No dia seguinte, fui chamada pela gerente do hotel. Adivinha? Aquele carinha era mesmo um hóspede.
Recebi uma das piores advertências desde que comecei a trabalhar aqui — e olha que a concorrência nessa categoria é acirrada. —Me desculpe, senhora Lívia. Isso não vai acontecer novamente. —É bom mesmo. Da próxima vez, não haverá advertência, Carol. — ela suspira. —Você será desligada do hotel. Agora pode ir. Saí da sala em silêncio, plena e digna… ou pelo menos tentando. —Ora, ora, o que temos aqui... A voz veio alguns decibéis mais baixa que um trovão, mas eu reconheci na hora. —Desculpe, não me lembro do senhor. — minto descaradamente. Tô exausta demais pra tretar antes das oito da manhã. —Ah, com certeza se lembra. Esbarrou em mim ontem... — ele bufa. —E ainda decidiu que eu precisava de um banho. —Ah, é você. Que honra. O que quer agora? — reviro os olhos com a energia de quem já tá no limite da paciência. —Nada demais. Só queria saber se você não vai me pedir desculpas. —Não. — sorrio, com todo o veneno disponível na minha alma. —Você me molhou do nada e ainda acha que tá certa? —Molhei sim, e não foi “do nada”. Vamos com calma na narrativa, Shakespeare. Eu até pedi desculpas ontem, mas você preferiu fazer um escândalo no saguão como se fosse a rainha da Inglaterra sendo empurrada na fila. Cruzo os braços. —Agora, se não for pedir demais, será que dá pra sair da minha frente? Ele me analisa por um instante. Aquele olhar de quem tá prestes a dizer besteira. —Ok... talvez eu tenha me assustado e por isso reagi daquela forma. — ele franze o cenho. —Você é bonita. Não tinha reparado isso ontem. Talvez estivesse ofuscado pelo seu véu de má educação. —Ai, que romântico. Tem certeza que não é poeta nas horas vagas? — falo, me espremendo pra passar por ele sem encostar. Minha paciência é menor que meu salário. —Ainda não terminamos. A gente se vê por aí. — ouço ele dizer enquanto sigo para o salão. Ótimo. Agora tenho um stalker bonito e com ego inflado. E o pior? Não consegui parar de pensar nele depois disso. Fiquei repassando aquele papo irritante na minha cabeça mil vezes. E a conclusão? Ele é um babaca. Mas um babaca lindo. Alto, braços definidos, olhos castanhos que quase convencem, cabelo preto e bagunçado do jeito que só cara bonito consegue usar sem parecer mendigo. Balanço a cabeça, tentando apagar a imagem dele. Já tenho problemas suficientes, obrigada. O dia de trabalho foi digno de filme de terror categoria C. Felipe, o supervisor do inferno, não dava trégua. Fazia comentários ácidos, sempre com aquele ar de “sei um segredinho”. Provavelmente acha que é o protagonista de um thriller corporativo. —Carol? — a voz da Bia me chama assim que abro a porta de casa. —Oi, olá. — dou um beijo no topo da cabeça dela, já me jogando no sofá mentalmente. —Então, como você já sabe, vamos viajar. — diz ela animada. —Já escolhemos o lugar: Amsterdam e depois o Caribe! Elas estavam planejando isso há meses. Uma pena que eu vou perder essa. —Você realmente não consegue ir? Eu e a Wanessa podemos dividir a sua parte. Sem crise. E vai que você encontra seu príncipe encantado por lá... —Bia, eu queria muito. De verdade. Mas não dá. — suspiro. —Tem o pós-viagem, sabe? Se eu sumo, perco o emprego. E o Felipe tá só esperando uma brecha. —Sério isso? —Sério. Ele quer cobrar pelo que eu nunca dei a ele. — ergo uma sobrancelha. —E agora ainda tem o babado com o cara da água. Aliás, vi ele hoje. —O quê?! E aí? —Ele queria que eu pedisse desculpas. De novo. — dou de ombros. —E você? —Claro que não pedi! — falo, como se fosse óbvio. —Credo, rancorosa que só. — ela ri. —Ah, para! E se o cara quiser ser meu príncipe encantado, no mínimo tem que estar com a roupa lavada e sem o ego sujo. — sorrio maliciosa, indo em direção ao quarto.