Capítulo 6

O sol da manhã aquecia as ruas estreitas do meu bairro, tingindo de dourado as fachadas simples das casas geminadas. O asfalto irregular estava cheio de remendos, e pelas calçadas crianças jogavam bola com chinelos improvisando traves.

Caminhei devagar, a bolsa de tecido pendurada no ombro, tentando que a luz do dia e o cheiro de pão fresco das padarias equilibrassem o peso da noite.

Aquele era o meu pedaço de São Paulo. Um bairro humilde, barulhento, mas cheio de vida, onde vizinhos se conheciam pelo nome e qualquer novidade corria mais rápido que o ônibus lotado da manhã. Respirando fundo, permiti que a atmosfera me envolvesse, deixando um pouco da tensão escorrer dos ombros. Ali, longe das luzes vermelhas e olhares famintos, eu podia simplesmente ser Nora.

Segui pelo trajeto de sempre, passando pelas paredes pichadas, pelas vendinhas com frutas empilhadas, cumprimentando quem cruzava meu caminho. Um cachorro de rua me seguiu por alguns metros, abanando o rabo, quase como se me convidasse a deixar os problemas para trás, ainda que só por um instante.

Enquanto caminhava, uma lembrança me atravessou: quando menina, sonhava em ser bailarina profissional. Sonhos caros, inalcançáveis para quem só tinha o suficiente para sobreviver. E ali estava eu, anos depois, indo dar aulas de balé no centro comunitário do bairro.

Não havia palco, não havia aplausos, mas havia olhos brilhando, e isso me preenchia de um jeito que nada da boate conseguia. Cada movimento que ensinava às meninas era como oferecer o que eu nunca tive: uma chance de sonhar maior, mesmo que pequena.

O portão do centro surgiu ao final da rua, pichado em alguns pontos, mas sempre aberto. O zelador, senhor magro de sorriso fácil, acenou quando me viu.

— Bom dia, dona Nora!

Sorri, sentindo o calor da normalidade.

— Bom dia, seu Antônio. Como está?

— Na luta, né? — respondeu, rindo. — Mas só de ver as meninas animadas para sua aula já vale a pena.

Passei por ele com um aceno agradecido.

O pátio do centro estava cheio de vozes. Crianças corriam, algumas já estavam na sala improvisada de balé: piso de madeira gasto, paredes descascadas, espelho rachado num canto. Tudo simples, mas, quando eu entrava ali, parecia mágico.

— Professora Nora! — um coro de vozes ecoou assim que entrei.

Senti o peito se aquecer. Larguei a bolsa no banco e abri os braços.

— Bom dia, minhas bailarinas favoritas!

Elas riram, se amontoaram ao meu redor, mostrando os passos que praticaram sozinhas. Uma delas, pequena, de olhos curiosos, segurou minha mão:

— Olha, professora, consegui girar sem cair!

Ela tropeçou, caiu sentada e riu de si mesma. Me abaixei, batendo palmas:

— Está ficando cada vez melhor, Júlia. Só precisa respirar fundo antes de começar, entende? O corpo obedece quando a gente ouve a respiração.

Ela me olhou séria, guardando o conselho como segredo, e depois sorriu de novo.

Comecei a organizar todas em filas, ajeitando sapatilhas gastas, fitas frouxas. A expectativa enchia a sala. Cada uma queria se destacar, mas também estar junto das amigas.

— Hoje vamos treinar postura, combinado? — anunciei, batendo palmas para chamar atenção. — Quero ver coluna reta, pescoço alongado, braços firmes, como verdadeiras bailarinas.

— Igual a você, professora? — perguntou uma das maiores, com admiração que me fez engolir em seco.

— Igual a vocês. — Sorri. — Todas têm força e graça, só precisam acreditar.

As vozes infantis ecoaram em concordância. Começamos a aula. Risos, tropeços e acertos se misturavam. Ali, não havia chefe, dívida ou olhares predatórios. Ali, eu era só Nora, bailarina.

Quando a aula terminou, ajudei algumas a guardar as sapatilhas. Do lado de fora, o sol já começava a se pôr, dourando o pátio. As crianças corriam até os pais, gritando adeus.

— Até a próxima, minhas estrelas! — respondi, sentindo a garganta apertar.

Fiquei alguns segundos parada, observando a algazarra sumir até o silêncio tomar conta. Respirei fundo. Ali, naquele instante, não existia dívida, medo ou pressão. Apenas eu, as crianças e o sonho antigo que ainda queimava silencioso.

Por mais curto que fosse, aquele momento me permitia dissociar-me de todos os problemas, recuperar forças antes de enfrentar novamente o mundo das luzes vermelhas e olhares famintos.

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