O Preço da Vingança é o Coração

O Preço da Vingança é o CoraçãoPT

Romance
Última atualização: 2025-08-25
Izabel Karaca  Em andamento
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Resumo
Índice

Clara sempre foi feita de luz. Formada em design, construiu uma carreira sólida e criativa, colecionando prêmios e reconhecimento em estúdios renomados. Com talento e sensibilidade, ela transformava ideias em beleza — até que o mundo perdeu a cor. A morte de Pedro, seu irmão e melhor amigo, virou sua vida do avesso. Disseram que foi um acidente, mas Clara nunca acreditou. Há nomes sussurrados, olhares desviados e uma dor que não se explica. Em busca de respostas, ela aceita curar uma exposição na Villa Aquarela, um espaço artístico cercado por beleza, silêncio e segredos. Gabriel é arquiteto e herdeiro de uma tradicional empresa da construção civil. Retorna ao Brasil para apoiar sua irmã, Júlia — envolvida no acidente que tirou a vida de Pedro. A família está em ruínas, e ele tenta reconstruir o que pode. Para retomar sua carreira e ajudar nos negócios da família, assume a coordenação da mesma exposição, sem saber que Clara, a curadora com quem vai trabalhar, é irmã do jovem cuja morte abalou sua família. Eles se conhecem entre obras e projetos, sem saber que compartilham uma tragédia. Clara, movida por dor e desconfiança. Gabriel, dividido entre proteger Júlia e seguir em frente. A conexão entre os dois cresce, mas o silêncio sobre o passado ameaça tudo. Clara quer justiça. Gabriel quer proteger sua irmã. E entre eles, há uma verdade que ainda não foi revelada — e que pode destruir qualquer chance de amor. Será que o sentimento que nasce entre os dois pode sobreviver ao peso do que foi escondido? Ou será apenas mais uma peça no quebra-cabeça da vingança?

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Capítulo 1

Prólogo

Aos 24 anos, carrego comigo duas forças que moldaram meu caminho: a proteção de uma infância segura e a coragem que precisei desenvolver quando o mundo deixou de ser apenas cenário e passou a ser desafio. Cresci em um lar que me ensinou o valor do acolhimento — não como conceito abstrato, mas como experiência concreta, diária.

Foi ali, entre paredes que guardavam histórias e janelas que deixavam a luz entrar com delicadeza, que nasceu meu desejo de criar espaços que fizessem o mesmo por outras pessoas. A arquitetura não surgiu como uma simples escolha profissional, mas como uma forma de traduzir sentimentos em estruturas, de transformar memória em matéria.

Projetar, para mim, é mais do que desenhar. É escutar o que não foi dito, entender o que precisa ser sentido, e então dar forma ao invisível — seja em concreto, madeira ou luz.

Foram anos de estudo, noites em claro, dúvidas que me desafiaram e descobertas que me transformaram. Cada projeto, cada traço, foi uma tentativa de traduzir em espaço aquele lar invisível que me formou — feito de afeto, de silêncio acolhedor, de memórias que ainda vivem em mim.

Hoje, trabalho na área que escolhi com convicção. A arquitetura deixou de ser apenas um sonho e se tornou minha linguagem. Cada obra que assino carrega fragmentos da menina que acreditava que o amor podia ser tão sólido quanto o concreto. E sigo acreditando.

Porque construir, para mim, é mais do que erguer paredes — é criar abrigo. É dar forma ao que importa. É transformar ausência em presença, dor em beleza, memória em legado.

Cresci cercada por amor, por estabilidade, por uma sensação quase mágica de que o mundo lá fora não podia nos tocar. Nossa casa não era feita de concreto — era feita de vínculos. De afeto. De uma rotina que parecia eterna, como se o tempo tivesse decidido nos poupar.

Ali, cada gesto tinha peso. O cheiro do café pela manhã, o som da porta se abrindo ao fim do dia, os risos que ecoavam pelos cômodos — tudo era estrutura. Tudo era fundação. E foi nesse espaço invisível, mas tão presente, que aprendi o que significa pertencimento.

Antes de entender sobre plantas baixas e cálculos estruturais, eu já compreendia o que era abrigo. E talvez por isso, hoje, ao desenhar uma casa, eu não busque apenas funcionalidade — eu busco alma. Busco recriar, em cada projeto, a sensação de que o mundo lá fora pode esperar.

Nossa família era feita de presença. De escuta. De riso fácil à mesa e abraços demorados no fim do dia. Compartilhávamos tudo — desde as tarefas mais simples até os sonhos mais ambiciosos. Os domingos tinham cheiro de bolo no forno e som de conversa solta, onde cada um tinha espaço para ser e sentir.

Meus pais cultivavam um lar onde o afeto era rotina, e não exceção. A casa era tranquila, quase sagrada, como se o tempo ali corresse em outro ritmo. Não havia pressa, nem ruído. Só a certeza de que, ali dentro, estávamos protegidos. Unidos por algo maior que o sangue: por uma escolha diária de caminhar juntos.

Foi nesse cenário que aprendi que o verdadeiro abrigo não se mede em metros quadrados, mas em vínculos. Que a arquitetura mais poderosa é aquela que sustenta o invisível — o cuidado, o respeito, o amor. E é essa memória que me guia, hoje, ao desenhar espaços que acolhem, que escutam, que abraçam.

Éramos quatro: meus pais, meu irmão Pedro e eu. Gêmeos. Duas presenças que se completavam, como lados distintos de uma mesma essência. Nossa família era pequena, mas cheia de sentido. Meus pais viviam um amor sereno, daqueles que atravessam o tempo sem perder a leveza.

Pedro era meu ponto de equilíbrio. Enquanto o mundo lá fora exigia palavras, ele era meu silêncio compreendido. Sabia quando eu precisava de apoio, mesmo sem que eu pedisse. E eu reconhecia sua dor antes que ele conseguisse nomeá-la. Crescemos conectados por algo que ia além do vínculo familiar — uma sintonia que moldou quem eu sou.

Nossa conexão sempre foi profunda, quase intuitiva. Desde a infância, compartilhamos tudo — experiências, silêncios, descobertas. Crescemos como raízes de uma mesma árvore: distintas, mas entrelaçadas, sustentando uma mesma história. Com o tempo, seguimos caminhos diferentes, mas nunca distantes. Eu escolhi a arquitetura, ele a engenharia. Duas áreas que se complementam, como nós.

Mais do que irmãos, somos parceiros de propósito. Herdamos não apenas valores, mas também um legado construído com dedicação e visão pelos nossos pais: a Tavares Engenharia e Arquitetura. Uma empresa que carrega em seu nome o esforço de uma vida inteira — e em nós, a responsabilidade de continuar transformando ideias em espaços que acolhem, conectam e inspiram.

Nem tudo permanece. Mesmo as estruturas mais sólidas podem ceder. Mesmo os laços mais profundos podem ser abalados.

Pedro se foi. Naquela noite, a ausência tomou forma. E com ela, veio a certeza de que ele não voltaria.

Seguir em frente depois de perder a outra metade é um desafio que não se explica com palavras. Porque não éramos apenas irmãos — éramos reflexos. Dois corações que nasceram juntos, cresceram juntos, sonharam juntos.

Nossos pais sempre disseram que foram abençoados. Quando souberam que teriam gêmeos, sentiram que a vida lhes sorria. Pedro e Clara. Clara e Pedro. Nomes que vinham sempre juntos, como se fossem um só. E, por muito tempo, foram.

Hoje, carrego esse nome com ele dentro. Com tudo o que fomos. Com tudo o que ainda somos, mesmo que em silêncio.

Eles viam em nós a promessa de um futuro bonito. E nós acreditávamos. Tínhamos planos traçados com entusiasmo: viagens, festas, projetos compartilhados. Sonhos de casamento — Pedro como meu padrinho, eu como madrinha dele. Tudo parecia claro, certo, nosso.

Mas a vida, às vezes, muda o traço sem aviso. Como uma casa que desaba em silêncio. Como um projeto interrompido antes da última linha.

O que ficou foi o vazio. A ausência do café da manhã que nunca aconteceu. A lembrança daquela noite que mudou tudo. E a tarefa mais difícil: reconstruir. Não a empresa, não os planos — mas a mim mesma.

Porque quando se perde uma metade, é preciso reaprender a caminhar com o que resta. E transformar o silêncio em força. A dor em memória viva. E o amor em legado.

Era para ser uma celebração inesquecível. E, de certa forma, foi — só que não da maneira que imaginávamos.

Estávamos em uma boate, cercados por amigos e familiares. Rostos que faziam parte da nossa história, que conheciam nossas risadas, nossos planos, nossos silêncios. Luiza, minha amiga de infância, cuidou de cada detalhe com carinho — tudo pensado com afeto, com intenção.

Pedro estava radiante. Brincava, dançava, fazia todos rirem. Era impossível não se contagiar com sua energia. Era o nosso aniversário de vinte e cinco anos. Um marco. Um momento que parecia perfeito.

E por instantes, foi. Até que não foi mais.

A noite que deveria marcar mais um capítulo feliz da nossa trajetória se transformou na maior tragédia da minha vida. E desde então, tudo se divide entre o antes e o depois.

Foi naquela noite que tudo desabou. Pedro partiu. E eu fiquei.

O que era celebração se transformou em silêncio. O riso virou dor. A alegria virou ausência. E a lembrança daquele momento se tornou um marco — não de festa, mas de ruptura.

Não foi apenas um acidente. Foi uma escolha irresponsável que tirou uma vida. Que mudou a minha. Que quebrou o mundo dos meus pais, que sempre se sentiram abençoados por terem filhos gêmeos. Clara e Pedro. Pedro e Clara. Um vínculo que parecia inquebrável.

