Seis anos antes...
A catedral estava mergulhada na penumbra, iluminada apenas pelas velas que tremulavam em um ritmo irregular. O som dos meus passos ecoava pelo chão de mármore, cada batida lembrando que, a partir desta noite, minha vida não era mais minha. Era da Cosa Nostra.
Olhei ao redor, permitindo que meus olhos percorressem cada banco. Todos os rostos estavam voltados para mim — aliados, cúmplices, homens e mulheres que deviam suas vidas e fortunas à minha família. Cada um deles estava aqui para testemunhar minha ascensão, para ver o filho de Salvatore De Luca tomar o lugar de seu pai.
Meu olhar parou nos últimos bancos, onde estavam os Santoros. Sempre tão distintos, sempre escondidos sob a fachada impecável de uma família nobre, mas nós dois sabíamos o que eles realmente eram. O patriarca deles me lançou um breve aceno de cabeça, mas meu interesse não estava nele. Estava na garota ao seu lado.
Ela estava parcialmente escondida pela escuridão, o rosto iluminado apenas pela luz fraca das velas, ainda era apenas uma adolescente. Elena Santoro. A prometida. Minha noiva. A moeda de troca que garantiu a paz entre nossas famílias.
Paz. Uma palavra que me soava tão irônica quanto inalcançável.
Ela manteve os olhos baixos, as mãos cruzadas sobre o colo. Não sei se era medo, resignação ou apenas treinamento. As princesas da máfia eram criadas para isso, afinal: submissas, intocáveis, obedientes. Mas havia algo nela que me intrigava. Talvez fosse o contraste entre sua postura delicada e o peso que ela carregava nos ombros. Ou talvez fosse o fato de que, mesmo sem olhar diretamente para mim, eu sabia que ela me sentia ali.
Respirei fundo e continuei até o altar, parando diante do padre. A cruz pendurada atrás dele parecia me observar, um lembrete incômodo de que, neste mundo, não existia redenção.
A catedral parecia viva, mas não com fé — com poder. As paredes de pedra carregavam o peso de décadas de segredos, conspirações e sangue derramado em nome da Cosa Nostra. Cada vela tremulava como se lutasse contra a escuridão que dominava o ambiente, lançando sombras que se moviam como espectros.
Meus passos ecoavam no chão de mármore frio enquanto eu atravessava o corredor central. Todos os olhares estavam sobre mim, mas o silêncio era tão profundo que quase podia ouvir a respiração contida de cada pessoa presente. As famílias mais poderosas estavam ali, os reis e rainhas do submundo, esperando o momento em que eu me tornaria oficialmente Don.
O altar estava à minha frente, um monumento de pedra cinzenta adornado com símbolos de fé que pareciam incongruentes neste cenário. O padre me esperava ali, de pé, com uma expressão séria. Ele não era apenas um homem de Deus. Ele era um servo da nossa causa, tão leal à Cosa Nostra quanto qualquer outro.
Sobre o altar, repousava o punhal de omertà. A lâmina era longa, antiga, marcada com gravuras que remontavam às origens de nossas tradições. Não era apenas uma arma — era um símbolo. Com aquele punhal, eu faria meu juramento de sangue.
O padre começou, sua voz ressoando pela catedral.
— Você jura lealdade eterna à Cosa Nostra, à sua família e às tradições que sustentam este império?
— Juro. — Minha voz soou firme, mas carregada com o peso da responsabilidade que eu estava assumindo.
O padre assentiu e me indicou que me aproximasse. Estendi a mão, sem hesitar, enquanto ele segurava o punhal e a virava para mim. A lâmina brilhou fracamente sob a luz das velas.
— Com este juramento, você se torna mais do que um homem. Você se torna o guardião das nossas leis, o protetor do sangue que une esta família.
Acertei o punhal contra a palma da minha mão, a lâmina cortando minha pele sem piedade. O sangue escorreu, quente, pingando sobre o altar enquanto o padre pronunciava palavras que eu conhecia desde a infância. Ele estendeu uma pequena vela e aproximou a chama do meu ferimento, cauterizando o corte. Um sinal de força. Um sinal de compromisso.
— A partir deste momento, você é o Don. A Cosa Nostra vive em você.
Levantei a mão marcada, deixando que todos vissem o sangue em minha pele. Aquele gesto era um juramento visível, um aviso silencioso de que, a partir de agora, eu era a lei.
Os aliados nos bancos inclinaram a cabeça em respeito. Mas o ar parecia mais denso, quase sufocante. Sabia que, em algum lugar no fundo daqueles olhos, havia medo. Eu me tornei o monstro que eles precisavam temer e obedecer.
Meu olhar se desviou por um instante para o banco dos Santoros. Lá estava ela. Elena. A prometida. Suas mãos estavam cruzadas no colo, mas seu rosto parecia uma máscara de serenidade que quase escondia o pavor. Nossos olhos se encontraram, e por um momento tudo ao redor desapareceu. Ela era minha. Por obrigação, sim, mas ainda assim minha.
Ao fundo, o sino da catedral soou uma única vez. O som ecoou como um lembrete. Uma era havia terminado.
Outra, muito mais perigosa, estava começando.