Primeira venda Cap 4

Na manhã seguinte, antes do sol nascer, fui até a cozinha e encontrei Catarina organizando os pratos do jantar anterior. A luz fraca da aurora tingia o chão de um tom dourado, como se o dia surgisse com promessas de mudança.

— Preciso de sua ajuda — anunciei, com a voz baixa, quase hesitante, enquanto me aproximava.

Ela ergueu os olhos, surpresa. Seus dedos pararam sobre a porcelana como se temessem que minha voz fosse uma armadilha.

— Minha ajuda? Para quê, prima? — perguntou, desconfiada.

Expliquei meu plano: reformaria vestidos antigos e os venderia para jovens da alta sociedade. Precisaria de alguém para exibi-los, e quem melhor do que ela, com sua postura graciosa e aparência delicada?

Catarina franziu a testa, apertando as mãos diante do avental.

— Me desculpe, é que... estou intrigada. Por que, de repente, me trata com gentileza? E sua mãe ficará furiosa se eu me atrasar nos afazeres — ponderou, a voz embargada entre a mágoa e a cautela.

Sorri, tentando ocultar o nó em minha garganta.

— É natural que estranhe. Tenho sido injusta com você por tanto tempo... e sinto muito, de verdade. Mas quero fazer diferente agora. Não se preocupe, pela manhã eu mesma a ajudarei nas tarefas. Sairemos só à tarde.

Ela me olhou, incrédula, como se não pudesse aceitar aquilo como verdade.

— “Ela me pede desculpas... não sei se consigo aceitar. São anos de maus-tratos, palavras afiadas e humilhações” — pensou Catarina, desviando os olhos, tentando sufocar o tremor da decepção acumulada.

— Senhorita... vai me ajudar nos afazeres da casa?! Me desculpe, mas... creio que não conseguiria fazer isso. — A incredulidade era um escudo, e sua voz soava como defesa.

— "É claro que ela acha que não darei conta", pensei. Mas antes de me tornar Patrícia, fui Lúcia. E Lúcia sabia muito bem o que era esfregar chão, lavar roupa, servir à mesa...

— Vai se surpreender, Catarina. Já falei com minha mãe que vou precisar da sua ajuda. Você verá que a louça, vão brilhar como prata!

Ela arqueou as sobrancelhas, visivelmente confusa, mas não insistiu. Talvez porque, no fundo, quisesse acreditar.

— Se a senhorita diz... eu agradeço. Enquanto isso, vou tratar dos bichos no celeiro — falou, e se retirou, com passos hesitantes.

Levantei antes do nascer do sol, determinada a evitar olhares julgadores. Minha mãe ou Elisa jamais entenderiam me ver de avental. Seria um escândalo. Mas naquele instante, meu orgulho não valia mais que minha intenção.

Comecei lavando a louça com precisão, como alguém que buscava lavar não só os pratos, mas as culpas. A água morna escorria pelos meus dedos, e o cheiro de sabão se misturava ao perfume suave de pão recém-feito. O som dos pratos tilintando, os gestos repetitivos, a simplicidade da tarefa... me ancoravam à realidade.

Ao meio-dia, já havíamos terminado. Estávamos cansadas, mas eu sentia algo diferente: um contentamento sereno. Pela primeira vez, fiz algo que não envolvia aparências.

Pouco depois do almoço, entreguei a Catarina um vestido azul-claro que havia reformado com carinho. O tecido leve, os bordados sutis, tudo nela parecia encontrar novo significado ao ser tocado por mãos que nunca haviam recebido um presente.

— Para que me acompanhe devidamente arrumada — expliquei, quase num sussurro.

Ela passou os dedos pelo tecido, e seus olhos, geralmente tímidos, iluminaram-se com uma alegria contida.

— Patrícia... no que exatamente irei ajudar? — perguntou, ajeitando o vestido com reverência.

— “Nunca imaginei usar algo tão bonito... É mais que lindo” — pensou, o coração vibrando.

— Vou vender meus vestidos vintage. Conheço algumas jovens da sociedade que podem se interessar, e você será a modelo. A beleza já tem — eu disse, com sinceridade.

Um brilho inesperado passou por seu rosto. Depois de um breve silêncio, um sorriso tímido se desenhou em seus lábios.

— Confesso que não esperava isso de você… mas fico feliz em ajudar. Pode contar comigo.