Todos os nossos planos se perderam: as viagens, os projetos, os casamentos onde seríamos padrinhos um do outro. Tudo se quebrou. E desde então, tento seguir. Mas é como caminhar com metade do coração.

Ainda assim, sigo. Porque mesmo quebrada, ainda sou feita de tudo o que fomos. E é nessa memória que encontro força para continuar — não como antes, mas como alguém que carrega o amor, a dor e o legado de quem partiu cedo demais.

✦ Dois Meses Atrás: A Noite Que Mudou Tudo ✦

Eu estava dançando. A música pulsava no corpo, e por um breve instante, tudo parecia leve. A festa estava linda — cheia de gente querida, luzes suaves, risos soltos. Era o nosso aniversário de vinte e cinco anos. Um marco. Uma celebração da vida que construímos juntos.

Pedro estava por ali, eu sabia. Sempre circulando, sempre encantando. Era impossível não notar sua presença — ele tinha esse dom de preencher os espaços com alegria. Brincava, sorria, fazia todos se sentirem parte de algo especial.

Naquele momento, tudo parecia certo. Como se o mundo tivesse parado só para nos permitir viver aquela noite. E por alguns minutos, vivemos. Intensamente. Sem saber que aquele seria o último capítulo da nossa história juntos.

Foi quando Luiza se aproximou. Tocou meu braço com delicadeza e perguntou:

— Você viu o Pedro?

— Vi há pouco — respondi, distraída. — Estava flertando com uma garota.

Ela franziu a testa.

— Que garota?

— Não sei — dei de ombros. — Não conheço. Deve ser amiga de alguém. Só vi de relance. Nem troquei palavra com ela.

Luiza ficou em silêncio por um instante. Tentou disfarçar o incômodo, mas eu percebi. A ideia de Pedro flertando com alguém desconhecida não lhe agradava.

Mas Pedro sempre foi assim. Livre, leve, encantador. Tinha essa energia que atraía, que envolvia. Gostava de brincar, de se divertir, de viver intensamente. E eu nunca vi problema nisso. Era parte dele. Parte do que o tornava único.

Naquele momento, tudo ainda parecia normal. Mas às vezes, o destino começa a mudar de tom sem que a gente perceba. E só depois, olhando para trás, é que entendemos os sinais que estavam ali — sutis, quase invisíveis.

— Vem — falei, puxando Luiza pela mão. — Esquece isso. Vamos curtir a noite. A festa tá linda.

Ela hesitou. Seus olhos varreram o salão, como se buscassem por ele. Havia algo no olhar — uma inquietação contida, um pressentimento talvez. Mas acabou cedendo.

— Tá bom — disse, com um sorriso que não alcançava os olhos. — Vamos dançar.

E fomos. A música nos envolvia, os risos preenchiam o espaço, e por um momento, tudo parecia leve outra vez. Como se o tempo tivesse nos dado uma trégua. Como se a noite ainda fosse só celebração.

Mal sabíamos que aquele instante seria o último em que tudo ainda estava inteiro.

Naquela noite, eu e Luiza nos permitimos viver. Como há tempos não fazíamos. Dançamos até os pés pedirem descanso, rimos sem freio, brindamos com champanhe francês e deixamos o tempo escorrer devagar, como se o mundo tivesse desacelerado só para nós.

A festa estava deslumbrante — exatamente como imaginei. O salão, decorado com flores brancas e velas suspensas, parecia saído de um sonho. As luzes suaves criavam um brilho dourado sobre os rostos, e o som preenchia o espaço com perfeição. Cada detalhe havia sido pensado com carinho, e ver tudo funcionando me trazia uma alegria silenciosa, quase íntima.

Era o tipo de noite que a gente deseja guardar para sempre. E, de certa forma, guardei. Mas não como queria.

Luiza estava linda naquela noite. O vestido azul escuro realçava seus olhos, e o cabelo preso deixava seu rosto ainda mais delicado. Ela chegou com um certo peso no olhar, preocupada com Pedro, mas aos poucos foi se soltando. A música, a atmosfera, a companhia — tudo ajudava a dissolver a tensão.

Conversamos como nos velhos tempos. Relembramos festas, viagens, histórias que só fazem sentido entre amigas. Rimos da vez em que nos perdemos em Lisboa e, por acaso, encontramos um restaurante escondido que virou nosso refúgio favorito. Falamos da trilha em Carrancas, do pôr do sol em Trancoso, das madrugadas em que Pedro nos fazia rir até chorar.

Era como se o tempo tivesse nos dado uma pausa. Um respiro. Um instante de leveza antes da tempestade. E naquele momento, entre risos e lembranças, tudo parecia possível. Tudo ainda estava inteiro.

A pista estava cheia, pulsando vida. Pessoas dançavam com taças erguidas, casais se formavam nos cantos como se o tempo tivesse dado licença para o amor acontecer. Flashes de celular capturavam sorrisos espontâneos, congelando instantes que pareciam eternos.

Os garçons circulavam com elegância, equilibrando bandejas de canapés delicados — vieiras com molho cítrico, mini bruschettas de burrata — tudo impecável, como planejado. O perfume das flores se misturava ao aroma dos vinhos, criando uma atmosfera envolvente, quase cinematográfica. E pelas janelas abertas, uma brisa leve atravessava o salão, como se a noite quisesse participar da festa.

Era o auge. O momento em que tudo parecia funcionar em perfeita harmonia. E eu, ali no meio, sentia uma alegria silenciosa — aquela que vem quando o sonho se realiza, mesmo que por instantes.

Por algumas horas, tudo parecia leve. A preocupação se dissolveu na música, nos risos, nos gestos espontâneos. Luiza também parecia feliz, mesmo que eu soubesse — no fundo — que algo nela ainda estava inquieto. Pedro estava por ali, como sempre: flertando, sorrindo, sendo ele. E eu, sem saber, vivia uma das últimas noites com ele por perto.

A festa ainda acontecia, mas já mostrava sinais de cansaço. As luzes haviam suavizado, algumas pessoas se despediam com abraços lentos, e os garçons recolhiam taças esquecidas pelos cantos. O salão, antes vibrante, começava a se aquietar.

Foi nesse momento que Luiza se aproximou novamente. O semblante mais sério, o olhar mais fundo. Como se algo estivesse prestes a ser dito. Como se o tempo tivesse parado por um segundo, só para que eu percebesse que a noite estava prestes a mudar.

— Clara, você viu o Pedro? — perguntou Luiza, quase num sussurro.

Olhei ao redor, esperando encontrá-lo encostado em alguma parede, rindo com alguém, como sempre fazia. Mas não o vi. E naquele instante, algo me incomodou. Um incômodo leve, quase imperceptível — mas real.

— Não... — respondi, tentando manter a calma. — Ele disse que voltaria conosco, lembra?

Era o combinado. Eu, Luiza e Pedro. Os três juntos, como sempre. Mas ele não estava ali. E a festa já dava sinais de fim. As luzes mais baixas, os últimos brindes, os abraços de despedida. E, no meio de tudo, a ausência dele começava a se desenhar. Discreta. Silenciosa. Mas presente.

Começamos a perguntar. Fomos de grupo em grupo, entre os que ainda dançavam, os que conversavam nos sofás, os que fumavam. Ninguém sabia ao certo. Alguns disseram que o viram mais cedo, outros nem lembravam de tê-lo visto.

Até que um dos amigos comentou:

— Acho que ele saiu com a Júlia...

Eu e Luiza trocamos um olhar. Júlia? Quem era Júlia?

O nome pairou no ar como uma nota dissonante. Não fazia parte da nossa história, nem das conversas anteriores. Era como se, de repente, uma peça desconhecida tivesse sido encaixada no quebra-cabeça — e tudo começasse a perder sentido.

Luiza arqueou a sobrancelha, desconfiada. Eu senti um leve aperto no peito, aquele tipo de intuição que não se explica, só se sente. Júlia. O nome parecia carregar algo mais.

— Você conhece essa Júlia? — perguntei, tentando manter a voz firme.

— Não... — ela respondeu, ainda pensativa. — Mas acho que vamos conhecer agora.

A festa seguia em ritmo próprio, mas para nós, o tempo havia mudado. A busca já não era só por ele — era por respostas.

Nenhuma de nós conhecia. Não sabíamos quem a havia convidado, de onde ela viera, nem sequer lembrávamos de tê-la visto. Era como se Pedro tivesse desaparecido com alguém que não existia para nós.

A inquietação cresceu. A música ainda tocava, mas já não fazia sentido. O brilho da festa começava a se apagar dentro de mim.

Luiza mexia no celular, tentando encontrar alguma pista nas redes sociais, enquanto eu observava os rostos ao redor — todos tão alheios, tão distantes do que nos inquietava. Era estranho como o mundo podia seguir em frente, mesmo quando algo dentro da gente parava.

— Vamos sair daqui — ela disse, com a voz baixa, quase como se não quisesse incomodar o clima da festa.

Assenti. Precisávamos de ar. De silêncio. De um lugar onde o sumiço de Pedro e a aparição de Júlia pudessem fazer algum sentido.

Na calçada, o vento da madrugada parecia mais lúcido que tudo lá dentro. E foi ali, sob a luz amarelada do poste, que Luiza falou o que eu ainda não tinha coragem de pensar:

— E se ele não quiser ser encontrado?

