos demais. Como se estivessem me testando. Como se já soubessem a resposta. Engoli seco. — Recebi um bilhete. De Giulia Bianchi. Um recado rápido. Os três trocaram olhares curtos, como se confirmassem algo silencioso. — Isso complica as coisas. — murmurou o segundo agente, anotando algo num bloco. — Vocês estão estranhos. — disse, encarando o que liderava. — Aconteceu alguma coisa? Ele ignorou. — Só fique em alerta. Se perceber qualquer movimentação, qualquer rosto suspeito… não hesite em nos contatar. — Ele pousou um cartão sobre a mesa. — Vamos manter você sob monitoramento remoto por enquanto. — Remoto? Eles já estavam na porta. E a sensação de que não estavam ali para me proteger ficou fincada no meu estômago. — Boa noite, Elena. — foi tudo o que disseram antes de desaparecer escada abaixo. A noite caiu pesada. O ventilador antigo no teto girava como se chorasse. Deitei com o corpo exausto, mas a mente em guerra. Algo não fechava. Aqueles homens pareciam treinados demais, metódicos demais... e frios demais. Mesmo para agentes. Às 2h47 da madrugada, um estalo me acordou. Meu coração disparou no mesmo segundo. Me levantei devagar, descalça, sem acender nenhuma luz. Peguei a tesoura pequena da bancada da cozinha e fui andando em silêncio. Mais um ruído. Um rangido leve vindo do corredor. Fui até a porta. Abri uma fresta. Ninguém. Me virei… e foi ali. Um braço masculino me agarrou por trás, forte, o outro pressionou um pano embebido contra meu rosto. Tentei gritar, morder, me debater, mas o cheiro químico me atingiu como uma marreta. Clorofórmio. A visão turvou. Os sons ficaram abafados. O último que ouvi foi um sussurro rouco, bem perto do meu ouvido: — Você vai valer um bom dinheiro. Depois disso, só escuridão.