Entre ordens e confiança
A música pulsa alta, e as luzes da boate dançam em tons vermelhos e dourados enquanto atravesso o salão, equilibrando a bandeja cheia de drinks sobre a mão. Cada passo precisa ser firme, calculado, desviando dos clientes animados que gesticulam no meio do caminho sem a menor noção de espaço. Hoje a casa está lotada. Uma sexta-feira de movimento pesado, como o gerente adora chamar. Eu quase não tive tempo de respirar entre um pedido e outro, mas isso faz parte da rotina. Aqui, agilidade é mais valiosa que simpatia. Enquanto sirvo as mesas próximas ao palco, percebo Leo circulando pelo salão, observando tudo com aquele olhar atento de quem enxerga cada detalhe. Ele para para conversar rapidamente com alguns funcionários, revisa o comportamento dos clientes, supervisiona como um verdadeiro maestro em seu próprio espetáculo. Sinto o olhar dele pousar em mim por um momento, breve, antes de seguir em frente. Sem sorrisos, sem demonstrações fora do protocolo. Profissional. Sempre. Quando termino de servir a mesa oito, me aproximo do bar para buscar novos pedidos. Leo está lá, em pé ao lado de Clara, conferindo o fluxo de atendimento nos tablets. Ele ergue o olhar assim que me vê. — Lucy — chama, direto. — Senhor Ávila — respondo, parando à sua frente. — Houve uma reserva de última hora no camarote VIP dois. — Ele passa a mão pela barba bem feita, num gesto rápido. — Quero que você assuma o atendimento lá essa noite. Assinto sem hesitar. — Claro, senhor. Ele estuda meu rosto por um instante, como se quisesse ter certeza de que estou confortável com a tarefa. — Os convidados são importantes para nós. Nada fora do protocolo. Você sabe lidar com isso. — Pode confiar — respondo com segurança. Leo entrega a prancheta para Clara e cruza os braços, mantendo o olhar firme no meu. — Se qualquer cliente ultrapassar o limite, você me avisa. Entendido? — Entendido — digo, firme. Ele faz um pequeno gesto com a cabeça e, pela primeira vez naquela noite, vejo um traço sutil de aprovação em seus olhos. Clara se aproxima e me passa um ponto eletrônico. — Para qualquer emergência, acione a segurança direto por aqui — explica ela. Pego o aparelho, ajustando-o atrás da orelha. — Tudo certo — digo, pronta para a nova tarefa. Leo me observa mais um instante antes de falar: — Boa sorte, Lucy. O tom dele é neutro, mas há algo naquelas palavras que soa quase... pessoal. Talvez seja só a tensão da noite, ou talvez... Não. Melhor não pensar demais. ** O camarote VIP dois é espaçoso e luxuoso, com sofás de couro macio, cortinas pesadas para privacidade e uma iluminação mais baixa que o restante do salão. O ambiente cheira a bebida cara e perfume francês. Entro com a postura reta, sorriso profissional no rosto, pronta para atender. Os clientes — dois homens de terno caro e uma mulher de vestido cintilante — já estão instalados, rindo alto enquanto folheiam a carta de bebidas. Um deles, de cabelo grisalho, me olha de cima a baixo de maneira que me faz querer girar os calcanhares e ir embora, mas mantenho a compostura. — Boa noite — digo, com a voz firme e educada. — Meu nome é Lucy, estarei atendendo vocês esta noite. Como posso ajudá-los? O homem grisalho sorri, um pouco largo demais. — Pode começar trazendo o melhor champanhe da casa, querida. Assinto, mantendo o sorriso profissional. — Com licença, já volto com o pedido. Volto ao bar para buscar a garrafa, sentindo o peso dos olhares me seguindo. Entrego o pedido ao barman responsável pelo setor VIP e espero enquanto ele separa a bebida. Leo se aproxima de novo, silencioso como uma sombra. — Algum problema? — pergunta, sem rodeios. — Não, senhor. Tudo sob controle — respondo. Ele inclina ligeiramente a cabeça, inspecionando o ambiente por cima do meu ombro. — Mantenha a compostura, mas, se for preciso, não hesite em usar o ponto — lembra, com voz baixa, como um conselho. — Eu sei — respondo, com um sorriso discreto. Ele hesita por um instante, como se fosse dizer mais alguma coisa, mas acaba apenas assentindo. — Estou contando com você esta noite. Seus olhos seguram os meus por um breve segundo a mais do que o necessário. Um instante que parece durar mais do que deveria. Depois ele se afasta, voltando para a supervisão geral da casa. ** Com a garrafa em mãos, volto ao camarote, sirvo os clientes com destreza, controlando cada movimento. Dou a eles exatamente o que esperam: atendimento de qualidade, sorrisos calculados e distanciamento educado. Enquanto despejo o champanhe nas taças, ouço comentários sussurrados entre eles, mas mantenho o foco no trabalho. Nenhum deslize. Nenhuma brecha. Quando termino, volto a circular pelo salão por alguns minutos, anotando novos pedidos em outras mesas. No caminho, Clara me chama discretamente. — Leo pediu para te informar que está satisfeito com o atendimento. Disse que você mantém a linha como poucos. Arqueio uma sobrancelha, surpresa. — Sério? — Sério — ela sorri de canto. — Ele não elogia qualquer um, sabe? Mordo o lábio inferior, absorvendo aquela informação inesperada. Não era para significar nada. Não era para me afetar. Mas, de algum jeito... afeta. ** Já são quase quatro da manhã quando finalmente consigo parar por alguns minutos nos bastidores. Me sento em uma das cadeiras encostadas na parede, massageando os tornozelos cansados. Perto dali, escuto passos conhecidos. — Está tudo bem? — a voz grave de Leo me alcança. Levanto rapidamente, ajeitando a camisola. — Tudo certo, senhor Ávila. Só descansando um pouco. Ele se aproxima, mantendo uma distância respeitosa. — Seu trabalho hoje superou as expectativas. Estou satisfeito. — Fico feliz em saber — respondo, sentindo um orgulho silencioso crescer dentro de mim. Leo inclina a cabeça, como se ponderasse algo. Depois, sua expressão endurece levemente. — Descanse o quanto puder. Amanhã promete ser mais puxado ainda. Assinto. — Estarei pronta. Seus olhos se prendem aos meus por mais um instante, e então ele se vira e desaparece pelos corredores da administração. Fico ali parada por um momento, sentindo a música ainda vibrar nos ossos. Hoje foi apenas trabalho. Apenas ordens e cumprimento de deveres. Mas alguma coisa invisível começa a se desenhar no ar entre nós. Algo que nem ele nem eu ousamos nomear... ainda.