Mundo de ficçãoIniciar sessãoIve olhou para o carro e em seguida para o rapaz.
Era desproporcional, simplesmente parecia impossível.
O Mini Copper parecia um brinquedo perto do novo amigo da menina.
Ajudou Antônio a encostar em uma árvore.
— Espera só um pouquinho? Por favor, não vai embora, tá? Se ficar com medo é você grita.
Ela correu para o carro.
A costela doeu com o movimento brusco. Prendeu a respiração.
Empurrou o banco todo para trás, deitou o encosto.
Olhou para Antônio e depois para o espaço.
— Vai ter que dar!
Correu, mas parou um pouco antes de chegar até ele. Se aproximou devagar.
— Oi, eu voltei. Vem.
Antônio sentiu a mão pequena na sua. Ela segurou dois dos seus dedos, não conseguia segurar a mão inteira.
No carro a verdadeira luta começou.
— Precisa ser devagar. O carro é pequeno.
Ele tentou. Se encolheu, abaixou, a mão segurava na porta e a dobradiça rangeu com o peso.
— Desculpa.
Tentou se levantar e bateu a cabeça. Ive tocou o rosto marcado.
Nunca teve tanta vontade de provar um beijo de verdade quanto sentia agora.
Gaguejou.
— Eu te ajudo.
Deu a volta e por dentro do carro tentou acomodar a perna de Antônio, depois desceu.
Precisou empurrar o banco com o joelho e estavam assim, ele meio preso entre as ferragens e ela quase em cima dele quando Patrícia apareceu.
— Ive, eu fiz um boletim de ocorrência. Se continuar com essa loucura eu vou ligar para a sua mãe!
A menina olhou para a amiga, terminou o que estava fazendo sem responder nada.
Fechou a porta com cuidado.
— Vou empurrar para travar. Se doer você me diz, tá?
O rapaz tentou balançar a cabeça, mas sentiu a lona. Teve medo de quebrar mais alguma coisa. Sentiu o carro baixar com o peso.
Ive percebeu.
— Ai, espera.
Ela acionou a abertura da capota, pelo controle, mas antes colocou a mão no rosto deformado e falou baixinho no ouvido do rapaz.
— Vai fazer barulho, mas é rapidinho. É a capota do carro, tá?
Antônio nem sequer ouviu, a mão dela em seu rosto lembrava um carinho que ele não conhecia. Ou achava não conhecer.
Fechou os olhos.
Era tão bom.
Quando o novo amigo estava um pouco mais confortável ela finalmente olhou para Patrícia.
— Vou chamar um táxi para te levar para casa. Eu pago.
Ive entrou no carro, mas assim que pressionou o acelerador percebeu que o peso de Antônio também tinha sido sentido pelo automóvel.
Ele estava com os ombros encolhidos, as mãos grandes de um jeito estranho sobre as pernas machucadas e os joelhos espremidos no painel.
— Desculpa, meu carro é pequeno, mas a gente vai dar um jeito.
Ive colocou o carro na garagem privativa do apartamento em que morava, ajudou Antônio a descer.
Não foi fácil, mas estavam em casa.
No elevador ela olhou feio para uma senhora que estava encarando o amigo.
Franziu a sobrancelha e mostrou a língua.
A idosa arregalou os olhos e Ive mostrou a saída com a mão.
A senhora estava tampando o nariz e realmente desceu, preferiu trocar de elevador, mas registrou uma reclamação contra a menina.
Desceram no vigésimo oitavo andar.
Ela reparou que o peso tinha feito o elevador ficar com um degrau, se preocupou.
— Devagar, vai precisar levantar o pé um pouquinho.
Ele a seguiu, o corredor era pequeno e o cheiro dentro do apartamento era o mesmo que o dela.
Levantou a mão e quando alcançou a cabeça da menina ele aproximou o nariz devagar.
Puxou o ar.
Antônio só queria saber quem era a dona do cheiro doce. Ive sentiu o mundo parar de girar.
Ele já tinha se afastado, mas ela continuou ali. No peito dele ouvindo a respiração do rapaz como se fosse a melhor coisa do mundo.
A razão demorou para acionar o alerta.
Ele estava machucado.
Respirou fundo.
— Vem, senta aqui.
O apartamento era grande e aberto, não tinha as divisões de cômodos padrão e pela primeira vez ela achou que Antônio estava realmente confortável.
Limpou os machucados, mas depois pensou que o certo seria um banho.
— Qual é o seu nome? O meu é Ive.
Ive... O som era bonito. Ele repetiu algumas vezes o nome da menina.
— Antônio, me chamo Antônio.
Ela sorriu.
— Prazer, Antônio. Quero te pedir uma coisa, mas é só porque preciso mesmo. Eu não vou olhar. Mas o que acha de tomar um banho quentinho?
Ele negou com a cabeça, Mayana sempre dizia que ele devia tomar cuidado.
— Não pode tirar a roupa, tchavo. Nunca.
Ele negou e Ive insistiu.
— Você fecha a porta por dentro, não vou entrar. Confia em mim.
Antônio confiou, mas enquanto tomava banho lembrava do cheiro dela e o vapor se espalhou assim como a verdade se espalharia em breve.