Fiquei ali, parada, tentando costurar os minutos perdidos. Uma hora. Uma hora inteira sem perceber sua ausência. Como se ele tivesse se dissolvido no meio da festa, como se a noite tivesse engolido sua presença sem deixar rastros.

Luiza cruzou os braços, desconfortável. O olhar dela buscava respostas que ninguém parecia disposto a dar.

— Você acha que ele... — começou, mas não terminou.

Eu sabia o que ela queria dizer. E não queria ouvir.

Pedro não era de desaparecer. Não sem um gesto, um olhar, uma palavra. Ainda mais naquela noite, que era nossa. Que ele prometeu guardar comigo.

Tudo agora parecia distante, como se o lugar onde ele foi visto tivesse se tornado um território estrangeiro. E Júlia — esse nome que surgira do nada — era uma sombra que começava a crescer entre nós.

Respirei fundo. Precisava entender. Precisava encontrá-lo. Ou pelo menos, entender por que ele escolheu não estar.

Voltamos para dentro. A música ainda pulsava, abafando qualquer pensamento mais claro. As luzes coloridas dançavam pelas paredes, mas já não tinham o mesmo encanto. Era como se a festa tivesse seguido sem nós — ou como se nós tivéssemos saído de cena sem querer.

Caminhamos entre os grupos, tentando parecer casuais, mas havia algo em nossos rostos que denunciava a inquietação. Pedro não estava ali. E Júlia, essa figura que surgira como um borrão na memória coletiva, continuava sem rosto, sem história.

Nos aproximamos de um outro grupo . Luiza tomou a frente:

— Alguém viu o Pedro depois das dez?

Um rapaz olhou para ela, pensativo.

— Acho que não... ele estava com uma menina, né? Aquela de vestido vermelho?

— Júlia? — perguntei, quase sem querer.

Ele assentiu, mas com hesitação.

— É, acho que era esse o nome... mas não tenho certeza. Eles saíram juntos, acho. Não vi mais depois disso.

A cada resposta, a figura de Júlia crescia — e Pedro se afastava. Era como se estivéssemos tentando montar um quebra-cabeça com peças que não encaixavam. E a noite, que antes era nossa, agora parecia pertencer a outra história.

Olhei para Luiza. Ela também não tinha visto Pedro sair. E eu, que sempre percebia seus movimentos mesmo sem procurá-lo, não tinha notado nada. Era estranho. Pedro não era de sair sem avisar. Principalmente em uma noite como aquela, que era nossa.

— Ele disse pra alguém onde ia? — insisti. — Mandou mensagem? Falou alguma coisa?

Ninguém sabia. Ninguém tinha recebido ligação, nem visto ele pegar o celular. Só tinham visto ele saindo com essa tal de Júlia.

— Mas quem é Júlia? — Luiza perguntou, já impaciente. — Alguém sabe quem a convidou?

Um silêncio desconfortável se espalhou. Até que uma garota, mexendo no copo como quem tentava lembrar de algo, disse:

— Acho que ela chegou com um grupo de modelos. Umas meninas altas, todas produzidas, sabe? Pareciam meio deslocadas, mas chamaram atenção.

Luiza me olhou com as sobrancelhas arqueadas. Eu também senti o alerta. Pedro não costumava se envolver com esse tipo de gente — não por preconceito, mas porque ele sempre preferiu o discreto ao chamativo. E Júlia, pelo visto, era tudo menos discreta.

— Então vamos descobrir quem são essas meninas — falei, já decidida. — Alguém aqui deve saber de onde vieram.

Luiza mexia no celular, como se a tela pudesse oferecer alguma resposta. Mas não havia nada. Nenhuma notificação, nenhuma pista. O número de Pedro chamava e caía direto na caixa postal.

— Isso não faz sentido — ela murmurou, mais para si do que para mim.

Eu olhava para a porta, como se ele fosse aparecer a qualquer momento, com aquele sorriso despreocupado, dizendo que tudo não passava de um mal-entendido. Mas o tempo passava, e a ausência dele começava a ocupar espaço demais.

Talvez ele tenha ido embora mais cedo.

Foi o que pensei, tentando dar algum sentido à ausência. Às vezes, Pedro fazia isso — sumia discretamente, sem alarde, como se o mundo pudesse continuar sem ele por algumas horas. Mas naquela noite, não era só mais uma noite. Era nossa.

— Pode ter ido com os nossos pais — sugeri, mais para me acalmar do que por acreditar de verdade. Eles tinham saído cedo, como sempre, sem fazer barulho, sem se despedir. Era possível. Mas improvável.

Luiza me olhou com aquele jeito que ela tem quando sabe que estou tentando me enganar.

— Ele teria dito alguma coisa — respondeu, firme. — Pedro não é assim.

E ela estava certa. A ausência dele não era só física. Era um silêncio estranho, como se tivesse sido arrancado da noite. Como se algo tivesse acontecido e ninguém tivesse visto.

O salão já estava quase vazio. Os últimos convidados se despediam, e as luzes iam se apagando aos poucos, como se a festa estivesse sendo engolida pelo esquecimento. E ali, entre os copos abandonados e os restos de conversa, eu soube: Pedro não voltaria naquela noite.

Do lado de fora, o vento parecia mais frio. As vozes tinham sumido, restando apenas o som distante de um carro acelerando na avenida. E, por um instante, me perguntei se Pedro estava naquele carro. Se ele tinha ido embora por vontade própria... ou não.

A noite, que antes era nossa, agora parecia de outra pessoa. Como se alguém tivesse reescrito o roteiro sem nos avisar.

Saímos em silêncio, os saltos de Luiza ecoando no corredor como batidas de um relógio impaciente. Lá fora, o ar estava parado, como se o mundo também aguardasse por uma explicação. Mas não havia nenhuma.

O carro estava estacionado onde deixamos, intacto. Pedro não tinha levado nada. Nem o casaco. Era como se tivesse evaporado — ou sido levado.

No caminho de volta, Luiza dirigia com os olhos fixos na estrada, mas eu sabia que ela estava longe dali. E eu também. A cidade passava pelas janelas como um borrão, indiferente à nossa angústia.

Chegamos em casa sem trocar uma palavra. E quando fechei a porta atrás de mim, senti que algo tinha ficado do lado de fora. Não só Pedro, mas uma parte de mim que não sabia mais como se encaixar naquela noite.

— Vocês viram o Pedro? — perguntei, sem rodeios.

Minha mãe se levantou devagar, como se já esperasse a pergunta. Meu pai permaneceu sentado, os olhos fixos na tela da TV, que exibia qualquer coisa irrelevante — talvez só para preencher o silêncio.

— Não — ela respondeu. — Achamos que ele estava com vocês.

Luiza se aproximou, cruzando os braços, o rosto sério.

— Ele sumiu. Ninguém viu quando saiu. Disseram que foi com uma garota... Júlia.

O nome pareceu não causar reação. Meus pais se entreolharam, e por um instante, tive a impressão de que sabiam mais do que estavam dizendo. Mas talvez fosse só o nervosismo me fazendo enxergar demais.

— Júlia? — meu pai finalmente falou, com a voz baixa. — Não conheço nenhuma Júlia.

O silêncio voltou a se instalar. E ali, naquela sala iluminada apenas pela luz azulada da televisão, percebi que não era só a ausência de Pedro que nos incomodava. Era o fato de que ninguém — absolutamente ninguém — parecia saber quem  era Júlia.

— Estamos com uma sensação estranha — confessou minha mãe, com a voz baixa. — Desde que chegamos, parece que... não sei. Como se algo estivesse fora do lugar.

A frase caiu como um peso no ambiente. Não era só uma impressão — era uma confirmação do que já pairava no ar desde que saímos da festa. O silêncio da casa, o olhar tenso dos meus pais, a ausência de Pedro... tudo parecia desalinhado.

Luiza se sentou ao meu lado, sem dizer nada. Eu também não consegui responder. Era como se qualquer palavra fosse insuficiente diante daquela sensação que nos envolvia. A noite, que começou com luzes e risos, agora se transformava em um enigma. E Pedro era a peça que faltava — não só fisicamente, mas emocionalmente.

Meus pais não esperaram mais. Assim que perceberam que ele não estava em casa, que ninguém sabia onde ele estava, que nenhuma mensagem havia chegado, se levantaram com urgência. Nos chamaram com o olhar, e sem precisar dizer muito, entendemos: era hora de procurar.

— Vamos ligar para os amigos — diz meu pai, já com o celular na mão. — E verificar os arredores. Hotéis, ruas próximas, qualquer lugar onde ele possa ter ido.

Minha mãe assentiu, os olhos fixos em um ponto qualquer da parede, como se tentasse enxergar além dela. Luiza já estava digitando freneticamente no celular, enviando mensagens para todos que estiveram na festa. Eu me levantei devagar, como se o peso da noite tivesse se instalado nos meus ombros.

A casa parecia mais silenciosa do que nunca. Cada som — o zumbido da geladeira, o clique das teclas, o farfalhar das cortinas com o vento — ganhava um significado novo. Era como se tudo estivesse esperando por uma resposta.

Meu pai começou a discar. A voz dele, firme, tentava esconder a inquietação.

— Oi, boa noite. Desculpa incomodar... Pedro passou por aí? Ele não voltou pra casa.

Do outro lado, silêncio. Mais uma negativa. Mais uma pista que não levava a lugar nenhum.

A cidade parecia diferente naquela madrugada. As luzes dos postes lançavam sombras longas sobre o asfalto, e o som dos nossos passos ecoava como se estivéssemos atravessando um lugar esquecido pelo tempo. Cada hotel que aparecia no mapa se tornava uma possibilidade, uma esperança. Mas também um medo.

