Passei no bar, peguei uma água e comecei a andar rápido, tentando me convencer de que precisava apenas chegar em casa, tomar um banho e esquecer a noite.
Mas então, dobrei o corredor e dei de cara com Marcos, o chefe. Ele ocupava o espaço como se fosse dono não apenas do lugar, mas de tudo e de todos que por ali passavam. Postura relaxada, mas os olhos frios e atentos eram predadores. Meu corpo travou imediatamente. — Ora, ora. — Começou, o sorriso sem gentileza se formando nos lábios. — Justo quem eu procurava. — Estou indo embora, Marcos — falei, tentando manter firmeza. Mas meu corpo inteiro estava em alerta. Ele deu dois passos lentos na minha direção. Cada movimento parecia calculado, como se tivesse certeza de que eu não escaparia. — Vi você conversando com Gabriel — disse, a voz baixa, cortante. — O que ele queria com você? — Nada demais — engoli em seco, tentando manter a calma. — Não me pareceu “nada demais”. — Ele inclinou a cabeça, avaliando cada detalhe do meu rosto. Respirei fundo. Se tentasse inventar demais, ele perceberia. — Ele só… queria mais do que uma dança. — Interessante. — Marcos arqueou a sobrancelha, o olhar avaliando como quem mede peso e tamanho de uma presa. — Desde que se tornou sócio, Gabriel não demonstrou interesse em nenhuma das meninas. Nem uma. Um arrepio percorreu minha espinha. Aquela informação casual grudou na minha mente. Não deveria ligar, mas não conseguia ignorar. — Você sabe… — continuou, a voz carregada de falsa suavidade — …esse tipo de detalhe pode ser útil. — Útil para quem? — Perguntei, desconfiada. — Pra mim, claro. — O sorriso dele alargou-se de forma fria. Senti o estômago revirar. — Então, se Gabriel quiser se aproximar… você vai deixar. Não importa se é dentro ou fora da boate. Meu coração disparou. — E se eu não quiser? — arrisquei. Ele arqueou a sobrancelha, como se minha pergunta fosse uma piada. — Você não tem esse luxo — respondeu, com a firmeza de quem dita regras sem chance de negociação. A raiva subiu pela garganta, mas me forcei a engolir. Não adiantava bater de frente agora. — Seu trabalho… — continuou, quase rosnando — …é fazer o que eu mandar. Senti meu sangue gelar. Ele deu mais um passo, aproximando-se o suficiente para que o peso de sua presença me esmagasse. — Não esqueça que seu pai ainda me deve muito dinheiro. Você está aqui porque eu permito. Aceitou este arranjo. Mas, se eu quiser… — fez uma pausa dramática — …essa coleira aperta. Mordi o lábio com força, tentando controlar a raiva e o medo que queimavam dentro de mim. — Você não precisa me lembrar da dívida. — Falei firme, respirando fundo. — Acho que preciso, sim. De vez em quando você parece esquecer. — Ele riu baixo, sem humor. — Então vou repetir só uma vez: se Gabriel quiser se aproximar… você vai deixar. Não importa o quanto resista. O silêncio que se seguiu era quase sufocante. A ameaça não estava nas palavras, mas em cada gesto dele, no peso de seu olhar, na forma como ocupava o espaço. Fiquei parada, imóvel, vendo Marcos se afastar pelo corredor com passos lentos e calculados. O gerente, André, surgiu logo atrás, como um cão fiel seguindo o dono, atento a cada detalhe. Só quando ambos desapareceram senti meus joelhos quase cederem. Apoiei a mão na parede, respirando fundo. Cada palavra de Marcos ecoava na minha cabeça: a dívida, a coleira invisível, o interesse de Gabriel. Eu estava presa em um jogo que não escolhi jogar, e a pergunta que me corroía era: quanto mais teria que suportar até conseguir pagar pelos pecados que não eram meus? A resposta parecia sombria demais para ser dita em voz alta. Mas, de algum modo, sabia que precisaria continuar lutando, mesmo que cada passo fosse tomado sob uma sombra sufocante.