Ela é a neta rebelde da família Figueiredo. Ele, o braço direito que jura manter tudo sob controle. Angel nunca quis fazer parte do império que carrega seu sobrenome e depois de descobrir que é fruto de uma traição, menos ainda. Mas quando sua avó a obriga a trabalhar sob vigilância direta de Lucas, o homem que sempre esteve perto demais, o caos se instala. Lucas conhece Angel desde menina. Sabe do passado, do temperamento difícil, da tendência a destruir o que não entende. Mas agora, ela cresceu. E cada dia ao lado dela é uma queda de braço entre razão e desejo, lealdade e tentação. Num ambiente onde todos observam e poucos confiam, Angel precisa provar que pode ser mais do que um problema. Mas há algo que ninguém percebeu a tempo: ela nunca foi apenas um risco. Ela é o perigo.
Leer más(Bar noturno, centro de São Paulo – Sexta-feira, 23h47)
Angel
A música alta martelava meus ouvidos, e o tequila derramado escorria pelo meu pulso, misturando-se ao suor. Eu não sabia mais quantos shots tinha tomado, só sabia que cada um deles afogava um pedaço daquela verdade que me envenena por dentro.
— Sobe, Angel! — gritou Marcela, rindo enquanto batia palmas.
Eu já tava em cima da mesa antes de pensar duas vezes. Aliás, pensar duas vezes não era algo que eu vinha fazendo muito ultimamente. Nem uma vez, pra ser sincera.
A mesa de madeira tremia sob meus saltos altos, e eu balancei os quadris, deixando o vestido curtíssimo subir ainda mais. Alguns homens ao redor assobiavam, outros levantavam copos em minha direção.
— Isso, garota! Solta essa energia represada! — incentivou Joana, filmando tudo com o celular, claro.
Eu girava, ria, e esquecia. Esqueci que minha mãe tinha morrido sem me contar quem era meu pai de verdade. Esquecia que meu pai, ou o homem que me criou como filha, mal conseguia olhar nos meus olhos desde que descobriu tudo.
Era libertador. Por uns minutos, pelo menos. Até que o clima mudou.
O ar ficou pesado, e as risadas ao meu redor se calaram. Alguém tinha aberto caminho no meio da multidão com autoridade. Não precisei olhar para saber quem era.
— Chega.
A voz dele era baixa, firme, e cheia daquela irritação contida que eu adorava provocar.
Virei devagar, desafiante, e lá estava Lucas.
Terno preto impecável, mesmo às onze da noite. Postura de quem nunca relaxou um segundo na vida. E aquele olhar escuro, perigoso, grudado em mim como se eu fosse um problema que ele tinha que resolver.
Eu continuei dançando. Porque sou teimosa. E porque a raiva me fazia querer provocar qualquer um que representasse a velha ordem que me sufocava.
— Desce. Agora.
Ri, jogando o cabelo para trás.
— Não tô atrapalhando ninguém, Lucas. Vai cuidar da sua vida.
Ele não se moveu. Só apertou o queixo, e eu vi o músculo da mandíbula dele tensionar. Sinal de perigo.
Minhas amigas tentaram interferir.
— Ela tá bem, nós levamos ela pra casa— Joana disse, mas Lucas nem olhou para elas.
— Vocês deviam ter impedido ela de subir nessa mesa.
O tom não deixava espaço para discussão. Elas recuaram. Ele nem olhou pra ela. Os olhos estavam em mim. Focados. Quentes. Irritados.
— Você não tem escolha, Angel. Ou você desce, ou eu te tiro.
Foi aí que eu fiz o que não devia: virei o copo de uma vez, levantei os braços e gritei:
— EU TÔ ÓTIMA!
Ele não respondeu. Só agiu.
Veio até a mesa, me segurou firmemente pela cintura e me puxou pra baixo num movimento só. Não foi agressivo, mas também não foi gentil. Foi... inegociável. E meu corpo reconheceu isso. De um jeito que eu detestava admitir.