— Tenta esse aqui — disse Luiza, apontando para a tela do celular. — Fica a três quadras do clube.

Ligamos. Nada. Nenhum hóspede com o nome de Pedro. Nenhum registro recente. Seguimos para o próximo.

Enquanto isso, minha mãe falava com vozes conhecidas, mas que agora soavam distantes. A cada “não, não vimos”, o silêncio entre nós crescia. Meu pai caminhava à frente, como se o movimento fosse a única forma de manter a calma.

A festa parecia ter acontecido em outra vida. As risadas, os brindes, a música alta — tudo agora parecia um eco distorcido. E Pedro, que até então era o centro da noite, havia se tornado um mistério.

A madrugada já não parece só escura — parece cúmplice. As luzes dos hotéis piscam como se hesitassem em revelar algo. Os recepcionistas, gentis mas exaustos, folheiam registros que não dizem nada. Pedro continua ausente. E Júlia, se é que existe, permanece um enigma.

Luiza segura minha mão. Está fria. A dela também. O medo já não é só sobre onde ele está — é sobre o que pode ter acontecido. Sobre o que não sabemos. Sobre o que talvez nunca venhamos a saber.

A cidade dorme, indiferente à nossa angústia. As ruas parecem mais longas, os minutos mais lentos. Cada passo é uma tentativa de preencher o vazio que Pedro deixou. E Júlia... esse nome que ninguém conhece, que surgiu como um sussurro entre os convidados, agora se transforma em uma obsessão silenciosa.

— Ele não faria isso — repito, mais para mim do que para os outros. — Não hoje. Não conosco.

Luiza me olha, os olhos marejados. Ela também sente. Não é só preocupação — é a quebra de algo que parecia sólido. Pedro era nosso elo. Nosso irmão. Nosso cúmplice. E agora, é um enigma.

Minha mãe desliga mais uma ligação. Meu pai já não fala — apenas anda, como se o movimento pudesse afastar o medo. E eu, entre uma busca e outra, começo a perceber que talvez a resposta não esteja nas ruas, nem nos hotéis, nem nos registros. Talvez esteja em algo que não vimos

Luiza parou de repente, como se tivesse sido atingida por uma ideia urgente.

— Espera... — disse ela, com os olhos arregalados. — A lista de convidados. E a portaria do clube. Eles registram quem entra e sai, não registram?

Saímos quase correndo. O clube não ficava longe, mas naquela hora da madrugada, cada minuto parecia um obstáculo. As ruas estavam desertas, e o som dos nossos passos ecoava como se a cidade estivesse ouvindo.

Ao chegarmos, o segurança da portaria nos olhou com estranhamento. Meus pais explicaram rapidamente, quase atropelando as palavras. Ele hesitou por um segundo, mas diante da urgência nos conduziu até a recepção.

— Temos os registros, sim — disse a funcionária, puxando uma prancheta e depois digitando algo no computador. — Só um instante.

O silêncio enquanto ela procurava era insuportável. Luiza apertava minha mão com força. Eu sentia o coração bater nos ouvidos.

— Aqui — disse ela, finalmente. — Pedro entrou às 20h17. E... saiu às 02h42. Com uma garota. Júlia.

Todos nos entreolhamos. O nome estava ali. Registrado. Real.

— Júlia... tem sobrenome? — perguntou minha mãe, quase sem voz.

A funcionária assentiu, virando a tela para nós. E ali estava: Júlia Andrade.

Era o primeiro fio. A primeira peça concreta. E com ela, a certeza de que Pedro não desapareceu sozinho.

O rosto de Júlia apareceu na tela, iluminado pela luz fria do celular. Era ela. A garota do vestido vermelho. A mesma que alguns disseram ter visto com Pedro. Mas havia algo mais.

— Meu Deus... — murmurou Luiza, aproximando o celular de mim.

O perfil era público. E ali, entre fotos de bastidores de desfiles, viagens internacionais e eventos glamourosos, estava uma imagem que fez meu estômago revirar: Pedro. Ao lado dela. Sorrindo. Como se aquele momento tivesse sido planejado, registrado, publicado.

— Isso foi ontem — disse Luiza, apontando a data. — Antes da festa.

Meu coração apertou. Pedro nunca mencionou nada. Nenhuma campanha, nenhum envolvimento com o Grupo Andrade. E agora, ele aparecia ali, como parte de um mundo que parecia distante do nosso.

— Por que ele não contou? — perguntei, mais para mim mesma.

A legenda da foto era enigmática: “Começando algo novo.”

Luiza deslizou o dedo pela tela, buscando mais. E então, encontramos outra postagem, feita há apenas algumas horas. Uma imagem desfocada, tirada de dentro de um carro. A legenda dizia: “Uma noite insequecível.”

Foi como se o chão tivesse sumido sob nossos pés. Pedro estava com ela...

— Isso não faz sentido — murmurei, sentindo o peso das palavras enquanto tentava organizar os pensamentos. — Júlia Andrade... na nossa festa? Com Pedro?

A frase pairou no ar como uma névoa densa. Luiza me olhou, hesitante, como se estivesse prestes a confirmar um segredo que nem ela queria acreditar.

— Eu achei que fosse só alguém parecida — disse, quase num sussurro. — Mas agora... agora eu tenho certeza. Ela estava lá. No canto do salão, perto da escada. Vestido vermelho, cabelo preso, discreta demais pra alguém como ela. E Pedro... ele passou por ela. Eles se olharam.

Meu coração disparou. A lembrança veio como um flash: o momento em que Pedro se afastou de mim, dizendo que ia buscar uma bebida. O tempo que ele demorou. A expressão estranha quando voltou.

Peguei o celular da mão de Luiza e encarei novamente a foto. Pedro e Júlia, lado a lado, sorrindo.

— Eles saíram juntos depois da festa — concluiu Luiza, com a voz embargada. — Pedro escolheu ir com ela.

O chão parecia se mover sob meus pés. A festa, que deveria ser só mais uma noite, agora se revelava como o início de algo que eu não estava preparada para enfrentar.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.

Luiza ainda segurava o celular, os olhos fixos na tela como se esperasse que a imagem mudasse, que a curtida sumisse, que tudo fosse um erro. Mas não era. Pedro havia curtido a foto. E não qualquer foto — uma provocação, uma insinuação, postada na mesma noite em que tudo começou a desmoronar.

— Ele viu. Ele estava online — disse Luiza, com a voz baixa, quase engolida pelo peso da revelação.

Antes que eu pudesse responder, meu pai entrou na sala com o rosto tenso, segurando um papel impresso. Era o relatório das câmeras de segurança.

— Preciso que você veja isso — disse, entregando o documento com cuidado.

Meus olhos correram pelas linhas até pararem no horário: 2h42 da manhã. Pedro, saindo pela porta lateral do salão. Ao lado dele, Júlia Andrade. Cabelos presos, vestido preto, olhar firme. Eles não estavam fugindo. Estavam partindo juntos.

— Eles não queriam ser vistos — concluiu meu pai, com um tom que misturava decepção e preocupação. — E conseguiram.

Senti o estômago revirar. A festa, a selfie, a curtida, a saída escondida... tudo se encaixava como peças de um quebra-cabeça que eu não queria montar. Pedro não só estava com Júlia — ele escolheu estar com ela. 

O ar pareceu ficar mais pesado. As palavras do meu pai ecoaram como um veredito.

— Nenhum dos dois voltou. Nenhum dos dois passou pela portaria.

Luiza se sentou devagar, como se o chão tivesse sumido sob seus pés. Eu fiquei ali, imóvel, tentando processar. Pedro e Júlia saíram juntos às duas da manhã... e desapareceram.

— Isso não é só estranho — disse Luiza, quebrando o silêncio.

Olhei para o papel nas minhas mãos, o relatório das câmeras. A imagem era clara: Pedro com o blazer nas mãos, Júlia com o celular encostado ao ouvido, os dois andando rápido, sem olhar para trás.

— E depois disso... nada — repeti, sentindo um arrepio. — Nenhuma postagem. Nenhuma mensagem. Nenhuma explicação.

Era como se tivessem apagado os rastros. Como se aquela saída fosse o início de algo que não incluía mais ninguém — nem amigos, nem família, nem respostas.

Luiza me olhou com um misto de medo e curiosidade.

O silêncio da madrugada foi engolido pelo primeiro brilho do dia, voltamos para casa exaustos e em silêncio. Eu, Luiza e meus pais. Não havia mais nada a fazer no clube. As luzes já estavam apagadas, os seguranças recolhendo os últimos copos esquecidos, e a sensação de que algo havia escapado por entre os dedos pairava no ar.

Sentei no sofá da sala, ainda com o vestido da noite anterior, o celular tremendo nas minhas mãos. Digitei o nome dela no G****e: Júlia Andrade.

A página carregou rápido demais, como se o universo estivesse ansioso para me empurrar para a verdade.

Ali estava.

Fotos impecáveis. Editorial de moda em Paris. Entrevistas em sites de celebridades. Uma presença magnética, elegante, inalcançável. Modelo. 22 anos. Filha de empresários do ramo artístico.

Mas foi a última linha que fez o mundo girar:

Namorada de Rafael Duarte, 33 anos. Também modelo.

Senti o estômago revirar. Rafael Duarte. O nome não era estranho. Já o tinha visto em campanhas da Armani, em outdoors pela cidade, em entrevistas rasas e sorrisos ensaiados. E agora, ele estava ligado a Júlia. A mesma Júlia que saiu pela porta lateral com Pedro. A mesma que esteve na nossa festa. A mesma que não deveria estar ali.

