Acordo mais cedo que o normal. Mal dormi, na verdade. A ansiedade de ficar tanto tempo sozinha outra vez, com a viagem das meninas se aproximando, resolveu me dar insônia como presente de despedida.
Aproveito que já estou de pé e começo a preparar nosso café da manhã. Sorrio lembrando de tudo que passamos juntas e do quanto essas duas já fizeram por mim. Sério, se amizade pagasse conta, eu tava milionária. Coloco o som no último volume — minha forma carinhosa de acordá-las. Wanessa aparece primeiro, com a cara tão amassada que parece que brigou com o travesseiro e perdeu. —Que merda, Carol! Eu tô morta de sono, abaixa esse troço aí. — ela aponta pro som, e eu dou risada. Ela me retribui com um singelo dedo do meio. —Calma, gata. Fiz café da manhã pra gente. Não queria aproveitar esse banquete sozinha. — digo, cheia de doçura fingida. Beatriz aparece logo em seguida. —Carol, não olha pra mim, não chega perto e nem respira o mesmo oxigênio que eu! — diz ela, puro veneno matinal. —Calma, lindinha. Como eu estava dizendo pra nossa amiga cara-amassada aqui... — Wanessa revira os olhos. —Fiz nosso café. Não queria comer sozinha. —Vai pro inferno. Agora me passa a comida. Só melhoro com carboidrato. — diz Beatriz, e eu obedeço. —Sabe... vou até sentir falta desse mal humor tóxico de vocês quando estiverem viajando. — digo tentando disfarçar o nó na garganta. —Own! Que fofa! — elas gritam juntas, e me abraçam, uma de cada lado. —Credo, parece que vocês vão morrer e eu tô me despedindo no leito de morte. — caímos na risada, com os olhos marejados. —Tá tudo lindo, muito fofo, mas eu preciso comer. — diz Bia, quebrando o clima com sua clássica delicadeza. --- Depois do café, me arrumo pra ir pro trabalho. —Beijo, meninas. Tô indo. Amo vocês! — digo já saindo. —Também te amamos! — respondem, como sempre, em uníssono. Dá vontade de gravar. --- —Oi, Carolzinha. — Felipe surge com sua voz de quem acha que é charmoso e não percebe que dá vontade de chamar o exorcista. —O que você quer, Felipe? —Tem um hóspede que quer falar com você. Disse que é urgente. —Sério? Qual o quarto? —Quinto andar, 513. —Obrigada... — franzo o cenho. —Por que tanta gentileza? —Quis ser legal com você antes de você ser demitida. — dá de ombros, como se tivesse comentando a previsão do tempo. Ah, ótimo. Profecias de demissão matinais. —Como é? —Dizem que o hotel vai cortar funcionários. Contenção de custos e tal. Entro no elevador e encaro meu reflexo nos espelhos. Círculos pretos embaixo dos olhos, cabelo preso num coque que já desistiu da vida, pele pálida… um charme, só que ao contrário. As portas se abrem no quinto andar. Dou beliscões nas bochechas — técnica avançada de “ressuscitação facial”. Caminho até o quarto 513, dou três batidas. Ouço um “só um segundo” abafado. A porta se abre. E adivinha? É ele. O homem que não saiu da minha cabeça nos últimos dois dias. De toalha. Molhado. Literalmente recém-saído do banho. Maravilha. Era só o que faltava pra minha sanidade evaporar de vez. Limpo a garganta. —Você queria falar comigo? —Queria, sim. Entra. — ele me analisa com aquele olhar de "sei que você me acha gostoso", e aponta pra poltrona no canto. —Você é bonita. —Você já disse isso antes. Tá repetindo ou só não tem outro elogio no repertório? — reviro os olhos. —Era só isso? Já posso voltar a limpar privada? —Ainda não terminei. Senta essa bunda aí e fica calada. Que cavalheiro. Um verdadeiro príncipe da grosseria. —Senhor, peço que se dirija a mim com respeito. Esse é meu ambiente de trabalho. — respiro fundo pra não enfiar a lixeira da recepção na cara dele. —Naquele dia, eu disse que te achei bonita. Mas não concluí minha fala: eu gosto de gente bonita por perto. Você é bonita. E atraente. Quero sair com você. — ele começa a mexer na toalha. —Senhor, tô dispensando nudez gratuita. Pode continuar coberto, valeu. Ele me encara, sorri... e tira a toalha. Fica só de cueca. —Que tipo de homem você acha que eu sou? — ele põe a mão no peito com falsa indignação. —Um egocêntrico sem vergonha que acha que a cueca Calvin Klein já é convite pro paraíso. Acertei? —E então, vai sair comigo? —Depende. Me diz quando, que eu vejo se estou ocupada sendo sensata. —Hoje à noite. Esteja pronta às 20:10. Te pego às 21:30. Qual o seu endereço? —Ei! Nem sabe se eu aceito. Ele se aproxima. E confesso: o olhar dele me derrete mais que o sol do meio-dia. —Tenho certeza que você vai. (E o pior é que ele tem.) —Tem papel e caneta aí? Vou anotar. —Sabia que ia topar. — ele sorri vitorioso, como se tivesse vencido um duelo de espadas. Vai até o criado-mudo. Me distraio com... digamos, as costas e a região sul do rapaz. Minha mente, que já não presta, desenha uma cena em que eu tô montada nele como quem vai pra guerra. Suspiro. Audivelmente. —Perdeu algo, senhorita? — Christopher me puxa de volta da minha fanfic mental. Ignoro. Pego papel e caneta, anoto meu endereço e entrego. Ele segura minha mão. Em um segundo, estou deitada na cama com ele por cima de mim. —O que você tá fazendo?! — pergunto, assustada, mas quase gemo ao sentir o volume dele pressionando entre minhas pernas. —Você vai descobrir. — e então ele me beija. Sua língua procura a minha com fome. As mãos apertam minha cintura. O pau dele roça em mim e, por um instante, eu só penso em rasgar minha calcinha e deixar esse demônio me destruir. Mas, num surto de autocontrole, o empurro. Ele cai na cama e sorri, todo convencido. Me levanto sem dizer uma palavra e saio do quarto. No corredor, toco meus lábios: inchados. Aperto o botão do elevador como se minha vida dependesse disso. As portas se abrem, e adivinha quem aparece? Christopher. Sem camisa. Sorriso safado no rosto. Entro no elevador e aperto o botão do térreo. Enquanto as portas se fecham, vejo de relance seu abdômen que parece ter sido esculpido com raiva e proteína. As portas fecham. Vejo minha imagem no espelho: o rubor nas bochechas, os lábios vermelhos e inchados, o coque agora um ninho de passarinho. Solto o ar entre os dentes. Dou um tapa de leve no rosto. Volto a fingir que sou uma profissional séria e equilibrada. Não vejo Christopher pelo resto do dia. Mas a tensão? Ah, essa ficou.