— Solta! — gritei, me debatendo, mas ele já estava me arrastando para a saída.
— Você está bêbada. E amanhã vai odiar os vídeos que vão circular de você dançando em cima da mesa como uma adolescente.
— Tô pouco me fodendo!
Ele parou de repente, me virando para encarar ele de frente. Seus dedos apertaram meu braço, não o suficiente para doer, mas para eu não fugir.
— Pois devia. Porque enquanto você faz escândalo, seu pai está em casa, preocupado.
A menção do meu pai — aquele homem que me criou, que me amou, mesmo sem eu ser sangue do seu sangue — me acertou como um soco.
Por um segundo, quase cedi. Quase deixei ele me levar.
Mas então a raiva voltou.
— Você é um maldito mandão — murmurei, tropeçando nos próprios pés enquanto ele me segurava.
— E você está bêbada — ele rebateu, levando minha bolsa com uma das mãos e me apoiando com a outra. — E completamente fora de si.
— Você não manda em mim, sabia?
— Não. Mas alguém precisa cuidar de você. Já que você mesma não faz isso.
A forma como ele disse aquilo... doeu mais do que eu queria admitir. E me afetou mais do que eu esperava. E antes que eu pudesse responder, ele me jogou sobre o ombro como um saco de batatas e carregou minha bunda bêbada e rebelde direto para o carro.
E o pior?
Eu odiei o quanto aquilo me deu tesão. Até que ele me largou sobre o banco do carro, dando volta no veículo e sentando-se no banco do motorista.
Após dar a partida e se misturar ao trânsito tranquilo daquela hora da noite, o silêncio dentro do carro se tornou pesado, cortado apenas pelo som da respiração irritada de Lucas, enquanto ele dirigia com uma mão só, os dedos firmes no volante de couro, a outra apoiada na janela, os nósculos brancos de tanto apertar.
Eu sabia que ele estava fervendo por dentro. E isso, pelo menos, me dava algum tipo de satisfação.
— Vai me dizer alguma coisa ou vai ficar a viagem toda fazendo esse ar de juiz? — provoquei, virando o rosto para ele.
Lucas nem pestanejou.
— Não tenho nada pra dizer que você vá ouvir.
Lucas não se deixava influenciar por minhas palavras e aquilo não era surpresa. Fechei os olhos, tentando controlar a onda de amargura que tomou conta do meu ser. Ou talvez fosse o enjoo causado pela bebida em excesso.
— Você sempre foi assim? — perguntei, sem abrir os olhos. — Todo certinho, todo "eu resolvo tudo", todo... chato?
— E você sempre foi tão irresponsável? Ou isso é recente?
Abri um olho. Vi o maxilar dele travado.
— A irresponsável foi a minha mãe, você sabe — disparei, veneno puro. — Mas que bom que sobrou pra mim pagar a conta.
Silêncio.
Mais silêncio.
Pouco depois, viramos a esquina da mansão. A fachada clássica, impecável, iluminada como se fosse um cenário de filme. A casa da minha avó. A prisão com serviço de quarto.
Os seguranças acenaram, reconhecendo o carro de Lucas imediatamente, e em segundos estávamos subindo a alameda de pedras, cercada por jardins impecáveis.
A casa estava iluminada. Alguém estava acordado.
Meu coração acelerou.
— Meu pai tá acordado? — perguntei, a voz um pouco mais fina do que eu gostaria.
Lucas desligou o motor e finalmente me encarou.
— Ele sempre espera por você, Angel.
Era um golpe baixo. Eu sabia que meu pai ficava acordado nas noites que eu saía, mesmo que nunca dissesse nada. Mesmo depois de tudo, depois de saber que eu não era realmente dele, ele ainda se preocupava.
Apertei os punhos.
— Não me faz passar por essa.
Lucas soltou um riso seco.
— Você devia ter pensado nisso antes de subir naquela mesa.
Lucas saiu do carro, contornou o capô e abriu a porta do meu lado. Claro que abriu. Sempre o cavalheiro. Sempre no controle.