Luiza se aproximou, sentando ao meu lado no sofá.

— Isso tá ficando cada vez mais estranho — disse ela, olhando para a tela. — Se ela é namorada de Rafael... o que ela estava fazendo com Pedro? Por que saiu com ele pela porta lateral do clube? Por que não há nenhum registro de volta?

Eu não respondi. Porque no fundo, eu já sabia: havia algo por trás. Algo que ninguém tinha contado. E que agora, eu estava determinada a descobrir.

Mostrei a tela para meus pais. O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor. Era como se a realidade estivesse se desfazendo diante de nós, camada por camada, revelando algo que ninguém queria enxergar. Algo que sempre esteve ali, mas que só agora começava a fazer sentido — ou a perder completamente o sentido.

A luz invadia a sala com uma indiferença cruel, como se o mundo lá fora continuasse girando, alheio ao que nos consumia por dentro.

Na delegacia, a resposta foi seca, burocrática, como se o desaparecimento de Pedro fosse apenas mais um número em uma planilha.

— Ainda não podemos agir — disseram. — Não se passaram 24 horas.

Luiza apertou os punhos. Meus pais tentaram argumentar, mas não havia espaço para urgência ali. A dor não tinha protocolo. A angústia não cabia nos formulários.

Saímos de lá com a mesma sensação de antes: impotência. Como se estivéssemos presos em um limbo entre o que sabíamos e o que não podíamos provar. Pedro estava desaparecido. E Júlia, com seu sorriso impecável e vida de vitrine, parecia ter levado com ela todas as respostas.

Eu olhei para o céu, agora claro demais, e pensei: como é que o dia pode nascer assim, tão cheio de luz, quando tudo dentro da gente está escuro?

Lucas estava ali, mas parecia distante. Sentado no canto da sala, os olhos fixos em algum ponto invisível, como se tentasse decifrar um enigma que só ele conhecia. A mandíbula cerrada, os punhos fechados, o silêncio dele gritava mais alto que qualquer palavra de consolo.

Luiza se aproximou, tocou o ombro do irmão com delicadeza. Ele não reagiu. Apenas piscou devagar, como se voltasse de um lugar muito longe.

— Você tem certeza que o Pedro não disse nada a você, talvez tenha dito e você se esqueceu? — ela perguntou, num sussurro que mal chegou até mim.

Lucas demorou a responder. Quando finalmente falou, a voz saiu rouca, quase falhada:

— Eu... eu não sei. Ele não falou comigo sobre Júlia. Mas tem algo errado. Muito errado.

A tensão na sala se intensificou. Os amigos, antes murmurando palavras de apoio, agora trocavam olhares inquietos. Eu franzi o cenho, observando Lucas com atenção. Havia algo na postura dele — não apenas dor, mas culpa. Ou medo.

E foi nesse momento que o telefone tocou.

Lucas atendeu a ligação em silêncio, afastando-se alguns passos como se quisesse se isolar do mundo por um instante. Do outro lado da linha, algo foi dito — algo que ninguém mais ouviu, mas que transformou seu semblante num segundo. O rosto empalideceu, os olhos se arregalaram, fixos em nada. Ele não pronunciou uma única palavra. Apenas deixou o celular escorregar lentamente dos dedos, como se o peso da verdade o tivesse vencido. O aparelho caiu no chão com um som seco, e o silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.

As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Lucas. Lentas, densas, como se cada uma arrastasse consigo uma verdade que ele não estava pronto para admitir. Não eram lágrimas de dor comum — eram de alguém que sabia demais.

Todos se levantaram ao mesmo tempo, como se um alarme invisível tivesse disparado.

— Lucas... o que foi? — perguntou Luiza, já se aproximando com cautela.

Mas ele não respondeu. Não precisava. Apenas levantou os olhos e os fixou em mim. E naquele olhar — vazio, profundo, quase implorando — eu entendi. Algo tinha acontecido. Algo que ele não queria dizer. Algo que, a partir daquele instante, mudaria tudo.

— Clara, respira — disse Lucas, com a voz baixa e firme, tentando me conter. — Você precisa se acalmar... sua mãe está em choque. Se você desmoronar, ela desaba também.

Eu tentava puxar o ar, mas parecia que o mundo estava apertando meu peito por dentro. A respiração vinha curta, falhada, como se o próprio corpo estivesse recusando a realidade.

Luiza se aproximou do irmão, os olhos arregalados, implorando por respostas sem precisar dizer nada. Lucas olhou para nós duas, depois para os meus pais, que estavam imóveis, como se o tempo tivesse parado ao redor deles.

E então, ele começou a falar.

— Um amigo meu da polícia acabou de me ligar — disse Lucas, a voz tensa, como se cada sílaba carregasse o peso do mundo. — Ele está envolvido numa investigação que começou hoje cedo...

Fez uma pausa. O silêncio entre nós parecia gritar. Cada palavra que viria a seguir era uma peça frágil de um quebra-cabeça que ninguém queria montar.

— Encontraram um corpo.

O tempo parou. Meu coração congelou, como se tivesse sido arrancado do peito e mergulhado em gelo. Minha mãe se levantou devagar, os olhos perdidos, os movimentos hesitantes, como se o chão estivesse se desfazendo sob seus pés.

— Um corpo com características que batem com as do Pedro — continuou Lucas, olhando para mim como se pedisse desculpas por cada palavra. — Ainda não é confirmação oficial, mas... é compatível. 

Luiza levou a mão à boca. Meu pai se sentou, em silêncio absoluto. Eu senti o mundo girar, como se tudo estivesse prestes a desabar.

— Como eles chegaram a isso? — perguntei, com a voz trêmula.

Lucas respirou fundo, como se precisasse reunir forças para continuar. Seus olhos estavam fixos em mim, mas havia algo distante neles — como se ele também estivesse tentando se manter inteiro.

— Foi um chamado anônimo — disse, pausadamente. — Alguém ligou para a delegacia hoje de manhã, dizendo que havia algo estranho numa área de mata. Uma equipe foi até lá e... encontraram o corpo.

Luiza apertou os braços contra o próprio corpo, como se quisesse se proteger do que vinha a seguir. Meu pai continuava imóvel, mas seus olhos estavam marejados, fixos em algum ponto invisível no chão.

— Eles ainda estão fazendo análises — continuou Lucas. — Mas havia uma carteira com documentos. E... uma pulseira que o Pedro nunca tirava.

A pulseira.

Lucas disse que havia uma pulseira junto ao corpo. E naquele instante, meu coração parou.

Era idêntica à minha. Eu sabia antes mesmo de perguntar. Porque só existiam duas. Pedro e eu compramos juntas, numa viagem de aniversário, quando ainda éramos crianças. Eram como metades de um todo — ele com a dele, eu com a minha. Sempre estivemos com elas. Sempre.

Levei a mão ao pulso, como se precisasse confirmar que a minha ainda estava ali. E estava. Fria, apertada contra a pele, como se também sentisse o peso do momento.

A dor veio como uma onda. Não só pela possibilidade do que Lucas acabara de dizer, mas pela lembrança de tudo que aquela pulseira significava. Era mais do que um acessório. Era um pacto silencioso entre nós. Um lembrete de que, não importa o que acontecesse, estaríamos sempre juntos.

Mas agora... só uma estava comigo.

E a outra... estava com o corpo que talvez fosse o do meu irmão.

O silêncio que se seguiu foi como um véu pesado sobre todos nós. Eu sentia o ar rarefeito, como se o mundo estivesse se desfazendo em pedaços lentos e dolorosos.

— Foi nesse local que encontraram o corpo — disse Lucas, com a voz tensa. — Em uma área de mata, nos fundos de um hotel que fica na região dos novos condomínios.

Clara sentiu o impacto daquelas palavras como um soco no estômago. Conhecia bem aquela área. Era uma zona de expansão urbana, cheia de promessas. Ela e Pedro já tinham feito projetos ali pela empresa — residenciais sustentáveis, praças integradas, espaços que buscavam harmonia entre arquitetura e natureza. Tinham sonhado com aquele lugar. E agora, ele devolvia um pesadelo.

— E tem mais… — disse Lucas, com a voz firme, como se estivesse prestes a cruzar uma linha invisível. — O modelo Rafael Duarte foi detido hoje.

Clara virou o rosto devagar, como se só agora tivesse entendido que havia mais por vir.

— Ele foi encontrado horas depois, em um bar no centro — continuou Lucas, antecipando a pergunta que ela não conseguia formular. — Estava completamente alterado. Embriagado, com marcas nos braços, vestígios de sangue nas roupas... e uma faca. A polícia apreendeu tudo.

Clara sentiu o estômago revirar. O centro da cidade era distante da área dos condomínios, mas não o suficiente para que os acontecimentos parecessem desconectados.

— Ainda não confirmaram se há ligação direta entre os dois casos — disse Lucas, mais baixo. — Mas o tempo, os detalhes... estão chamando atenção. É como se tudo estivesse se encaixando, mesmo que ninguém saiba exatamente como.

Clara não respondeu. A imagem da mata, do hotel, dos projetos que ela e Pedro haviam desenhado com tanto cuidado, agora se misturava ao caos de um bar qualquer, à figura de Rafael, à faca. Tudo parecia parte de um quebra-cabeça sombrio, e ela não sabia se queria encontrar a última peça.

Minha mãe começou a chorar. Luiza se sentou ao lado dela, tentando consolar, mas também sem forças. O rosto dela estava pálido, os olhos perdidos, como se tudo estivesse desmoronando por dentro.

Lucas se manteve de pé, firme, mas com a tensão estampada no rosto. Ele olhou para cada um de nós, como se buscasse coragem no silêncio.

