Mundo de ficçãoIniciar sessãoIve Bianchi nasceu em um mundo de dor e guerra, onde a máfia dita regras invisíveis e destinos são escritos em sangue. Cresceu ao lado de Lucca Foster, seu primeiro sorriso e melhor amigo, protegida por ele desde a infância. Mas um ataque inesperado separa os dois, deixando Ive marcada pelo trauma e com a lembrança do amor que perdeu. Cinco anos depois, aos dezessete anos, Ive se prepara para ingressar na Universidade Federal de Medicina, determinada a salvar vidas como a madrinha Lara, enquanto o passado insiste em persegui-la. Quando um encontro inesperado coloca um homem misterioso e marcado pela vida diante dela, a garota sente seu mundo virar de cabeça para baixo. Entre segredos, cicatrizes e destinos cruzados, Ive descobrirá que a vida e o amor podem surgir nos lugares mais improváveis, e que o verdadeiro encontro com o passado pode mudar tudo para sempre.
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Eu sempre ouvi da minha mãe que o meu primeiro sorriso, ainda no berço, foi pra ele, Lucca Foster.
Nós não somos pessoas normais, nunca fomos. Nascemos num mundo onde dor e guerra são tão comuns quanto o pão nosso de cada dia. Nascemos na máfia.
Mas existe uma beleza estranha nisso, em viver separado do mundo. Crescemos num universo onde só nós existíamos, onde era possível ser feliz, amar sem culpa, sem preocupações comuns, sem boletos, sem máscaras, sem empregos, sem gentilezas falsas. Nossos problemas eram outros. Eram maiores. Eram mortais. Mas, ainda assim, eram nossos, e gostávamos disso.
Por um tempo, Lucca e eu pudemos existir nesse pedaço de mundo, um universo só nosso, mesmo com a sombra das nossas vidas espreitando na floresta ao redor. Nosso refúgio também era prisão, também era algoz. Porque, apesar do meu primeiro sorriso ter sido pra ele, o destino decidiu que a nossa história seria escrita em sangue, perda e silêncio.
Eu ainda lembro. Tínhamos doze anos, crianças com responsabilidades que muita gente jamais carregará. Vivíamos numa fazenda isolada, um pedaço de terra que fingia ser lar, dividido por famílias que compartilhavam esconderijos, fugas, noites em claro. Crescemos juntos.
Naquele dia, comemorávamos um casamento, uma festa bonita, simples e tímida, daquelas que deveriam marcar o começo de uma história melhor. Era a festa de um dos nossos, e Lucca e eu éramos parte de algo maior. Mas, na máfia, ninguém é criança de verdade.
Eu estava de mãos dadas com ele e me sentia protegida. Com doze anos ele já era enorme, com músculos que pareciam impossíveis até para um adulto. Lucca era capaz de matar homens treinados usando apenas as mãos, mas não sabia amarrar direito o cadarço da bota nem resolver uma conta de divisão. Ele era meigo e bruto na mesma proporção, meio menino, meio herói. Eu… não.
Eu sou filha de Sara Bianchi, sou a adorável herdeira do clã, a princesinha, a menina que caminhava por todos os lugares distribuindo sorrisos e achando armas e bonecas tão singelas quanto flores que nascem sem serem semeadas.
Meu pai me chama de Maçãzinha, a fruta proibida, e sempre dizia que quando eu nasci, pequena, magrinha, sem cabelo, com olhos azuis grandes demais para o meu rosto, a luz entrou na vida dele.
Mas essa história não é sobre o meu pai, nem sobre mim, muito menos sobre os meus cachos loiros que Lucca gostava de enrolar no dedo quando estávamos juntos. Essa é a história de um amor que o destino arrancou pela raiz.
Muita gente diz que gostaria de ter conhecido a felicidade antes; a mãe do Lucca fala isso sobre o marido. Eu não acho. As coisas acontecem quando têm que acontecer. É fato. Eu conheci a minha felicidade no berço, mas o destino não quis que ficássemos juntos.
Estávamos numa procissão, um lugar onde ninguém imagina ver criminosos, mas a noiva daquele dia tinha fé inabalável de que nossos destinos eram desenhados por algo maior, e lá estávamos nós. À frente, a imagem de Nossa Senhora; atrás, nossos pais conversando, rezando, rindo; todos ali por fé, amor ou tradição. E, no meio deles, inimigos. Gente que não estava lá pra rezar. Queriam apagar sorrisos, dizimar sonhos, destroçar almas e vingar algo que até hoje eu não sei.