— “Ela está diferente... até parece outra pessoa” — pensou, ainda desconfiada, mas curiosa.

Quando a carruagem parou diante da mansão Vasconcelos, um frio na barriga me percorreu. As três filhas do casal — Judite, Rebeca e Glória — nos aguardavam com olhares que pareciam pesar intenções.

Judite ergueu o leque com elegância e disse:

— Oh! Patrícia Mayer… não imaginei que seria você a nos oferecer algo.

— Sim, sou eu. E agradeço por nos receberem. Não irão se arrepender — respondi, escondendo minha insegurança sob um tom confiante.

Apresentei Catarina e os vestidos, e a reação delas foi surpreendentemente positiva. A sala de visitas exalava o perfume de chá de flores, e a luz que filtrava pelas cortinas de renda dava um ar quase mágico ao momento.

Glória acariciou um dos tecidos com os olhos brilhando.

— Rebeca, esse amarelo vai ficar perfeito em você.

Rebeca sorriu ao segurar o vestido contra o corpo.

— É lindíssimo! Vai me fazer brilhar na apresentação.

Senti um calor no peito. Era como se minha infância — as tardes em que costurava roupinhas para bonecas com linhas tortas — tivesse finalmente ganhado sentido.

Judite examinou os detalhes com olhos exigentes, e assentiu.

— Está de parabéns, Patrícia. Estão todos belíssimos.

As três decidiram comprar tudo. O som das moedas enchendo minha pequena bolsa era como música: uma canção de esperança, de renascimento.

Ao chegarmos em casa, estendi a Catarina algumas moedas.

— Aqui está. Você merece isso.

Ela me olhou, surpresa. Seus olhos brilharam, mas ela hesitou por um segundo antes de aceitar. Era como se aquele gesto simples desafiasse tudo o que ela acreditava merecer.

Mais tarde, sozinha, Catarina submergiu-se na água morna da banheira. O vapor subia em espirais suaves. Pela primeira vez, sentia-se bonita. Sentia-se… vista.

“No começo, tremi diante daquelas moças. Mas me mantive firme. Foi estranho. Depois… divertido. E agora, algo dentro de mim mudou.”

Enquanto a água acariciava sua pele, um pensamento ousado floresceu:

“E se... e se eu pudesse ser mais do que apenas a empregada da casa?”

No grande salão do castelo, os imponentes candelabros lançavam uma luz dourada sobre as colunas de mármore, enquanto o aroma de madeira polida e velas de cera derretida impregnava o ar. O rei Alexandre, sentado em seu trono ornamentado, irrompeu em um sorriso radiante ao ver seu filho adentrar o salão.

Sem hesitar, levantou-se e envolveu o príncipe Henry em um abraço apertado, quase esmagador. O perfume das vestes reais — uma mistura de couro, incenso e lavanda — envolveu o jovem.

— Ah, meu filho! Que saudade! Como foi a viagem? — perguntou, a voz vibrante ecoando pelas paredes de pedra.

— Eu também senti sua falta, pai... mas... será que pode me soltar? Preciso respirar! — Henry murmurou, tentando se desvencilhar.

O rei soltou uma gargalhada e afrouxou o abraço.

— Claro, claro! — disse, dando-lhe um leve tapa no ombro.

O grão-duque, sempre vigilante ao lado do rei, pigarreou discretamente.

— Majestade, cuidado com a força — alertou, erguendo uma sobrancelha, embora o canto da boca denunciasse um leve sorriso.

A viagem de Henry ao reino vizinho de Alaban fora longa. Ele fora tratar de acordos comerciais sobre as fronteiras, e agora seu pai ansiava por cada detalhe da jornada. No entanto, um assunto interessava ainda mais ao rei: o coração do príncipe.

Durante o jantar, sentados à grande mesa do salão real, os aromas de carne assada, ervas frescas e pão quente pairavam no ar. Taças de cristal tilintavam conforme eram erguidas e pousadas.

Henry tomou um gole de seu vinho encorpado antes de responder:

— Meu amado pai, ainda não encontrei a mulher que mexa com meu coração.

O rei resmungou, mastigando uma suculenta coxa de frango, cujo caldo dourado escorria entre seus dedos.

— Você está demorando demais! Acho que não está olhando direito. Já passou da hora de se casar e me dar um netinho!

O príncipe sorriu de leve, pousando a taça na mesa com um toque suave.

— Ainda há tempo...

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