— Ainda não temos confirmação oficial — disse, tentando manter a calma, embora a voz traísse o esforço. — Mas não dá mais pra esperar. Precisamos ir até lá. Ver com os próprios olhos. Entender o que está acontecendo de verdade.

Eu assenti, mesmo sem conseguir formar palavras. O nó na garganta era pesado demais. O corpo pode ser Pedro. E se for... tudo muda. Não só o dia, não só a casa. Muda tudo. O tempo, os planos, a vida inteira.

Lucas respirou fundo, como se estivesse tentando reunir coragem.

— Eu vou até lá — disse, com a voz firme. — Preciso ver com meus próprios olhos. Saber o que está acontecendo de verdade.

O silêncio que se seguiu parecia pesar sobre todos nós. Então, sem pensar duas vezes, falei:

— Eu vou com você.

Ele se virou, surpreso.

— Clara, não... você não precisa passar por isso. É uma cena de crime. Pode ser demais pra você.

— Eu vou sim — interrompi, sem hesitar. — Pedro é meu irmão. E se alguém tem que estar lá, sou eu.

Luiza me olhou com os olhos marejados, mas não disse nada. O silêncio dela doía mais do que qualquer palavra. Meu pai abaixou a cabeça, vencido pela dor, como se o peso do mundo tivesse finalmente quebrado suas costas. Minha mãe chorava sem som, os ombros trêmulos, como se o mundo tivesse deixado de fazer sentido.

Lucas respirou fundo. A minha decisão o atingiu como um golpe — ele não tentou mais argumentar.

— Tá bom — disse, por fim, com a voz baixa. — Mas se prepara, Clara. O que você vai ver... pode mudar tudo.

Peguei minha bolsa com as mãos trêmulas, mas o olhar firme. Eu precisava encarar. Precisava entender. Precisava saber — mesmo que meu coração já gritasse a resposta.

Saí de casa ao lado de Lucas, em silêncio. O ar parecia mais pesado do que o normal, como se o mundo soubesse que algo terrível estava prestes a ser confirmado. No carro, ele dirigia com o maxilar travado, os olhos fixos na estrada, como se cada metro nos aproximasse de um abismo. Eu olhava pela janela, tentando conter o turbilhão que crescia dentro de mim. Medo, dor, esperança — tudo se misturava num nó que apertava o peito e tornava a respiração difícil.

Depois de alguns minutos, Lucas quebrou o silêncio, a voz baixa, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado.

— Você conhece algum Rafael? — perguntou, sem desviar os olhos da estrada.

Balancei a cabeça, sem hesitar.

— Não. Nenhum. Nem eu, nem o Pedro.

Ele assentiu lentamente, mas dava pra ver que ainda tentava encaixar as peças soltas.

— Então como esse Rafael Duarte entra nessa história?

Respirei fundo, tentando organizar os pensamentos que se atropelavam dentro de mim.

— Na festa... Pedro estava flertando com uma garota. Júlia. Algumas pessoas viram. Um amigo nosso disse que viu os dois se beijando.

Lucas virou o rosto por um segundo, surpreso.

— Júlia Andrade?

— Sim. Quando fui pesquisar sobre ela, tentando entender quem era... descobri que ela namora um cara chamado Rafael Duarte.

Lucas soltou um palavrão baixinho, quase como um reflexo.

— Puta merda...

Lucas apertou o volante com mais força, os nós dos dedos ficando brancos. O nome Rafael Duarte já incomodava — mas agora, com a nova informação, tudo parecia ganhar contornos mais sombrios.

— Ele foi detido  — relembrou Lucas, sem tirar os olhos da estrada. — A polícia encontrou inconsistências no depoimento. Disseram que ele estava nervoso, evasivo. E o mais estranho: ele não quis falar sobre a Júlia.

Meu coração acelerou. A conexão estava ali, clara como o dia. Pedro se envolveu com Júlia na festa. Júlia namora Rafael. E agora Rafael está preso, envolvido em algo que ninguém consegue explicar direito.

— Isso não é coincidência — murmurei, mais pra mim mesma do que pra Lucas. — Tem alguma coisa entre eles. Alguma coisa que o Pedro descobriu... ou se meteu sem saber.

Lucas assentiu, o maxilar travado.

— E a gente vai descobrir o quê.

Chegamos ao local indicado — uma área de mata fechada, isolada, onde o corpo havia sido encontrado. O silêncio da rua contrastava brutalmente com o turbilhão dentro de mim. Era como se o mundo lá fora estivesse suspenso, enquanto o meu interior gritava.

Lucas estacionou o carro com firmeza e saiu rápido, sem dizer uma palavra. O som da porta batendo ecoou como um alerta.

Antes que eu pudesse abrir a minha, ele se virou e fez um gesto contido, quase implorando com os olhos.

— Clara, espera aqui. Fica no carro. Só por enquanto.

— Lucas... — minha voz saiu baixa, mas carregada de urgência. Eu precisava estar lá. Precisava ver. Precisava saber.

— Por favor — disse ele, com a voz firme, mas gentil. — Deixa eu falar com os policiais primeiro. Ver o que está acontecendo. Se for mesmo o Pedro... eu volto pra te buscar.

Assenti, mesmo que tudo em mim gritasse para sair correndo atrás dele. Fiquei ali, sentada, com as mãos trêmulas no colo, o olhar fixo em Lucas enquanto ele se aproximava do grupo de policiais ao lado de um carro discreto, estacionado perto da entrada da trilha.

Eles conversaram por alguns minutos. Lucas ouvia em silêncio, balançava a cabeça devagar, os olhos cada vez mais baixos. Um dos policiais entregou um papel, outro apontou para dentro da mata. Eu não ouvia nada, mas sentia tudo. Cada gesto, cada olhar, cada pausa — tudo parecia confirmar o que eu ainda não queria aceitar.

O coração apertava. O ar parecia rarefeito. E uma dor estranha começou a se espalhar pelo meu corpo — uma dor que não vinha de fora, mas de dentro. Como se algo estivesse sendo arrancado de mim, lentamente, com crueldade.

Lucas voltou com o rosto tenso, os olhos vermelhos, a boca trêmula. Parou diante de mim, hesitante, como se as palavras fossem facas. E eu soube. Antes que ele dissesse qualquer coisa, eu já sabia.

— É o Pedro — disse Lucas, com a voz embargada, os olhos vermelhos, fixos nos meus. — Confirmaram. É ele.

Por um instante, tudo parou. O som, o tempo, o ar. Era como se o mundo tivesse se calado para que aquela frase ecoasse dentro de mim, sem distrações. Eu não chorei. Não imediatamente. A dor era tão profunda que parecia não caber em lágrimas.

Olhei para ele, mas não enxergava de verdade. Era como se uma névoa tivesse se formado entre mim e a realidade. O nome do meu irmão, dito com tanta certeza, me atravessou como uma lâmina lenta.

Pedro.

Meu Pedro.

A confirmação não me surpreendia. Meu corpo já sabia. Meu coração já havia gritado antes que alguém dissesse. Mas ouvir... ouvir era outra coisa. Era tornar real o que eu ainda tentava negar.

— Eles precisam do reconhecimento do corpo por um familiar — Lucas continuou, com dificuldade. — Querem que alguém da família vá até lá.

Assenti, sem pensar. A voz saiu como um sussurro:

— Eu vou.

Ele hesitou, me observando como se procurasse alguma força em mim que talvez não estivesse mais lá.

— Tem certeza?

— Não — respondi. — Mas eu preciso.

Porque era isso. Não era sobre estar pronta. Era sobre amor. Sobre despedida. Sobre enfrentar o que doía, mesmo sem saber como continuar depois.

E naquele silêncio entre nós, eu soube: a vida tinha acabado de mudar. Para sempre.

— Me leva até lá — pedi, com a voz firme, mesmo que o coração estivesse em pedaços.

Lucas tentou me segurar, instintivamente.

— Clara, não. Você não precisa passar por isso. É pesado demais.

— Eu vou sim — respondi, mais alto, mais dura. — Pedro é meu irmão. Minha metade. 

Ele hesitou. Me olhou como se quisesse me proteger de algo que já estava dentro de mim. Mas no fim, não teve escolha. Me deixou ir.

Caminhei devagar, como se o tempo tivesse desacelerado só para prolongar o inevitável. Os policiais abriram espaço, respeitosos, silenciosos. E então, o lençol foi retirado.

Tudo em mim desabou.

Era ele. Pedro. Meu Pedro. Meu irmão.

Naquele instante, o mundo ficou frio. O chão desapareceu. O ar sumiu. A dor me sufocou — não como um golpe, mas como uma onda lenta, profunda, que me atravessava por dentro, arrancando tudo o que eu era.

Não havia mais dúvida. Não havia mais esperança. Só o vazio.

Eu gritei.

Gritei alto, forte, como se o universo precisasse ouvir o tamanho da minha dor. Gritei até minhas pernas falharem, até meu corpo não aguentar mais. Gritei até não sobrar nada além do vazio.

E chorei.

Chorei como nunca tinha chorado. Chorei até o chão me acolher, até o mundo perder o som, até o tempo parar. Chorei até meus pais chegarem, até Luiza me abraçar, até todos estarem ali — quebrados comigo, tentando me segurar quando nem eu sabia se queria ficar de pé.

Eu ainda estava ali, ajoelhada, quando um dos policiais se aproximou. O rosto dele era sério, mas havia uma gentileza contida no olhar. Ele se abaixou um pouco, respeitando meu silêncio, e falou baixo, como se cada palavra fosse uma pedra pesada demais para jogar de uma vez.

