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1.2 - Não consigo mais viver aqui

Quando chegou o momento de me despedir, o ar na casa ficou pesado. Meu pai, que sempre foi o mais calmo, estava parado na porta da sala, com os olhos marejados, mas sem coragem de se aproximar. Minha mãe, Helena, estava ao meu lado, com as mãos trêmulas e a expressão fechada, como se estivesse se esforçando para engolir algo muito amargo.

— Então você vai mesmo? — Ela perguntou, a voz baixa, mas carregada de incredulidade. — Vai deixar tudo pra trás assim? Você tem certeza disso?

Eu olhei para ela, sem saber o que responder. Já tinha me preparado para essa pergunta, mas ainda assim era difícil lidar com a maneira como ela me olhava. Como se estivesse se perguntando onde tinha falhado. A verdade era que ela não conseguia entender, e talvez nunca fosse entender.

— Eu não estou fugindo, mãe — a minha voz falhou por um instante, mas eu me segurei. — Eu só... preciso de algo diferente. De um novo começo. Não consigo mais viver aqui. Não depois do que aconteceu.

Ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas, mas sem demonstrar mais que isso. Não estava pronta para chorar ali, não na minha frente. Queria que fosse diferente, mas sabia que não podia esperar outra reação. A mãe que eu conhecia, a mulher forte e controladora, não sabia o que fazer com a filha que estava indo embora, sem pedir permissão, sem pedir desculpas.

— E o que vai fazer no asilo, Marina? Você não tem ideia do que está entrando, não sabe o que está por vir! — Ela gritou, seu tom mais alto, mas a dor estava ali, misturada à frustração. — E o seu futuro? O que vai ser da sua vida, filha? Você vai ficar lá sozinha, em um lugar com velhos, como se fosse uma punição?

Meu peito apertou, e por um momento eu quase cedi à pressão, quase disse que voltaria, que não queria fazer aquilo. Mas, então, eu me lembrei de tudo o que passei, de tudo o que sentia, e a certeza voltou a crescer dentro de mim.

— Mãe, eu não posso mais ficar aqui. Eu preciso sair, preciso recomeçar. E eu sei que não vai ser fácil, mas é o que eu preciso. Não posso continuar aqui, presa, esperando que as coisas mudem sozinhas. Não posso.

Minha mãe ficou em silêncio por alguns segundos, tentando encontrar as palavras certas, mas não conseguiu. Ela me olhou com aquele olhar dolorido, tentando entender minha decisão, mas sabia que não ia mudar minha mente. Eu já estava decidida.

Foi quando meu pai, que estava de pé, quieto, ao fundo, se aproximou. Ele me olhou, com os olhos mais suaves, e me abraçou sem dizer nada. Seu abraço foi tão reconfortante quanto eu precisava, silencioso, mas carregado de uma compreensão que minha mãe nunca soubera demonstrar. Ele me apertou contra ele com força, como se tentasse me guardar dentro dele.

— Vai dar tudo certo, filha — ele murmurou, a voz rouca, mas cheia de apoio. Eu sabia que ele estava com medo, mas ao menos ele estava me apoiando, mesmo que não fosse fácil para ele. Ele sabia que essa era a minha escolha, e, embora tenha medo, ele sabia que era o que eu precisava.

Eu me afastei um pouco dele, enxugando as lágrimas que começavam a cair.

— Eu te amo, pai — disse, com a voz embargada.

— Eu também te amo, filha — ele sorriu fraco, mas com os olhos sinceros.

Gabi estava ali, parada na porta, observando a cena. Ela não disse nada. Sabia que eu precisava disso, que eu precisava desse momento. Ela não questionou, não tentou me convencer a ficar. Gabi sabia que, de um jeito torto, isso fazia parte da minha jornada.

A última coisa que eu fiz antes de sair foi olhar para minha mãe. Ela estava ali, parada, com as mãos no peito, observando-me com um olhar que misturava dor e raiva, mas também uma espécie de desespero silencioso. Ela queria gritar, queria me impedir, mas não fez nada disso. Ela apenas ficou ali, parada, assistindo-me partir.

— Até logo, mãe — falei, minha voz quase inaudível.

Ela não respondeu. Apenas me olhou, com os olhos cheios de lágrimas, e balançou a cabeça, como se estivesse se convencendo de que eu voltaria. Mas não voltaria.

Saí pela porta, e Gabi me seguiu, sem dizer uma palavra. Ela me olhou mais uma vez, e então, sem mais nada, fomos para o carro. 

 Eu estava prestes a partir, mas a despedida parecia estar acontecendo em câmera lenta, como se o tempo quisesse me forçar a reconsiderar.

Gabi estava parada ao meu lado, em silêncio, e eu pude ver o quanto ela estava dividida. Não dizia nada, mas a maneira como me olhava mostrava que ela também estava absorvendo cada pedacinho daquela despedida. Como se estivéssemos passando por algo que não tínhamos realmente compreendido até aquele momento.

Eu me virei para ela, tentando sorrir, mas o esforço era em vão. Minhas lágrimas começavam a cair novamente, e não havia como segurá-las.

— Vai dar tudo certo, né? — Gabi finalmente disse, a voz embargada, tentando fazer de tudo para não chorar. Mas ela não conseguiu. As lágrimas começaram a brilhar em seus olhos também.

Eu tentei enxugar o rosto, mas as palavras ficaram presas na garganta. Ela estava certa. Nada mais seria como antes. Era um fim. Mas também era um novo começo.

— Eu não sei... — respondi, minha voz quebrando. — Eu só sei que não posso mais ficar aqui, Gabi. Preciso disso. Preciso tentar.

Gabi me abraçou, um abraço apertado, como se estivesse tentando me manter ali, como se não quisesse me ver partir. Eu pude sentir o calor do corpo dela, o cheiro familiar, e por um instante, desejei que ela fosse comigo, que tudo fosse mais simples. Mas não era.

— Vai com calma, ok? Não se esquece de nós. — Ela sussurrou, suas palavras mais pesadas do que qualquer frase que ela pudesse ter dito antes.

Eu me afastei dela, olhando para o carro. Meus olhos estavam nublados, e o coração apertado. Respirei fundo e entrei no carro. Não olhei para trás. Não consegui. Não sabia se poderia suportar ver minha mãe ou meu pai naquele momento. O futuro estava diante de mim, mas o passado ainda me seguia, como uma sombra.

Gabi ficou ali, parada, observando-me entrar no carro, e foi a última imagem que eu tive antes de dar a partida. Ela levantou a mão em despedida, e eu respondi com um aceno, o máximo que consegui fazer.

O som do motor ligado ecoou por um momento, e então, com um último suspiro, coloquei o carro em movimento. Eu estava indo. Não sabia exatamente para onde, mas sabia que não podia mais continuar onde estava.

As ruas que eu já conhecia passaram pela janela, mas parecia que cada uma delas me afastava mais e mais da vida que eu deixava para trás. E, enquanto o carro seguia seu caminho, o peso da decisão caiu sobre mim. Eu estava deixando tudo para trás.

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