— Vamos. Antes que eu decida carregar você de novo.
Olhei para a escadaria de mármore que levava à porta principal. Alguém tinha deixado a luz da entrada acesa. Era um convite. Ou uma armadilha.
Respirei fundo e saí do carro, minhas pernas ainda trêmulas, o vestido enrugado, o batom borrado. Eu devia ser um desastre.
Lucas fechou a porta com um tunk e veio até mim, mas dessa vez não me tocou. Apenas ficou ali, ao meu lado, e então a lembrança da mesa no bar voltou na mesma hora. A firmeza. A facilidade com que ele me segurava. O cheiro dele.
Subi as escadas com ele ao lado. Cada passo mais leve, como se a bebida estivesse perdendo força e dando lugar a outra coisa.
Chegamos na porta do meu quarto.
— Pode ir — falei, virando de costas. — Missão cumprida. A delinquente está em segurança.
— Angel...
Virei de volta. Ele tava me olhando como se quisesse dizer algo e não conseguia. Como se estivesse cansado de mim, mas preso comigo ao mesmo tempo.
— Você tá se machucando — ele disse. Simples assim. Sem drama.
— Eu tô sobrevivendo — corrigi, quase sorrindo. — Cada um faz do jeito que dá.
Sem esperar por resposta, caminhei pelo hall , não pronta, mas disposta a enfrentar o que quer que estivesse me esperando lá dentro.
AngelO sábado chegou com o céu nublado, como se até o tempo lá fora estivesse refletindo o que eu sentia por dentro. Eu estava sentada à mesa com Leonardo, tentando fazer o almoço parecer uma refeição qualquer. Mas como poderia ser?A casa estava mais vazia do que nunca. Iolanda havia saído cedo, dizendo que tinha coisas a resolver. Do jeito dela, claro, sem detalhes, sem espaço para perguntas. Sem Iolanda, o clima deveria ser mais leve, mas a ausência dela só deixava mais espaço para o peso da conversa que pairou sobre nós desde o primeiro garfo.Leonardo empurrou o vinho no copo, os olhos perdidos no líquido rubro como se buscasse respostas ali.— Ele não me deu uma única abertura, Angel, — ele disse, a voz cansada. — Nem no escritório, nem na clínica. O Lucas que eu conheci não estava lá. Era como se ele tivesse colocado uma barreira entre nós.Meu coração apertou. Era difícil ver Leonardo assim, reduzido a um homem ferido pelo próprio filho. E pensar que eu também tenho a minha p
LucasO escritório estava silencioso, apenas o leve zumbido do computador quebrava o vazio. Eu me concentrava nos relatórios na tela, mas os números se misturavam, sem fazer sentido. Mas voltar ao trabalho depois de tudo parecia a única forma de manter minha sanidade. A rotina, o sistema, a ordem do dia, tudo isso sempre foi meu abrigo. Meu jeito de não sentir o que não podia sentir.Herdeiro.A palavra ecoava na minha cabeça, mas ainda não soava real. Eu repeti mentalmente algumas vezes, mas soava estranho. Quase indecente. Porque não bastava o sangue. Havia a história. E a história… tinha sido escrita com outras palavras até agora.Estava focado em números, prazos, margens, quando ouvi três batidas breves na porta. Nem tive tempo de responder. A maçaneta girou e ele entrou.Leonardo.Meu corpo enrijeceu automaticamente. Ele parou na entrada, os olhos escaneando o ambiente como se estivesse revendo cada detalhe do meu espaço.— Desculpe entrar assim, — ele disse, a voz mais baixa do
