Meu pai entrou no escritório com aquele olhar atento que sempre me deixava em alerta. Ele olhou para mim e para Letícia, que estava ao meu lado, e por um instante, senti um frio na espinha. Troquei um olhar rápido com ela, temendo que ele tivesse escutado algo da nossa conversa anterior.
— Nada, pai. É sobre a festa — respondi, tentando soar casual.
— Tem certeza? — ele perguntou, com a sobrancelha arqueada.
— Sim — confirmei, forçando um sorriso.
— Tudo bem. E o que está faltando na festa? Achei que já estava tudo pronto.
— Nada. Já mudamos de ideia sobre alguns detalhes.
Ele assentiu, desconfiado, mas não insistiu.
— Entendi. Tudo bem.
Respirei fundo e decidi arriscar.
— Pai, eu e a Lê vamos dormir na casa de uma amiga hoje. Podemos?
Ele me olhou com surpresa.
— Sério? Achei que iriam ficar em casa.
— Vamos, pai. Amanhã de manhã estarei cedo em casa, prometo.
— Sim, tio — Letícia completou, me lançando um olhar cúmplice.
— O segurança vai com vocês — ele disse, já prevendo minha reação.
— Não — retruquei imediatamente.
— Por que não?
— Pai, é a noite das meninas. Vamos fazer cabelo, unha, conversar... Não quero o Henry atrás de mim o tempo todo.
Ele suspirou, mas acabou cedendo.
— Tudo bem. Estão indo agora?
— Sim. Tchau, pai.
— Tchau, tio — disse Letícia.
Antes de sairmos, ele apontou para a mesa cheia de joias.
— Vocês já escolheram?
Sorri, surpresa.
— Sério, pai?
— Tio, é sério mesmo? — Letícia perguntou, animada.
— Sim. Podem escolher. Vou deixar guardado para vocês usarem amanhã.
Fomos até a mesa e escolhemos nossas peças favoritas. Eu peguei um colar de diamantes com pedras em formato de gota e Letícia escolheu um par de brincos de safira. Abraçamos meu pai e lhe demos um beijo.
— Obrigada, papai.
— De nada, minha florzinha.
— Obrigada, dindo — disse Letícia.
— De nada, Dinda.
Saímos da mansão e encontramos Lucas nos esperando na entrada.
— Estão indo para onde? — ele perguntou, cruzando os braços.
— Para a casa de uma amiga. Vamos dormir lá — respondi.
— Entendi. Vocês estão saindo muito ultimamente, não acham?
— Pai, estamos só nos divertindo. Mas hoje é só a noite das meninas — Letícia respondeu com um sorriso.
— Falou com sua mãe?
— Vou mandar uma mensagem pra ela agora.
— Pequena Rossi, não quero confusão com sua mãe.
— Eu juro que falo com ela.
Caminhei até Henry, que estava encostado no carro, me observando em silêncio.
— Acho que meu pai vai precisar mais de você do que eu — disse, com um tom provocativo.
— Hum, entendi — ele respondeu, com um leve sorriso.
— Me dá as chaves do carro?
— Tudo bem, senhora.
Ao me entregar as chaves, seus dedos roçaram os meus. Um arrepio percorreu meu braço e, pelo jeito que ele desviou o olhar, senti que ele também percebeu. Letícia me puxou pelo braço, quebrando o momento.
— Casa do João?
— Sim. E você pode ver o Luan.
— Luan é carta fora do baralho.
— Tem certeza?
— Sim. Deixa de conversar e vamos.
Entramos no carro e dirigi até a casa de João. Ao estacionar, vi ele na frente discutindo com uma mulher. Não dava pra ouvir, mas o clima era tenso.
— Você é um idiota se acha que vai tomar ela de mim! — a mulher gritou.
— Você é uma desequilibrada! Não tem responsabilidade nenhuma pra criar minha filha! — João rebateu.
— Ela está viva até hoje!
— Você acha que eu não sei que você larga ela com sua mãe pra ir pros seus bregas? Se acontecer alguma coisa com minha filha, eu juro que te mato!
— Então mata, seu idiota! Não tenho medo de você!
— Não tira minha paciência. Ou você me dá ela ou eu acabo com você!
— Calma, João — disse Luan, tentando intervir.
— Escuta seu primo, babaca — ela cuspiu, antes de entrar no carro e sair em alta velocidade, quase batendo no nosso.
Letícia e eu descemos do carro, ainda em choque.
— O que será que eles estavam falando? — ela perguntou.
— Não sei, mas com certeza não era algo bom.
João me viu e se aproximou.
— Você veio.
— Já me arrependo.
— Sério?
— Sim. Quem era aquela?
— Ninguém. Só uma sócia que não gosto muito... por causa do incêndio.
— Hum, entendi.
— Oi, Letícia — disse Luan, se aproximando.
— Oi — ela respondeu, sem entusiasmo.
— Vamos entrar — disse João.
Entramos na casa. O ambiente estava silencioso, tenso. João se aproximou de mim.
— Quer conversar comigo?
— Não.
— Ok. Quem quer beber o quê?
— Vinho — disse Letícia.
— Cerveja — respondi.
— Luan, pega uma garrafa de vinho e a cerveja, por favor.
— Tudo bem — ele respondeu.
— Eu vou com você — disse Letícia, indo atrás dele.
João se aproximou de mim, colocando a mão na minha cintura com delicadeza.
— O que mudou, amor?
— Eu não sei… eu só queria… — minha voz falhou, engolida pelo receio de dizer algo que soasse como uma besteira.
João me olhou com atenção, como se tentasse decifrar o que eu não dizia.
— Queria o quê?
— Nada, João. — desviei o olhar, tentando disfarçar. — Mas… quem era aquela mulher? Ela falou com você de um jeito estranho.
Ele franziu a testa.
— Vocês ouviram?
— Não. Ela falou muito baixo… mas o que foi que eu não podia escutar?
— Nada demais, linda — disse ele, com aquele tom leve que tentava encobrir algo.
Cruzei os braços, desconfiada.
— Entendi. Está cheio de segredos, não é, João?
— Não… começa a Érica — murmurou, distraído.
Eu e os outros olhamos para ele, confusos.
— Tá, desculpa. Falei alto demais — ele se corrigiu.
— Nossa… — murmurei, sem saber o que pensar.
João se aproximou, mais sério.
— Eu queria te dar seu presente amanhã, mas não sei se vou conseguir chegar a tempo.
— Você, o quê?
— Amanhã vou fazer uma pequena viagem. Pode ser que eu me atrase… ou não consiga voltar.
Senti um aperto no peito.
— Como assim, não conseguir voltar?
— São os trabalhos, linda.
— João, não tente me deixar preocupada. Meu pai vai?
— Vai, mas pedi que ele ficasse por causa do seu aniversário.
— É perigoso?
Ele me olhou nos olhos, com uma sinceridade que me fez estremecer.
— Tudo o que a gente faz é perigoso, bonequinha.
— É por isso que colocaram um segurança atrás de mim?
Ele assentiu.
— Sim.
Me aproximei e toquei seu rosto com carinho.
— Amor…
— Não vamos pensar nisso agora. Eu te amo demais, bonequinha. Tudo o que eu faço, eu lembro de você. Só quero que você se lembre disso.
Foi a primeira vez que ele disse que me amava. Meu coração disparou, e um sorriso tímido escapou dos meus lábios.