"Traga sapatos para a nova criada, número 35. Roupas também. Vestidos simples, pequenos. Você a viu. É magra."
Glauco digitava a mensagem ao seu assistente.y Depois de terminar com os lençóis, Amália caminhou pelo quintal. Parou diante da pequena horta. Puxou algumas ervas daninhas que encontrou. A sombra das árvores salpicava seu corpo de luz e frescor. Retornou à cozinha e ajudou Nice com o almoço. Na hora de servir, Manoela, que estivera sumida, se apressou em se voluntariar. Quando entrou com os pratos, viu Glauco descendo a escada. Seus olhos brilharam. Ele parecia inalcançável. O olhar frio e arrogante era a assinatura dele. Ela observou-o caminhar em direção à sala de jantar. O coração acelerou. Passou a dispor os talheres com mais cuidado, para ficar mais tempo perto dele. — Onde está a criada? Ele perguntou com sua voz fria, ao se aproximar da mesa. — A que o senhor trouxe? — Sim. Eu chamo mais alguém aqui de “criado”? Glauco perguntou, direto. — Não, senhor. Ela está na cozinha. Respondeu, um pouco frustrada. — Chame-a. Quero que ela me sirva. Manoela fechou a cara e seguiu até a cozinha. — Criada? É para você ir servir o senhor. Disse de forma arrogante. — O nome dela é Amália! A corrigiu Nice, incomodada com o tom da jovem. — Tudo bem. Disse Amália, em paz. Pegou uma travessa e seguiu para a sala de jantar. Quando ela se aproximou da mesa, colocou a travessa em silêncio. Sentia o olhar de Glauco sobre ela. Ele observava seus pés. Pequenos, brancos, os dedos delicados. Quando percebeu que ele os encarava, encolheu-os instintivamente, constrangida. — Ainda descalça? Quer que pensem que maltrato meus serviçais? Glauco a provocou. — Não sou sua funcionária. Sou sua criada, uma vira-latas. Não preciso de sapatos! Respondeu, olhando-o nos olhos. Glauco mergulhou nos olhos azuis dela, límpidos, intensos. — Qual é o seu nome? Perguntou, de repente, percebendo que nem isso sabia. — Não precisa saber meu nome. Basta me chamar de vira-latas. Respondeu, virando-se nos calcanhares e deixando-o atônito. Amália seguiu calada. Voltou à cozinha, pegou outra travessa, retornou. Fez isso três vezes sem trocar mais que um olhar com ele. Quando estava prestes a sair novamente: — Sente-se! Ele ordenou. — Vou comer na cozinha, com os outros. — Você não disse que é minha criada? Então faz o que eu mando. Disse ele, o cenho franzido. Amália puxou uma cadeira afastada. — Aqui. Indicou ele, apontando a cadeira ao seu lado. O coração dela acelerou. Estava um pouco arrependida de tê-lo provocado. Caminhou até a cadeira indicada e se sentou. — Coma. Disse ele, pegando uma travessa com carne e oferecendo a ela. Antes que ela pudesse pegar um pedaço, Manoela apareceu. — Amália? Dona Nice está te chamando. Nice, de fato, estava preocupada, mas não fora ela quem pediu que Manoela a chamasse. A garota queria afastá-la de Glauco. Ao ouvir seu nome, Amália olhou para Glauco e viu o leve esboço de satisfação no rosto dele, terminando de colocar a carne em seu prato para não volta-la à travessa. Começou a recolher o garfo e a se levantar, mas... — Fique. Coma comigo. É uma ordem. Disse ele, sem desviar os olhos. Manoela, contrariada, recebeu apenas um olhar gelado de Glauco, e saiu, irritada. As mãos de Amália tremiam enquanto tentava cortar a carne em seu prato. — Está com medo? Ele perguntou, observando as mãos dela. — Estava tão corajosa até agora... o gato comeu sua língua? — O senhor não vai comer? Sua comida vai esfriar. Ela devolveu, tentando manter a voz firme. Glauco teve vontade de rir. Ela era teimosa. A língua era afiada, mas suas mãos a entregavam. Pegou uma porção de comida, serviu o próprio prato e também o dela. Seu apetite, de repente, estava melhor. Depois do almoço, Glauco saiu. Amália ficou recolhendo a louça. As pernas doíam. Passara o tempo todo tentando não tremer. Na cozinha, Manoela estava carrancuda num canto. — Ele almoçou? Perguntou Nice, olhando para as travessas. — Sim. Amália respondeu. — Há tempos ele não comia tão bem. Ela comentou, contente. Manoela torceu o nariz. Mais tarde, Danilo apareceu e deixou duas sacolas com Nice. — O que é isso? Ela perguntou. — Encomenda do patrão. Respondeu ele. Manoela viu o nome da loja. Era do centro. Roupas finas. — Vou deixar no quarto dele. Nice disse. Danilo olhou em volta. — E a garota? — No quintal, recolhendo roupa. Aqui não é hotel. Manoela respondeu, amarga. Danilo não disse nada, mas lançou a ela um olhar curioso. Não gostava de sua arrogância, mas achou interessante.. Saiu e viu Amália no quintal, tirando lençóis do varal e os colocando em uma cesta de vime. Ela trabalhou o dia inteiro. Parecia que Manoela lhe passava tudo o que era dela. Mas Amália não reclamava. Já estava deitada quando a porta se abriu. Ela se sentou rapidamente, cobrindo-se com o lençol. — Pediram para você buscar lenha para lareira. Disse Manoela, na porta. — Pediram ou você está mandando? Amália respondeu com naturalidade. Estranhava aquele rancor todo. — Está se achando especial? Todos aqui trabalham. Você nem é uma de nós. — Nunca disse que era. Replicou Amália, levantando-se e passando por ela. Lá fora, pisou descalça na grama gelada. A casa dormia. O vento colava o tecido leve da camisola na sua pele. A lua cheia iluminava o jardim. Amália caminhou até o galpão da lenha. Não era longe. Mas, ao voltar com a lenha nos braços, ouviu um rosnado. Parou. Olhou por cima do ombro. Glauco chegou tarde. Jantara com comerciantes após uma reunião longa. A casa estava silenciosa. Subiu. Viu as sacolas sobre a cama. Roupas que pedira para Amália. Tomou banho. Vestiu apenas a calça do pijama. Com uma toalha no ombro, que usava para secar os cabelos, desceu para buscar uma bebida na adega. Foi quando ouviu um grito. Latidos. Rosnados. O cachorro. — Não! Passa! Passa! Amália gritava. Soltando a lenha, tentou fugir, mas o cão pulou sobre ela.