Marina, uma enfermeira experiente, busca recomeçar sua vida em um asilo isolado e misterioso. Após um longo e solitário percurso, ela chega ao local esperando encontrar paz e tranquilidade, mas o que encontra é um ambiente cheio de segredos e uma presença enigmática que a deixa sem ar. O dono do asilo, Otávio Ramires, é um homem de presença avassaladora. Atraente, imponente e com um passado tão sombrio quanto a estrutura do lugar que comanda, ele desperta algo em Marina que ela não consegue compreender. Seu olhar penetrante, a firmeza com que comanda o ambiente e o mistério que o cerca tornam-no uma figura que ela não consegue ignorar. A tensão entre eles cresce à medida que Marina se vê atraída por esse homem marcado por uma história de perdas e decisões difíceis. Mas no asilo, onde os segredos são profundos e as relações mais complexas do que parecem, Marina logo descobrirá que a verdadeira luta será para entender seu próprio coração e desvendar os mistérios de Otávio. Quem é ele, realmente? E o que o passado de Marina tem a ver com o que acontece nas sombras do asilo? Mistério, paixão, e um romance cheio de tensão esperam por ela. Em "Senhor Ramires", Marina se vê em um jogo perigoso onde nada é o que parece, e o amor pode ser mais doloroso do que ela jamais imaginou. "Onde há segredos, há paixão. Onde há mistério, há perigo."
Leer másMarinaTem gente que começa uma nova vida com um recomeço bonito. Eu comecei com cinco caixas de papelão amassadas e duas malas quase explodindo.
— Essa aqui fecha se eu sentar em cima, né? — resmunguei, empurrando com o joelho a tampa da caixa onde enfiei metade da minha vida. A outra metade tava espalhada entre roupas que não me serviam mais, livros que eu jurava reler um dia e um monte de cacareco sentimental que eu não tive coragem de jogar fora.
Meu apartamento cheirava a café velho e desespero. A luz da manhã entrava pela persiana torta e iluminava o caos que era minha sala-cozinha-quarto — tudo junto, tudo apertadinho. E mesmo assim, era difícil dizer adeus.
A campainha tocou. Claro que era ela. Só podia ser.
— Já vai! — gritei, amarrando o cabelo num coque frouxo.
Gabriela entrou antes mesmo que eu abrisse tudo. Irmã mais nova, cara de certinha, mas com aquele olhar que me julgava até quando eu respirava.
— Você tem certeza disso, Marina? Sair assim... largar tudo pra trabalhar num asilo no meio do mato? — Ela cruzou os braços, encostando na porta. — Mesmo sendo de luxo, ainda é um asilo. Com velhinhos. E regras. E cheiro de remédio.
Revirei os olhos e puxei uma das malas, com esforço.
— Tenho. É isso ou continuar aqui sendo “aquela que foi deixada no altar” toda vez que entro numa padaria. Já chega. Não sou obrigada a aguentar sorrisinho falso e comentário sussurrado.
Ela suspirou, mas ficou em silêncio. Sabia que cutucar o assunto era como brincar com fósforo perto de álcool. Falar de Eduardo ainda me deixava com o estômago revirado. Não porque eu amava ele. Deus me livre. Mas porque ele me expôs, me humilhou, me fez sentir... pequena.
— E se for cilada? — ela insistiu, baixando um pouco a voz. — Ninguém sabe quase nada sobre esse lugar.
— Ótimo — rebati. — Talvez eu vire a mocinha que dá a volta por cima. Ou a cuidadora que mata o patrão, ou algum velho e foge com o dinheiro. Vai saber.
Gabriela não riu. Só ficou me olhando com aquela cara de quem quer dizer mais, mas tem medo de como vou reagir. Ela sempre teve esse jeito contido. E eu... nunca fui boa em esconder quando algo me machucava.
— Mãe vai surtar quando souber — ela murmurou, como se isso fosse me fazer desistir.
— Mãe surta até se eu comprar pão diferente — dei de ombros. — E pai finge que não é com ele. Como sempre.
Me abaixei pra fechar a última caixa. Meus joelhos estalaram e eu soltei um "ai" baixinho. Tô velha, mas com charme, eu diria.
Quando terminei, olhei em volta. Aquele cubículo foi meu abrigo e minha prisão nos últimos meses. Foi onde chorei em silêncio, onde gritei de raiva, onde me olhei no espelho e jurei que nunca mais ia deixar um homem me fazer sentir lixo.
— O asilo paga bem. E é longe o bastante — falei, quase pra mim mesma. — É tudo o que eu preciso agora.
Gabriela suspirou de novo. Ela faz muito isso. Mas no fundo, acho que entendeu. Ou pelo menos parou de tentar me convencer do contrário.
