O contrato pesava em sua bolsa como se tivesse o dobro do peso real. Laura atravessou a porta giratória do prédio do Grupo Ferraz sem olhar para os lados. Precisava de ar. Precisava de espaço. Precisava entender por que sentia o chão desaparecer sob seus pés.
Caminhou sem rumo pelas ruas movimentadas, ignorando buzinas, passos apressados e vendedores de esquina. Só parou quando chegou à praça onde costumava levar o irmão para brincar quando as coisas ainda faziam sentido. Sentou-se em um banco e, pela primeira vez em dias, permitiu-se chorar. Ela não era ingênua. Sabia que o mundo não era justo, que pessoas como Arthur Ferraz faziam e desfaziam regras. Mas nunca imaginou que um dia teria que escolher entre seus princípios e o teto sob a cabeça da sua família. Abriu a bolsa, retirou o contrato e folheou as páginas. Tudo ali parecia absurdamente... legal. Redigido por bons advogados, com cláusulas que previam exatamente o que ela temia: limites claros, duração exata, nenhuma exigência íntima explícita. Nada físico era obrigatório, mas a convivência e aparições públicas eram cruciais. Na penúltima página, a cláusula que travou sua respiração: “Ao final do período estabelecido, o contratante compromete-se a quitar integralmente os débitos da residência pertencente à família Mendes, localizada na Rua das Amendoeiras, número 68, mediante apresentação da documentação correspondente.” Arthur Ferraz não estava blefando. Ele sabia exatamente o que estava em jogo. --- Quando voltou para casa, sua avó estava sentada no sofá com uma xícara de chá nas mãos trêmulas. O irmão de doze anos jogava videogame com o som baixo, como se tentasse fingir normalidade. Laura se sentou ao lado dela e pousou a cabeça no ombro da idosa. — Tentou o banco de novo? — a avó perguntou baixinho. — Tentei. — E...? Laura não respondeu. Só apertou a mão dela em silêncio. --- Na manhã seguinte, Laura entrou no prédio do Grupo Ferraz com passos decididos. Não porque estava certa, mas porque não podia mais permitir que a vida continuasse desmoronando sem reagir. Subiu até o último andar, ignorando os olhares curiosos, e bateu à porta da sala dele. Arthur abriu com a mesma expressão impassível de antes. Mas havia algo mais em seu olhar agora: um traço de expectativa. — Você veio. — Ainda posso dizer não — retrucou, entrando sem ser convidada. Ele fechou a porta com calma e se virou. — Leu o contrato? — Levei a noite inteira pensando. Odeio cada cláusula, cada vírgula, cada insinuação do que você acha que pode comprar. — Mas veio. — Porque minha casa vale mais do que o meu orgulho. Arthur assentiu, quase como se respeitasse a resposta. — Há algo que você queira alterar? — Algumas condições. Quero manter meu trabalho. Quero continuar como estagiária, ninguém aqui pode saber do acordo. E... nada físico. Nenhum beijo em público sem meu consentimento. Ele caminhou até a mesa, pegou uma caneta e escreveu algo no contrato. — Feito. — Você aceita assim, tão fácil? Arthur ergueu os olhos para ela, sério. — Laura, eu não quero uma esposa de verdade. Quero uma solução temporária. Quanto mais simples for entre nós, melhor. Só preciso que você me ajude a parecer comprometido para conseguir o controle do fundo que minha família tenta me tirar. — E qual é o problema com sua família? — Isso não está no contrato — ele respondeu, seco. Ela o encarou por um instante longo, depois pegou a caneta. Suas mãos tremiam. Mas o nome dela estava lá. Impresso. Frio. Esperando apenas uma assinatura. Laura Mendes. Ela assinou. Arthur também. — A partir de agora — ele disse, estendendo a mão — você é oficialmente minha noiva. Ela não apertou a mão. — Não somos nada, Arthur Ferraz. Apenas cúmplices de um contrato nojento. Ele sorriu de canto. — Como quiser. --- Na mesma tarde, Laura recebeu um envelope discreto com instruções para sua primeira aparição pública: um jantar beneficente com grandes investidores, dali a dois dias. Precisaria de um vestido adequado — o que Arthur já havia providenciado, é claro — e treinamento para lidar com os jornalistas. No papel, estava tudo sob controle. Na prática, Laura sentia que acabava de abrir mão da própria liberdade. E mesmo que ainda não admitisse... algo na forma como Arthur a olhava despertava mais do que raiva. Era o tipo de perigo que não vinha com sirenes, mas com sussurros. Silencioso, elegante. E totalmente destrutivo. Ela estava jogando o jogo dele agora. Mas ainda não sabia qual seria o preço real de uma proposta irresistível.