O espelho refletia um rosto que eu mal reconhecia, olhos delineados, pele mascarada, sorriso falso treinado tantas vezes que parecia natural. Mas, por dentro, tudo o que eu queria era arrancar aquela máscara e desaparecer.
Passei o algodão embebido em demaquilante na bochecha, tentando apagar parte da persona que precisava apresentar à noite. Então a porta se abriu sem aviso. — Nora — a voz áspera de André ecoou pelo camarim. — O chefe te quer na sala privada. Agora. A mão que segurava o algodão parou no ar. Apertei os lábios, irritada. — O meu turno acabou, André! — retruquei. — Estou indo embora. Ele se encostou no batente da porta, um sorriso cínico se formando: — Não é uma sugestão. Você vai. Suspirei fundo, sentindo a raiva que queimava o estômago. Sempre engolia essa frustração, sempre obedecia. Havia dívida, cobrança, e o peso do sobrenome do meu pai. Levantei-me devagar, ajeitei a máscara no rosto e segui André pelo corredor estreito. A música abafada vinha pelas paredes, o cheiro de cigarro misturado à bebida e perfume masculino. Queria apenas tomar banho e me desligar de tudo. Mas então ele parou. Segurou meu braço com firmeza, obrigando-me a encará-lo. — Escuta, o chefe pediu algo específico. Arqueei a sobrancelha, desconfiada. — O quê? — Disse para você dar mais atenção a um dos homens que estão lá dentro — falou baixo, mas o peso nas palavras era sufocante. Meu sangue ferveu. — Mais atenção? — Repeti, desprezo evidente. — Não faço nada fora do palco que não seja combinado. Ele inclinou a cabeça, sorrindo de maneira irritante: — Não será nada que você já não faça. Só… foque nele. Faça com que ele se sinta especial. — E como vou saber quem é? — perguntei, cruzando os braços. — Ah, você vai saber. — Ele soltou uma risada curta, quase cruel. O tom dele me deu calafrios. Não havia negociação. Respirei fundo, erguendo o queixo, e abri a porta que levava à sala privada. O espaço era maior que as outras salas, envolto em sombras aconchegantes. A luz amarelada destacava os sofás de couro escuro, a mesa baixa coberta por garrafas e copos. O cheiro pesado de charuto, bebida cara e perfume masculino impregnava o ar. O chefe estava lá, claro, dominando o centro da atenção. Ao redor dele, quatro homens de terno conversavam, riam e brindavam, exibindo arrogância. Caminhei devagar até o canto, onde o pole esperava, envolto em penumbra. O ritual era o mesmo: dançar, seduzir, fingir. Mas desta vez algo mudou. Meu olhar encontrou ele. E, de repente, o mundo pareceu parar. Gabriel estava sentado um pouco afastado, corpo relaxado, mas olhos fixos em mim. Intensos. Profundos. Diretos. Reconheci imediatamente o homem que dias atrás me observava durante a dança na sala VIP. Não devorava com fome, apenas observava com calma predatória. Meu coração disparou. O arrepio subiu pelo pescoço, percorreu a espinha. Cada passo que dei em direção ao pole parecia pesado, como caminhar sobre vidro. As vozes ao redor viraram ruído; risos se tornaram ecos distantes. Só ele importava. O frio do metal sob minha mão no pole contrastou com o calor que subia do meu corpo. Inspirei fundo, tentando manter postura e concentração. Mas não era apenas técnica: era consciência. Cada gesto, cada movimento, seria observado e avaliado por ele. O chefe continuava falando, mas Gabriel não. Ele apenas me observava. A tensão entre nós era quase física, uma corda invisível que nos prendia um ao outro. Eu sabia, naquele instante, que não podia fugir da atenção dele. Gabriel não era só mais um homem na boate. Ele era um problema. E problemas como ele não podiam ser ignorados.