— Encontramos o corpo hoje de manhã — disse. — Estava caído em uma área de mata, perto da trilha. Isolado. Sem testemunhas por perto.

Eu não consegui responder. Só ouvi.

— Não havia sinais de luta ao redor. Nenhuma arma. Nenhum objeto pessoal fora do lugar. Mas o corpo... — ele hesitou — apresentava múltiplas perfurações. Cortes profundos, feitos por arma branca. Foram golpes precisos, rápidos. Um no abdômen. Outro no tórax. E mais dois nas costas.

Senti meu estômago revirar. Era como se cada detalhe me atingisse também.

— Não sabemos quem fez isso — continuou. — Ainda estamos investigando. Mas pelas marcas, foi uma agressão direta. Intencional. Não parece ter sido um assalto. Não levaram nada. Nem celular, nem carteira. Só... deixaram ele ali.

— Hoje pela manhã, detivemos um homem. Rafael Duarte.

Meu corpo enrijeceu. O nome parecia ecoar em mim com força.

— Ele estava alterado, com marcas nos braços e vestígios de sangue nas roupas. Foi encontrado em um bar no centro, horas depois do crime. Levava uma faca, que foi apreendida.

Lucas se aproximou, tenso.

— E ele confessou?

O policial balançou a cabeça.

— Não. Ele nega qualquer envolvimento. Diz que não lembra de nada da noite anterior. Estava sob efeito de álcool, talvez outras substâncias. A perícia ainda vai analisar a arma, buscar vestígios, cruzar os horários. Por enquanto, é só um suspeito.

Olhei para o chão. Rafael Duarte. O namorado de Júlia. A garota que Pedro beijou na festa. A garota que ninguém conhecia direito.

Nada era certo ainda. Mas tudo começava a se encaixar — de um jeito torto, cruel, assustador.

Fechei os olhos. A imagem se formava mesmo sem eu querer. Pedro, sozinho, ferido, abandonado. E eu, longe demais pra impedir.

A dor não vinha só da perda. Vinha da brutalidade. Da covardia. Do silêncio da mata que engoliu tudo.

E eu sabia: se ele estava envolvido, eu ia descobrir. Nem que isso me custasse tudo.

PermanecI em silêncio por alguns segundos. O mundo parecia ter parado ao meu redor, como se até o vento respeitasse aquele momento. As palavras dos policiais ecoavam em minha mente como marteladas — cada detalhe da agressão, cada ausência de resposta, cada marca deixada no corpo de Pedro.

Mas então, algo mudou.

Eu me levantei devagar, como quem carrega um peso imenso, mas se recusa a ser esmagada por ele. A dor ainda estava ali, viva, pulsando. Mas agora, não era só dor. Era força. Era propósito.

Encontrei na dor uma chama. Um impulso que vinha de dentro, que não pedia permissão. Os olhos antes marejados agora estavam firmes. A tristeza não tinha ido embora — mas tinha se transformado.

Olhei para frente, como quem enxerga além do que os olhos mostram. E pensei: Se ninguém vai lutar por ele, eu vou. Se ninguém vai buscar respostas, eu vou.

Não respondi. Não olhei pra trás. Meus passos eram firmes, como se o chão soubesse que eu não podia hesitar. Abri a porta do carro com a mão trêmula, mas não era medo. Era a urgência de fazer alguma coisa. De não ser só mais uma pessoa chorando por alguém que se foi.

Lucas correu até mim, segurou a porta antes que eu entrasse.

— Clara, você não pode sair assim. Você tá abalada. Espera só um pouco...

— Eu tô lúcida — falei, encarando ele com olhos que já não choravam. — E é justamente por isso que eu preciso ir.

— Ir pra onde?

— Vou atrás daquela filha da puta — cuspi as palavras, sentindo o gosto amargo da revolta. Ou para qualquer canto que me dê uma pista. Eu não vou ficar parada esperando que a polícia me diga que não tem respostas. Que não tem provas. Que não tem nada. 

Entrei no carro e arranquei sem pensar. O motor rugiu, o volante tremia sob minhas mãos, mas eu não diminuí. A cidade virou borrões ao meu redor — prédios, luzes, pessoas — tudo passava como se o mundo estivesse em câmera lenta, enquanto dentro de mim tudo acelerava.

Eu só tinha um destino: Grupo Andrade & Produções.

Sabia que Lucas e Luiza vinham atrás. Podia sentir a presença deles, a preocupação, o medo. Mas nada disso importava. Eu precisava olhar nos olhos dela. Precisava entender como alguém tão fria podia sorrir enquanto meu irmão estava morto.

Cheguei em frente ao prédio. Moderno, imponente, cercado por seguranças e vidros espelhados que refletiam um mundo que já não fazia sentido pra mim. Estacionei sem pensar. Desci do carro com o coração em chamas, os passos firmes, como quem carrega uma sentença.

Era agora. E ela ia me ouvir.

Tentei entrar, mas fui barrada. Os seguranças se aproximaram com passos firmes, vozes controladas, exigindo identificação, tentando me conter como se eu fosse uma ameaça. E talvez eu fosse.

Foi então que ela apareceu.

Júlia Andrade.

Surgia pela porta principal como uma estrela em seu próprio palco. Acompanhada por amigas e bajuladoras, ria alto, gesticulava com a segurança de quem nunca foi contrariada. O salto ecoava no mármore, cada passo uma declaração de poder. O brilho nos olhos não era charme — era arrogância pura.

E ali estava eu. Parada. Ofegante. Com o coração em guerra.

Olhando para a mulher que sorria como se nada tivesse acontecido. Como se meu irmão não tivesse perdido tudo. Como se a dor que ela causou fosse apenas mais um detalhe irrelevante em sua narrativa de sucesso.

Eu a observei.

Não dava pra negar — ela era linda. Cabelos impecáveis, maquiagem precisa, postura de quem sabe que é desejada e se alimenta disso. Cada gesto era calculado, cada sorriso ensaiado. Mas o que me corroía era outra coisa.

Como podia estar sorrindo?

Como podia estar leve, solta, radiante... enquanto alguém morreu por causa dela?

A dor virou impulso. Um fogo que subiu pelas veias e me empurrou pra frente. Me transformei em raiva pura. Caminhei em direção a ela, ignorando os seguranças, ignorando os olhares, ignorando tudo.

Ela me viu.

E sorriu.

Sorriu como quem acredita que é adorada. Como quem acha que eu estava ali pra pedir uma selfie, pra elogiar o vestido, pra bajular sua existência.

Mas eu não era uma fã.

Eu era a irmã de quem ela fingia não lembrar. E naquele momento, ela ia me ouvir.

Júlia se aproximou com aquele sorriso ensaiado, como quem está acostumada a ser adorada. Cada passo dela exalava confiança, como se o mundo fosse um palco e ela, a estrela principal.

— Olá — disse, com a voz doce, quase teatral.

O som da palavra mal havia terminado de sair quando minha mão voou. O tapa cortou o ar e ecoou como um trovão. Um silêncio imediato se espalhou ao redor. Júlia recuou, os olhos arregalados, a mão no rosto, sem entender de onde vinha aquela tempestade.

Os seguranças se moveram num instante, como cães treinados. Um me agarrou pelo braço, outro tentou me conter pela cintura. Mas eu já não era contida por nada. Estava além do controle, além da lógica. Era dor pura, transformada em impulso.

Meus olhos estavam cravados nela. Na mulher que destruiu minha vida. Que sorriu enquanto meu irmão sangrava. Que fingia não saber, não ver, não sentir.

E naquele instante, ela soube. Soube que eu não estava ali pra pedir nada. Eu estava ali para cobrar.

— Você o matou! — gritei. — Você o matou! Você o matou! Você o matou!

As palavras saíam como um lamento, como um grito que vinha do fundo da alma. Não era só raiva. Era vazio. Era dor crua, sem filtro, sem freio.

Júlia balbuciou, tentando se recompor.

— Eu... eu não matei ninguém...

— Matou, sim — interrompi, a voz cortante. — Pode não ter segurado a faca, mas foi você quem o levou até lá. Você o entregou. Você o guiou direto para a morte.

Ela congelou. O rosto antes altivo agora parecia desfigurado pelo medo. Os olhos buscavam uma saída, uma desculpa, qualquer coisa que a livrasse da verdade.

— Você estava com ele na noite anterior — disparei, sem dar espaço para desculpas. — Foi à festa do meu irmão Pedro, lembra? E depois... você saiu com Pedro.

Minha voz tremia, mas não era fraqueza. Era indignação. Era a dor de quem viu tudo desmoronar...

Ela tentou falar, mas eu não deixei.

— Não adianta fingir que não entende. Você sabia exatamente o que estava fazendo. E agora quer se esconder atrás de lágrimas?

O silêncio que se seguiu foi mais cruel do que qualquer grito. Porque ali, naquele instante, até ela sabia: não havia como fugir da culpa.

Mas ela estava assustada. E devia estar. Porque mesmo que não tenha empunhado a faca, foi ela quem apertou todos os botões, acendeu todas as luzes, abriu todas as portas que levaram meu irmão direto para a morte.

— Você é culpada! — gritei, com a voz rasgando o ar. — Culpada!

O grito reverberou pelo saguão como um trovão. Júlia recuou, pálida, os olhos arregalados, como se finalmente enxergasse o abismo que ela mesma cavou.

Lucas me segurou pelos ombros, tentando conter o furacão que eu havia me tornado. Luiza se aproximou, com a voz trêmula, chamando meu nome como quem tenta puxar alguém de volta do precipício.

