A nova fase de Anastácia Cap 3

Respirei fundo e segui até o quarto dela. O ambiente estava na penumbra, iluminado apenas por um feixe de luz que escapava por entre as cortinas pesadas. O cheiro familiar de velas de lavanda misturava-se ao perfume amadeirado do carpete antigo.

 

 

 Mamãe estava recostada na cama, acariciando o gata que ronronava preguiçosamente sob seus dedos adornados por anéis de prata. Seus olhos me analisaram por um momento antes de sua voz suave, mas firme, preencher o quarto.

 

 

 — Abra as cortinas. Quero ver o que você fez com o vestido.

 

 

 O tecido grosso da cortina deslizou sob meus dedos enquanto puxei, deixando a luz da lua inundar o ambiente. Dei um passo à frente, permitindo que ela me examinasse melhor.

 

 

 — Não acha que estou bem? Decidi mudar. Vou fazer dezoito anos daqui dois meses. — forcei um sorriso.

 

 

 Mamãe inclinou levemente a cabeça, como se ponderasse. Seus olhos brilharam com algo inesperado.

 

 

 — Sempre achei o gosto de minhas filhas um tanto extravagante... mas confesso que ficou bom. — Um sorriso surgiu em seus lábios finos. — Anastasia, arrume sua irmã também. Fico feliz que tenha se atentado a um estilo mais... sombrio e elegante.

 

 

 Elisa, que espiava atrás da porta, soltou um protesto indignado.

 

 

 — O quê? Mamãe, não quero que ela toque nos meus vestidos! Isso é injusto! E era para brigar com ela...

 

 

 — Basta, Elisa! Não me desobedeça. — O tom de nossa mãe fez minha irmã se calar no mesmo instante.

 

 

 De volta ao quarto, encarei Elisa, que cruzava os braços com um bico descontente.

 

 

 — Vamos lá. Sente-se.

 

 

 Ela bufou, mas obedeceu. Ajustei um de seus vestidos, suavizei os exageros, e ensinei-a um penteado simples, combinando com uma maquiagem delicada. A princípio, ela resmungava, mas, quando se olhou no espelho, percebi um leve sorriso surgindo em seus lábios.

 

 

 — Até que não ficou tão ruim. — admitiu, relutante. Mas sua expressão se fechou novamente enquanto passava mais batom, preferindo um tom forte. — E me diga uma coisa, irmã... qual é o motivo da sua mudança? Parece até que mudou de personalidade da noite para o dia.

 

 

 Fitei meu próprio reflexo, pensando na melhor resposta.

 

 

 — Apenas resolvi agir de forma mais madura. Estou ficando mais velha.

 

 

 Elisa arqueou uma sobrancelha.

 

 

 — Está dizendo que sou imatura? Eu sou mais velha que você.

 

 

 — Não diga coisas que não disse. — respondi, pegando minha bolsa.

 

 

 Antes que a conversa se transformasse em mais uma discussão, saí do quarto. O corredor estava silencioso, e o vento frio da noite se infiltrava pelas janelas, trazendo consigo o aroma de terra molhada.

 

 

 Talvez Elisa nunca entendesse minha mudança. Mas, no fundo, eu sabia que essa nova Patrícia não era apenas uma fase.

 

 

 Era quem eu realmente era agora.

 

 

 Na mesa da sala de jantar, a comida que Catarina havia preparado repousava sob a luz suave do candelabro, espalhando um aroma acolhedor de temperos bem dosados. O frango assado tinha a pele dourada e crocante, e ao lado dele, legumes cozidos a vapor fumegavam levemente. No entanto, a simplicidade do banquete contrastava com o tom exigente da conversa que se desenrolava.

 

 

 — Por que não fez também umas batatas? — indagou minha mãe, sua voz cortante como uma lâmina. Seus olhos escuros desceram até o prato, analisando-o com desdém.

 

 

 Elisa, ajeitando o guardanapo com movimentos calculados, balançou a cabeça em concordância.

 

 

 — É mesmo, um purê de batatas ficaria perfeito aqui.

 

 

 Catarina hesitou por um breve instante antes de responder, mantendo a compostura. Suas mãos estavam entrelaçadas na saia do avental, mas seu tom permaneceu sereno:

 

 

 — Tia, com o dinheiro que me deu, não consegui comprar mais batatas quando acabaram.

 

 

 O ar na sala pareceu ficar mais denso. Minha mãe arqueou uma sobrancelha, seu olhar afiado como uma navalha.

 

 

 — Isso é por sua falta de administração dos recursos. — Sua voz era fria, carregada de desdém. "Que petulante, insinuar que não dou o suficiente para os gastos! Se meu falecido marido tivesse sido um homem mais rico, eu e minhas filhas não estaríamos vivendo com tão pouco."

 

 

 Catarina baixou os olhos, mas sua voz não vacilou.

 

 

 — Vou prestar mais atenção, senhora. Com licença.

 

 

 Ela se afastou da mesa com passos cuidadosos, e sua silhueta desapareceu pela porta da cozinha. O silêncio que se instalou na sala pesava como uma neblina espessa.

 

 

 Na cozinha, Catarina pegou o prato que havia separado para si e sentou-se perto da janela. Seus dedos deslizaram pelo tampo de madeira envelhecido, e sua mente viajou para os dias em que seu pai ainda estava vivo,  a sua mãe era irmã de Eleonor, mais tinha morrido quando era recém nascida. Ela recordou-se das noites em que ele contava histórias de suas viagens enquanto partilhavam uma refeição. O cheiro de especiarias exóticas misturava-se ao riso suave de seu pai, e a cozinha parecia muito menor, mas muito mais quente naquela época.

 

 

 Agora, tudo era diferente.

 

 

 De volta à sala, observei minha mãe e Elisa se entreolharem, como se esperassem que eu preenchesse o silêncio incômodo. Inspirei fundo antes de quebrá-lo.

 

 

 — “Eu sei que, na história, as coisas melhoram para Catarina quando ela se encontra com Ivan Valdequio no baile no castelo do príncipe Henry. Ela tem o final feliz que merece, e todos aqueles que a humilharam acabam recebendo o que lhes cabe... isso inclui a mim, Patrícia, e também a situação financeira da família decai muito.”  

 

 

 Com esse pensamento ainda fresco, decidi propor algo inesperado:

 

 

 — Mãe, estava pensando... Não seria uma boa ideia procurarmos uma fonte de renda para manter nossos gastos?

 

 

 O olhar de minha mãe endureceu instantaneamente. Ela cruzou os braços, seu queixo se ergueu ligeiramente.

 

 

 — Como assim? Você está sugerindo que trabalhemos? Isso seria um ultraje para o nosso nome nobre! Você e sua irmã têm que focar em conseguir bons casamentos, não em ideias absurdas como essa.

 

 

 Respirei fundo, mas mantive meu tom firme.

 

 

 — Mãe, e se eu lhe mostrasse uma forma de trabalho que pudesse atrair a atenção da nobreza e elevar ainda mais o nosso nome? Não seria algo digno de consideração?

 

 

 Ela ficou em silêncio por alguns instantes. Seus dedos tamborilaram contra a mesa, e seus olhos brilharam com uma mistura de cautela e ambição.

 

 

 — Patrícia, seu comportamento tem mudado muito de ontem para cá. Pois bem, se for como você diz, pode pensar em fazê-lo. Mas saiba que estou de olho.

 

 

 Era um pequeno triunfo, mas uma oportunidade que eu não desperdiçaria.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App