Eu lembro do momento exato. Lucca apertou minha mão e abaixou um pouco, como sempre fazia, já que precisava se inclinar pra ficar na minha altura, e nunca reclamava. A voz dele saiu protetora e preocupada: Ive, fica perto de mim. Eu ri e respondi que já estava ao lado dele e que ele precisava parar de ser estranho.
Ele levou minha mão à boca e beijou meus dedos, rápido, quase tímido. Minha pele arrepiou. Eu ainda não entendia o que aquilo significava, só tinha no peito a certeza absoluta de que a gente não podia se separar. Eu o amava; quis dizer… mas então a primeira bomba explodiu.
O chão tremeu. Os gritos se espalharam. O pó subiu. O mundo ficou branco. Depois vermelho. Depois nada.
Fui jogada no chão e Lucca ficou por cima de mim. E, pela primeira vez na vida, ele não lutou, não atacou, não correu, não carregou ninguém. Ele apenas me cobriu e usou o próprio corpo como escudo, a vida como promessa. A maior declaração de amor que alguém pode receber me foi dada naquele dia, e ele nem precisou usar a voz. Depois disso, só restou ouvir ele dizendo: não precisa ter medo, Ive.
Acordei num hospital que eu não conhecia, cercada por gente estranha. E o Lucca? O Lucca tinha sido levado. Pela morte. Ou por alguém. Na época, ninguém sabia.
Foi por isso que resolvi cursar Medicina. Era a profissão da Lara, mãe dele e minha madrinha, a mulher mais forte que eu conheci. Mesmo sem saber onde o filho estava, ela salvou dezenas de vidas naquele dia. Eu quero ser como ela. E, no fundo, meu maior sonho é que alguém tenha conseguido salvar o Lucca. Tinha que ter alguém lá. E se ninguém conseguiu por ele, talvez eu consiga por alguém.
Tenho 17 anos e hoje faz cinco anos que perdi meu melhor amigo, o motivo do meu sorriso, a única pessoa que me entendia só com um olhar. Eu continuei, porque a vida continua. Daqui a três meses presto vestibular pra Universidade Federal de Medicina, e eu vou entrar. Por mim. Pela Lara. Pela máfia. Mas principalmente por ele.
Talvez por isso o dia pareça mais pesado. O sol surgiu mais alto, queimando tudo. Olho no espelho e digo pra mim mesma que é só mais um dia qualquer.
Mas não foi.
Tudo mudou. Eu deixei de ser a menina que chora todas as noites beijando um anel de plástico que Lucca encontrou dentro de um ovo de chocolate. O destino resolveu desfazer suas próprias tramas e me apresentar uma segunda chance de ser feliz.
Enquanto o rapaz tomava banho, Ive ligou para um amigo, precisava de ajuda.— Alô.— Matheus, sou eu Ive.— Oi, minha frutinha favorita.— Pode me ajudar com uma coisa?— Qualquer coisa e você sabe disso, por isso ligou pra mim.— Tá, eu preciso de roupas masculinas. Muito grandes, tipo enormes.O rapaz pensou por alguns segundos antes de perguntar.— Posso saber o motivo de precisar de roupas para gordo?— Não! Gordo não! Quer dizer, serve. Desde que seja a maior que você encontrar. É um presente para um amigo.Ela pensou por alguns instantes e tentou ser mais específica.— Ele é lutador... tem os ombros largos e as mãos grandes, ele...Ive se percebeu fechando os olhos quando falava de Antônio. O corpo inteiro arrepiou.Não conseguiu terminar.— Bom, tudo bem. Que acha da gente se encontrar no shopping e eu te ajudo a escolher o presente do seu amigo?— Preciso agora!Ela contou o que estava fazendo e Matheus entrou em pânico.— Sai daí, agora! Estou indo para o seu apartamento.A m
Ive olhou para o carro e em seguida para o rapaz.Era desproporcional, simplesmente parecia impossível.O Mini Copper parecia um brinquedo perto do novo amigo da menina.Ajudou Antônio a encostar em uma árvore.— Espera só um pouquinho? Por favor, não vai embora, tá? Se ficar com medo é você grita.Ela correu para o carro.A costela doeu com o movimento brusco. Prendeu a respiração.Empurrou o banco todo para trás, deitou o encosto.Olhou para Antônio e depois para o espaço.— Vai ter que dar!Correu, mas parou um pouco antes de chegar até ele. Se aproximou devagar.— Oi, eu voltei. Vem.Antônio sentiu a mão pequena na sua. Ela segurou dois dos seus dedos, não conseguia segurar a mão inteira.No carro a verdadeira luta começou.— Precisa ser devagar. O carro é pequeno.Ele tentou. Se encolheu, abaixou, a mão segurava na porta e a dobradiça rangeu com o peso.— Desculpa.Tentou se levantar e bateu a cabeça. Ive tocou o rosto marcado.Nunca teve tanta vontade de provar um beijo de verda