— Clara, por favor... Clara...

Mas eu não ouvia. Não naquele momento. Porque tudo em mim gritava. Tudo em mim ardia. E ela precisava sentir — nem que fosse por um segundo — o peso da vida que tirou.

— Sabe onde o Pedro está agora? — gritei, cada palavra como uma lâmina. — Ele está morto! Morto de forma cruel! Está lá, morto! Foi encontrado jogado, largado como qualquer coisa... como lixo!

Ela empalideceu. Mas eu não parei.

— Foi você! — gritei, chorando, sufocada. — Foi você que fez isso! Você! Você!

A dor me consumia. Era como se o ar tivesse se tornado veneno. Como se cada grito fosse uma tentativa desesperada de expulsar o vazio que me corroía por dentro. Eu tremia, mas não de medo — de fúria. De luto. De tudo o que ela fingia não ver.

Júlia recuou, os olhos arregalados, a voz trêmula.

— Eu... eu não matei ninguém...

Mas era tarde demais para negar. Porque mesmo que não tivesse empunhado a faca, ela estava lá. Ela sabia. E agora, diante de mim, não havia mais como fugir.

— Eu não matei ninguém! — ela gritava, os olhos arregalados, a voz trêmula, quase implorando. — Você está louca! Eu mal conheço você! Nem sei quem é Pedro!

Mas eu já não ouvia. Ou melhor, ouvia tudo — e cada palavra dela me feria como se fosse uma nova punhalada.

Avancei. Os punhos cerrados, o rosto quente, molhado de lágrimas e ódio.

— Mimada! — cuspi, sem conseguir conter. — Você vive achando que o mundo gira ao seu redor. Brinca com as pessoas como se fossem peças descartáveis. E acha que pode sair ilesa?

Ela recuava, tropeçando, tentando escapar da verdade como quem foge de um espelho quebrado. Negava com desespero. Negava como quem sabe, lá no fundo, que já perdeu.

E eu... eu estava em ruínas. A dor me rasgava por dentro, como se o ar tivesse se tornado ácido. Como se o grito preso na minha garganta fosse a única coisa que me mantinha viva.

Nos braços de Luiza e Lucas, eu gritava, chorava, me desfazia. Era como se tivessem arrancado meu coração com as mãos. E mesmo assim, ele ainda batia — batia só pra doer.

Pedro estava morto. E ela fingia que não sabia. Fingia que não era nada. Mas eu sabia. Eu sentia. E isso me consumia.

O telefone vibrou nas mãos dela. Júlia atendeu com dedos trêmulos, ainda ofegante, como se quisesse usar aquela ligação para escapar de mim.

— Alô? — disse, tentando manter a voz firme.

Do outro lado, a resposta veio fraca, quase irreconhecível, como um sussurro carregado de pânico.

— Júlia... sou eu. Rafael.

Ela franziu o cenho, confusa, o olhar perdido por um instante.

— Rafael? O que aconteceu?

Houve um silêncio curto, denso, como se ele precisasse reunir coragem para continuar.

— Eu... eu tô preso. Me pegaram. Eu... eu matei um homem.

O mundo pareceu parar. Júlia empalideceu de repente, como se o sangue tivesse fugido do rosto.

— O quê? — murmurou, a voz falhando, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.

— Foi um tal de Pedro — a voz de Rafael veio seca, quase sem vida. — Você me envolveu nisso. Ele era o cara que estava com você. Eu só... eu só decidi acabar com ele.

O mundo girou.

Júlia ficou em silêncio por um segundo — um segundo que pareceu uma eternidade. Era como se o chão tivesse sumido sob seus pés, como se tudo ao redor tivesse se tornado um borrão.

E eu... eu afundei. A confirmação. A sentença. A crueldade nua.

Ela desligou sem dizer nada. Com mãos trêmulas, discou outro número. Falava baixo, mas eu ouvia. Eu ouvia tudo. Cada palavra era uma lâmina nova.

— Pai... — disse ela, quase sem voz, como se estivesse engolindo pedras. — O Rafael... ele matou um homem.

Do outro lado, o silêncio veio primeiro. Depois, a incredulidade.

— Como assim? — a voz do pai veio abafada, distante, como se estivesse tentando entender o impossível.

— Era o Pedro — ela disse, engolindo as palavras como se fossem cacos de vidro. — Aquele rapaz com quem eu fiquei... na festa.

A voz dela vacilava, mas continuava. E eu ouvia tudo. Cada sílaba. Cada pausa. Cada respiração falhada.

— Eu tinha brigado com o Rafael. Ele me humilhou, me ignorou, me fez sentir pequena. E eu... eu quis ferir de volta. Quis mostrar que podia machucar também. Usei o Pedro para isso. Usei ele como se fosse uma peça no meu jogo.

Ela respirou fundo, como se tentasse impedir o colapso.

— Levei o Pedro para o quarto do hotel, onde ia acontecer o desfile. Sabia que o Rafael estaria por perto. Sabia que ele veria. Eu queria provocar. Queria que doesse. Queria que ele sentisse o que eu estava sentindo.

A voz dela se partia. Mas não era um choro limpo. Era um choro sujo, cheio de culpa, de medo, de desespero.

— Eu não pensei. Não me preocupei. Não olhei para o Pedro como alguém real. Eu só... fiz. Fiz porque podia. Fiz porque estava com raiva. Fiz porque achei que nada teria consequência.

E ali estava a verdade. Nua. Crua. Cruel.

Ela tentava se esconder atrás do arrependimento, mas já era tarde.

Pedro estava morto. E ela... ela tinha acendido o fósforo. Tinha jogado gasolina. Tinha assistido tudo pegar fogo — e só agora percebia que o incêndio não era só dos outros. Era dela também.

Mesmo que ela tremesse, mesmo que o medo escorresse pela voz como água por uma rachadura, eu sabia. Júlia era culpada. Não importava o arrependimento, não importava o desespero. Ela o levou até lá. Ela o empurrou para o abismo — e Pedro caiu.

Eu chorava. Soluçava como quem não tem mais ar, como quem tenta agarrar o que já foi. O vestido colado ao corpo, encharcado de lágrimas. As mãos trêmulas, o peito em ruínas. Não havia palavras. Só o silêncio de quem perdeu tudo.

Porque eu perdi. E ela... ela ainda estava viva.

Me desvencilhei dos braços de Luiza com a força de quem precisa se mover, mesmo sem saber pra onde. Fui até Júlia. Ela estava pálida, os olhos arregalados, como se o mundo tivesse desabado sobre ela e ela tivesse ficado presa nos escombros. Mas eu não tive pena. Não podia ter.

A dor me endureceu. Me transformou. E diante dela, eu era só o reflexo do que ela destruiu.

— Você é nojenta — eu disse, com a voz rasgando como vidro contra pedra. — Você é podre, Júlia. Egoísta. Mimada. Cruel.

Ela deu um passo atrás, instintivamente, como se meu ódio tivesse peso. Mas eu avancei. Porque agora não havia mais freio. Só dor.

— Você pode até não ter encostado um dedo no Pedro. Pode até não ter estado lá quando o Rafael o matou. Mas foi você quem o levou até lá. Foi você quem o usou como isca. Quem o arrastou para esse jogo doentio só para ferir o seu namorado. Como se pessoas fossem descartáveis. Como se sentimentos fossem armas.

Ela balbuciava alguma coisa — talvez uma desculpa, talvez um pedido — mas eu não deixei.

— Cala a boca! — gritei, com a garganta em chamas. — Você não tem o direito de falar nada. Nada! Você destruiu tudo. Você destruiu meu irmão.

E o pior? Você ainda está aqui. Respirando. Fingindo arrependimento. Enquanto ele... ele nunca mais vai voltar.

Ela chorava agora. Mas não era arrependimento o que escorria dos olhos dela — era medo. Medo de perder o que sempre teve: controle, atenção, desculpas prontas. Medo de finalmente ser vista como era.

— Você levou o Pedro para o hotel como quem leva um acessório. Um objeto. Um enfeite descartável. Você o usou para provocar ciúmes, como se sentimentos fossem armas e pessoas, escudos. Você o empurrou direto para o caminho do Rafael.

A minha voz cortava o ar como lâmina. E ela tremia. Mas eu também tremia — não de dor, não de tristeza. De ódio.

— Você o matou, Júlia. Não com as mãos. Mas com sua vaidade. Com sua covardia. Com essa necessidade doentia de ser o centro, de manipular tudo ao seu redor como se fosse um palco e você, a estrela.

Ela tentava se manter de pé, mas já não havia chão. E eu? Eu era só o eco daquilo que ela destruiu.

— Como foi? Me diz! — gritei, a voz rasgando. — Onde você encontrou o Pedro? Quem te levou naquela festa? Como vocês se conheceram? Você nem sabia quem ele era, não é? 

Ela tentava responder, balbuciando palavras desconexas, mas eu não queria desculpas. Não queria justificativas. Eu queria verdades. Queria sangue.

Lucas me segurou pelos braços, me puxando para trás com força.

— Clara, chega. Vem. Agora.

— Me solta! — gritei, lutando contra ele, mas ele não cedeu.

— Você já disse tudo. Vamos.

Fui arrastada, o corpo em choque, mas os olhos ainda cravados nela. Júlia estava ali, encolhida, chorando, os ombros curvados como quem finalmente sentiu o peso do que fez.

Mas eu não sentia pena. Não podia sentir.

Só havia uma certeza dentro de mim, sólida como pedra: ela era culpada. E nada — absolutamente nada — traria Pedro de volta.

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