LucasO elevador até o andar executivo parecia subir mais devagar do que o normal. Meus dedos tamborilam contra a pasta que carregava — desnecessária, só um acessório para justificar minha presença ali. A verdade era que eu não tinha certeza do que estava fazendo ali. Só sabia que precisava de respostas.Eu não tomei a decisão de imediato. Ela cresceu em silêncio, como uma semente amarga que eu tentei sufocar… mas que brotou de qualquer forma.Depois da visita de Iolanda no hotel, passei as horas que se seguiram pensando, encarando o teto como se alguma resposta fosse cair de lá. Não caiu. Mas a raiva foi se esvaindo até virar outra coisa: clareza.Eu precisava parar de ser espectador. Deixar que a minha vida fosse controlada por outras pessoas e aquilo que elas desejavam. Eu era filho de Leonardo. Neto de Iolanda. E agora, sabiam disso.Então, se me coubesse algum poder… Eu o tomaria de volta. Com isso em mente, liguei para ela. Sem rodeios, eu fui curto e objetivo.— Quero conversar
AngelNão fomos ao restaurante bonito e caro onde o grupo Figueiredo costumava almoçar com parceiros de negócio. Fomos ao lugar pequeno, modesto, onde se comia bem e em paz. E, de certo modo, isso me caiu bem.O lugar era simples, com mesas de madeira rústica e um cheiro delicioso de temperos caseiros. Bem diferente dos lugares chiques onde normalmente costumava almoçar.Sentamos numa mesa de canto, longe do burburinho do salão. O garçom nos trouxe dois cardápios, mas Igor nem olhou o dele.— Pode falar — disse, calmo, mas contido.Eu me encolhi um pouco na cadeira. Não por vergonha, mas por saber que ele merecia uma explicação. O garçom apareceu para pegar nosso pedido, dando-me alguns segundos preciosos para organizar os pensamentos. Assim que ele saiu, respirei fundo.— A noite virou uma loucura. Literalmente. E eu mal consegui lidar com tudo.Ele desviou os olhos, apoiando os cotovelos na mesa.— Tudo bem. — Não, não está. — retruquei. — Eu devia ter avisado. Uma mensagem. Um "nã
(Quarto de Angel, 7h00)AngelO despertador tocou como sempre. Mas nada estava como antes. Fiquei deitada, olhando pro teto, com a sensação de que ele ia desabar sobre mim. Eu deveria ir trabalhar? Fingir que tudo estava normal? Que meu mundo não virou do avesso em menos de vinte e quatro horas?Depois da conversa com Iolanda, eu fui pro meu quarto. Mas eu não consegui parar de pensar em Lucas. Onde ele estava? O que estava sentindo? E pior: o que ele estava decidindo?Eu tinha ligado tantas vezes, sem resposta. Talvez ele apenas não queria ouvir minha voz. Talvez ela fosse só mais uma lembrança daquilo que ele acreditava ter perdido. E por mais que ele dissesse o contrário, eu sabia que pra ele, tudo isso era pessoal. Era como se eu tivesse roubado o lugar que sempre foi dele. Mesmo que eu não soubesse. Mesmo que eu nunca tivesse pedido por isso.A verdade é que, pela primeira vez em muito tempo, eu me sentia culpada. E não era uma culpa racional. Fechei os olhos e respirei fundo. Se
LucasEu não voltaria para a mansão. Não cogitei. Não hoje. Talvez nunca mais. Também não olhei para trás. Segui direto até um hotel no centro, o mais impessoal possível. Queria anonimato. Frieza. Queria não pertencer a nada por algumas horas.O recepcionista me reconheceu, é claro que reconheceu, eu era o braço direito dos Figueiredo. Mas minha expressão dizia: não pergunte, não fale, só me dê a chave. E ele entendeu.O hotel era luxuoso demais para o que eu sentia. Mármore, cristais, luzes suaves que deveriam transmitir conforto. Mas nada ali conseguia tocar o vazio que carregava dentro do peito. O elevador subiu em silêncio. O quarto estava impecável, como era de se esperar de um hotel daquele porte.Tirei o relógio e joguei sobre a cama juntamente com a carteira, o celular e encarei o teto, como se ele pudesse me dar respostas. Tudo me pesava. Como se cada objeto tivesse se tornado uma lembrança que eu queria apagar.Entrei no banheiro, liguei o chuveiro e deixei a água cair
Último capítulo