O abraço de Patrícia fez Ive gemer de dor e foi exatamente o som que pareceu mexer com algo dentro de Antônio, mesmo do lado de fora da sorveteria ele se virou em direção ao som, sentia o cheiro de algo doce, mas não o dela.Foi como lembrar de alguma coisa que só existia em um lugar tão fundo da sua mente que o corpo foi capaz de arrepiar, mas a razão não conseguiu explicar.Tentou andar mais rápido, estava ansioso e preocupado. A ideia de ir embora com o bando estava pesando mais do que todas as outras vezes, tentou se convencer que era pelo trabalho, mas o coração gritava que não era isso.Apressou o passo e se perdeu, sem Jaílson para ajudar o centro da cidade parecia um labirinto de sons fortes demais para se guiar por eles. Não prestou atenção, se deixou levar pelos pensamentos fragmentados de alguém incapaz de conhecer a si mesmo.E o preço foi o reencontro que ele quis desde que bateu com a carroça naquela garota pequena.Ive estava sentada segurando a casquinha de sorvete com
Ive discordava do que a amiga estava falando, mas demorou alguns segundos para conseguir responder.Era uma lembrança boa.— Eu já fiquei com alguém.Patrícia se animou. Todos comentavam que Ive Bianchi era o que chamavam de BV. Boca virgem.A garota não dava chance para que ninguém se aproximasse.— JURA! E QUEM FOI ESSE DEUS GREGO QUE CONQUISTOU ESSES LÁBIOS DE MEL?Ive disfarçou.— Mel é a minha irmã.— Tá! Fala logo.Patrícia estava empolgada, mas Ive guardava aquelas memórias só para ela. Não gostava de falar sobre a própria vida.Resumiu.— Lucca, o nome dele era Lucca. Nós éramos amigos, mas ele está morto. Agora chega, tá.A amiga da herdeira Bianchi não conseguiu falar mais nada. Ficou perdida. Parecia uma história triste; não quis saber mais.Fizeram o caminho até a sorveteria no carro de Ive.Havia sido um presente de aniversário e Patrícia sempre achava graça. O carro era pequeno como a dona.Ive estacionou o miniconversível e começou a olhar em volta, como se a esperança
Antônio chegou em casa com o dinheiro do dia, colocou sobre o pano onde comiam.Mayana nem olhou.— Venha colocar sua comida, Tchavo.Antônio obedeceu, esticou as mãos como a mãe o ensinou a fazer. Pegou a concha, colocou o dedo na borda do prato e se serviu até que o caldo o queimasse.Mayana havia ensinado a enxergar com as mãos e ouvidos, mas ele ainda se lembrava das cores.Era bonito.Sentou no chão e perguntou.— Quanto consegui hoje, Deja?A cigana olhou para o pano, apenas algumas moedas e duas notas pequenas.— Muito! As pessoas gostam de você. Por isso te pagam, Tchavo.Ela deixava o filho em uma esquina e ia para outra fazer leitura de mãos. Acreditava que Antônio ficasse lá, mas ele preferia a carroça. Achava estranho receber dinheiro para ficar parado.A cigana olhou os cortes nos braços e ombros do filho, só conseguia ver se ele estivesse sentado. Era um homem alto.— O que foi isso? Alguém te bateu de novo?Ele negou com a cabeça colocando mais sopa na boca.Não convers
Era um dia quente e Ive Bianchi só queria tomar um sorvete, não era pedir muito, fazia parte da rotina exaustiva depois de horas no cursinho, mas naquele dia as amigas começaram a puxar a menina para o outro lado.— Salada de frutas, Ive.— Sorvete!Começaram uma espécie de brincadeira de pega-pega, correndo umas atrás das outras enquanto gargalhavam e repetiam as mesmas coisas. Ive gostava daqueles momentos, esquecia a dor e se permitia ser só uma estudante comum.Correu sem olhar por onde ia, olhando para as amigas, os cabelos voando com o vento e o sorriso que apesar da história que aquele dia carregava, ainda estava disposto a se abrir para o mundo.Bateu em algo e foi arremessada para longe, o baque foi tão forte que Ive só sentiu a dor quando já estava no chão. O corpo inteiro doía, o cotovelo ficou anestesiado com a batida contra o asfalto e os olhos azuis, antes cheios de riso, marejaram pela dor, mas em seguida ela o olhou.Uma criatura estranha, um homem meio bicho, uma mont





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