Laura se encarava no espelho pela décima vez. O vestido preto de cetim abraçava seu corpo com uma elegância que não combinava com sua realidade. A fenda lateral era sutil, mas ousada. Os brincos de pérolas, simples e refinados, completavam o conjunto com uma precisão quase cruel — como se tivessem sido escolhidos para alguém que não era ela.
Respirou fundo. Era isso. A primeira aparição pública como noiva de Arthur Ferraz. No coração, tudo latejava. Raiva. Medo. Insegurança. E uma pontinha incômoda de... curiosidade. Um carro preto a aguardava em frente ao prédio. O motorista a cumprimentou com um “boa noite, senhorita Mendes”, como se ela já pertencesse àquele universo. Como se fosse normal sair de um bairro onde as contas atrasavam para entrar em tapetes vermelhos e sorrisos ensaiados. No banco de trás, um envelope com as palavras de Arthur: > “Mantenha o sorriso. Segure meu braço. E não me contradiga. Estamos em cena. – A.” --- O salão do evento beneficente era uma pintura em tons de ouro e vinho. Candelabros de cristal pendiam do teto, e garçons deslizavam com taças de champanhe por entre empresários, políticos e socialites. Laura sentiu o peso do ambiente antes mesmo de entrar de verdade. Arthur a esperava próximo à entrada principal, impecável em um terno sob medida. Quando seus olhos encontraram os dela, algo mudou em sua expressão — um resquício de surpresa, talvez? Admiração disfarçada? — Você está... — ele hesitou por um milésimo de segundo — apresentável. — Quase um elogio. Vou fingir que agradeço. Ele ofereceu o braço, e ela segurou, como o contrato exigia. — Pronta para o show, noiva? — Desde que você mantenha o seu papel de príncipe encantado arrogante. — É o meu favorito. Entraram juntos, sob uma chuva de olhares. --- — Arthur! — exclamou um senhor grisalho, apertando sua mão com entusiasmo. — Então é verdade! A noiva existe! — Muito real — respondeu ele, puxando Laura para mais perto. — Esta é Laura Mendes. A mulher que aceitou se casar comigo, apesar dos meus defeitos. — Ah, minha querida... você merece um prêmio — disse o homem, arrancando risadas ao redor. Laura forçou um sorriso e estendeu a mão. — O prazer é meu. Nas horas seguintes, ela cumpriu cada etapa do manual: sorrir, responder com educação, não falar demais, não mostrar desconforto. Arthur a conduzia com naturalidade, como se ela fosse apenas mais uma peça em sua engrenagem social. Mas havia momentos — rápidos, discretos — em que ele a observava com mais atenção do que o necessário. Quando ela respondia com firmeza a um comentário machista. Quando recusava champanhe para manter a mente clara. Quando encarava alguém nos olhos, sem submissão. --- Mais tarde, em um dos corredores mais tranquilos do salão, Laura se apoiou em uma pilastra e tirou os sapatos por um instante. Arthur apareceu ao lado dela, as mãos nos bolsos, o olhar neutro. — Está indo bem. — Estou fingindo bem, quer dizer. — O mundo gira à base de boas atuações, Laura. Ela o encarou. — Você sempre viveu assim? Fingindo? — Quando se tem uma fortuna em jogo, não sobra muito espaço para autenticidade. Ela riu, amarga. — Deve ser solitário. Arthur pareceu afetado por um instante, mas logo desviou o olhar. — A solidão é um preço pequeno a pagar pela liberdade. — Que liberdade? Você está preso num império de aparências, lutando com a própria família por controle. Parece mais uma jaula de luxo. Ele se aproximou um pouco. — Cuidado, noiva. Quanto mais você me entende, mais difícil será escapar. — Eu não quero entender você. Quero que tudo isso acabe logo. — Vai acabar. Três meses. Depois cada um segue seu caminho. Mas a forma como ele a olhava... como se estivesse estudando cada camada por trás da determinação dela... deixava claro que nem ele acreditava mais tanto assim nisso. --- Quando chegaram ao carro, Laura já estava exausta. Não apenas fisicamente, mas emocionalmente drenada. O papel de “noiva perfeita” a feria em lugares que ela nem sabia que existiam. — Vai querer que eu durma no seu apartamento também? — perguntou ela, com ironia, antes de entrar no carro. — Ainda não. Mas em breve. Ela arqueou uma sobrancelha. — E por que não agora? — Porque hoje você ainda é só uma peça no tabuleiro. Amanhã, talvez, comece a se tornar algo mais perigoso. — Como uma rainha? — Como um risco — ele respondeu, fechando a porta atrás dela. --- Enquanto o carro a levava de volta para casa, Laura encostou a testa no vidro, tentando conter a avalanche de pensamentos. Sabia que tinha feito o que precisava. Mas a cada passo, sentia-se mais dentro de um jogo onde as regras mudavam conforme o olhar dele. E por mais que quisesse negar, o brilho nos olhos de Arthur Ferraz... não era só atuação. Era uma promessa de guerra. E ela estava prestes a revidar.