Ajudei a empilhar as caixas perto da porta.
— Vai lá comprar sorvete, vai — falei, tentando parecer casual, mesmo com a garganta meio fechada. — Aquele de coco com pedaços, que a gente gosta. Mas traz o pequeno... dieta, né?
Gabriela me olhou com aquele sorrisinho torto, como se dissesse “sei que você quer ficar sozinha”, mas foi. Pegou a chave, jogou a bolsa no ombro e saiu sem dizer nada. A gente sempre teve essa conexão silenciosa, mesmo nos dias em que nos odiamos um pouquinho.
Quando a porta bateu, o silêncio se espalhou pelo apartamento. Me sentei no chão, encostada na parede, com as pernas cruzadas e as mãos no colo. O chão gelado grudava nas minhas coxas, e o vazio da sala parecia maior sem a voz da minha irmã enchendo o espaço.
Não era só o apê que tava vazio. Eu também tava. E, pela primeira vez em meses, deixei cair.
As lágrimas vieram quentinhas, sem alarde, escorrendo devagar pelo rosto. Não era choro bonito de filme. Era soluço preso na garganta, era dor embolada no peito, era vergonha grudada na pele.
Fui deixada no altar.
Na frente de duzentas pessoas. E não foi um sumiço romântico, nem uma fuga dramática. Foi um discurso. Eduardo — aquele idiota bem vestido — pegou o microfone e falou, com todas as letras, que não podia se casar com uma mulher do meu tamanho. Que merecia alguém que se cuidasse. Que não fosse uma “baleia inchada num vestido branco”.
As palavras dele ainda ecoavam, às vezes, no silêncio da noite. Ainda me queimavam.
Eu ri. Não porque era engraçado, mas porque era inacreditável.
Me levantei do chão e fui até o espelho da entrada, aquele com moldura torta que eu nunca consertei. Olhei meu reflexo.
Trinta e seis anos. Pele dourada, marcada por algumas sardas no ombro e um brilho cansado no olhar. Cabelo castanho-claro, longo e ondulado, que hoje insistia em armar mais do que eu gostaria. Boca carnuda, bochechas rosadas. Um corpo... cheio. Quadris largos, cintura desenhada, seios fartos que nenhum sutiã sustentava com dignidade. Era o tipo de corpo que chamava atenção, mas também julgamento. Principalmente vindo de homens que nunca mereceram me ver pelada.
Curvilínea. Sensual. E esmagada por uma sociedade que ensina que autoestima é só pra quem veste 38.
Mas agora... agora eu ia mudar isso. Tinha que mudar. Não dava pra viver sendo a mulher rejeitada, a piada da cidade, o nome que as mães usavam como exemplo de "o que não ser".
Suspirei fundo, passando a mão nos olhos, tentando apagar o estrago do choro. Eu não posso mais sofrer, não posso mais cavar e cavar sabendo que isso não tira ninguém do buraco.
O asilo era o fim do mundo. Mas podia ser meu começo.
E mesmo sem saber, lá do outro lado daquela estrada, eu estava pronta.
Dois anos se passaram.Deitados no meio do campo florido que tanto amavam, Marina e Otávio olhavam para o céu, onde as estrelas começavam a surgir uma a uma. O vento suave acariciava suas peles, trazendo o perfume das flores e o som distante da vida pulsando ao redor.Ela descansava a cabeça no peito dele, sentindo o ritmo calmo do coração que sempre foi sua âncora. Ele envolvia seus braços ao redor dela, protegendo e abraçando a mulher que escolhera para sempre.— Você já reparou como as estrelas parecem contar histórias? — Marina sussurrou.— Só as melhores — ele respondeu, sorrindo, os olhos brilhando como o universo acima deles.Eles ficaram em silêncio, compartilhando aquela paz que só o verdadeiro amor é capaz de trazer. Sem pressa, sem medo.— Dois anos — ele murmurou. — De altos, baixos, descobertas e muito amor.— E eu não mudaria nada — disse ela, olhando para ele com ternura. — Porque cada momento nos trouxe até aqui.Ele apertou sua mão, e num gesto simples e perfeito, dis
O jardim estava banhado por uma luz dourada, o sol de fim de tarde lançando raios suaves entre as folhas das árvores. Pequenas luzinhas penduradas em fios delicados brilhavam timidamente, prometendo um encanto especial para a noite que se aproximava. Flores silvestres coloriam a trilha por onde Marina caminhava, seu vestido leve esvoaçando com a brisa morna, trazendo a sensação de liberdade que ela tanto buscava.Cada passo era uma mistura de nervosismo e paz — ali estava ela, depois de tudo, pronta para recomeçar. Aquele caminho não era só até o altar, mas para um futuro que ainda precisava ser construído, com amor e coragem. O coração pulsava forte, o rosto ainda molhado por lágrimas de emoção contida.Na frente dela, Otávio a esperava, olhos fixos nela com uma ternura que derretia o tempo e as dores do passado. Seu sorriso era tímido, mas cheio de promessa, uma promessa de entrega, de paciência, de esperança.Quando ela chegou, ele a segurou pela mão, os dedos entrelaçados com firm
O sol suave da manhã banha o quintal, espalhando uma luz dourada sobre a terra macia onde Marina e Otávio trabalham lado a lado.Com as mãos sujas de terra, ela segura uma pequena muda de girassol, enquanto ele prepara o buraco para plantá-la.— Lembra quando a gente corria no campo de girassóis? — Marina sorri, olhando para ele.— Como esquecer? Você ria tanto que parecia que o mundo inteiro podia acabar, e você nem ligava. — Otávio ri, afastando uma mecha de cabelo do rosto dela.Eles fincam juntos a muda no chão, cobrem com cuidado a terra e apertam com as mãos, como se estivessem plantando não só uma flor, mas um pedaço da nova vida que escolheram construir.O silêncio entre eles é confortável, cheio de paz e cumplicidade.— A dor do passado virou lembrança, né? — Marina comenta, olhando o girassol.— Virou — ele confirma, sorrindo. — Agora é só o que a gente cultiva daqui pra frente.Eles se olham, a tranquilidade e o amor claros no brilho dos olhos.E, naquele quintal, com o che
OtávioA manhã chegou com um céu limpo e aquele tipo de sol preguiçoso que promete um dia bom. Acordei antes de Marina — o que é raro — e fiquei alguns minutos observando seu rosto sereno, os cabelos bagunçados no travesseiro. Ainda me pego surpreso por poder chamá-la de minha outra vez. Ainda me pego grato.Levantei devagar, tentando não acordá-la, e fui até a cozinha com uma ideia fixa na cabeça.Hoje seria o nosso dia.Peguei a cesta de palha que ela adora, aquela que a gente usou na primeira feirinha de artes, e comecei a montar o piquenique surpresa. Preparei sanduíches com capricho, coloquei frutas, suco natural, e uma garrafinha de café porque ela nunca resiste. Também embalei uns biscoitinhos que Dona Blanca tinha feito pra gente no fim de semana passado. Tudo bem rústico, do jeitinho que ela gosta.Parei por um segundo, observando a mesa. Coloquei dois guardanapos de pano, o livro de poemas que ela anda lendo, e acrescentei uma flor recém-colhida do nosso jardim, só para ver
Part 2 - A tarde entrava pelas janelas abertas, iluminando as paredes brancas que estávamos transformando em um céu azul-claro. Otávio, com a camisa velha manchada de tinta e um boné virado para trás, concentrava-se em um detalhe do rodapé, a língua entre os dentes como uma criança desenhando.— Você tá fazendo errado — comentei, escondendo um sorriso ao ver sua expressão focada.Ele ergueu os olhos, uma gota de tinta azul na bochecha.— Errado? — levantou uma sobrancelha, o pincel pingando no chão. — Eu sou o profissional aqui, lembra?— Profissional que pinta como uma criança de cinco anos — retruquei, mergulhando meu rolinho na bandeja e, de propósito, espirrando um pouco de tinta em sua direção.A gota acertou em cheio seu peito. Ele olhou para a mancha, depois para mim, os olhos estreitando-se em um olhar de brincadeira perigosa.— Ah, é assim?Antes que eu pudesse reagir, ele mergulhou os dedos na lata de tinta e avançou em minha direção. Dei um grito e tentei escapar, mas ele
O cheiro de tinta fresca ainda flutua no ar quando abro as portas do novo ateliê. O letreiro simples, pendurado sobre a entrada, balança levemente com o vento: Oficina Aurora.Chegou o dia.A inauguração.E meu coração parece bater em ritmo dobrado.Montei cada canto daquele espaço com as próprias mãos — com a ajuda de Otávio, claro, que chegou a pregar prateleiras, lixar bancadas e até reclamar dos pincéis fora de ordem como se já fosse parte do time. O chão ainda tem manchas de tinta das nossas risadas, e as paredes guardam promessas de recomeços.Hoje, artistas locais trazem suas peças, há cavaletes espalhados com telas vibrantes, esculturas improvisadas, mesas cheias de croquis. Tudo tem cor. Tudo tem alma.Otávio está ali, parado ao meu lado, com as mãos nos bolsos e o sorriso discreto de quem sabe o quanto isso significa. Ele não fala nada, mas seus olhos dizem: "Conseguiu."Gabriela aparece com um arranjo de flores. Ana ajuda com os salgadinhos. Algumas crianças entram correndo
Último capítulo