—Espero que termine isso antes do fim do seu expediente. Caso contrário, vai ficar aqui, e eu vou garantir que você não receba hora extra. — diz o babaca do meu supervisor.
—Sim, senhor. —Muito bem. Assim que eu gosto: bem domesticada. — ele sorri com aquele ar debochado. É encantador conviver com alguém que foi rejeitado e nunca superou isso. Simplesmente adorável! Prazer, meu nome é Carol, tenho vinte e quatro anos e divido um apartamento com duas amigas. Trabalho em um hotel limpando privadas, enquanto podia estar por aí curtindo a vida. Mas calma, eu juro que não tô reclamando... só queria aproveitar um pouco da minha juventude, já que não aproveitei nem a infância, muito menos a adolescência. Não foi por castigo dos meus pais ou algo assim — na real, eu nem conheci meus pais. Fui deixada num orfanato com poucos meses de vida e só saí de lá há uns quatro anos. Acho uma crueldade abandonar uma criança desse jeito. Eles podiam ter evitado tudo desde o começo... ou simplesmente se cuidado, né? Se algum dia eu encontrasse os dois por aí, talvez fizesse o mesmo que fizeram comigo: viraria as costas. —Felipe? Terminei aqui. Posso ir? — pergunto, já tirando as luvas sujas da louça. —Claro. Você podia sair daqui e ir direto pra minha casa. O que acha? — ele sorri como se fosse sedutor. —Vai se foder, seu babaca! — respondo no automático. Ele agarra meu braço. O susto me faz recuar. Me vejo encurralada, entre ele e a parede. —Olha só, Carol... toma cuidado com o que fala, ou as coisas vão ficar bem ruins pra você. — ele se aproxima, tão perto que eu já sei qual pasta de dente ele usa. O empurro com força. Ele cai de bunda no chão, resmungando qualquer coisa que não faço questão de ouvir. Pego minhas coisas e saio rápido, o coração acelerado. Depois de trocar de roupa no vestiário, sigo distraída até a entrada/saída do hotel. E adivinha? Lá vem o Felipe de novo, com cara de quem quer matar alguém. Acelero o passo, querendo evitar mais uma cena, mas acabo esbarrando em alguém no saguão. —Caralho! Tá cega, mulher?! — berra o homem na minha frente. —Desculpa, senhor. Eu não te vi... — tento me justificar, meio sem graça. —Desculpa uma ova! — ele está nitidamente irritado. É aí que percebo: ele segura um copo de água. Sem pensar duas vezes, pego o copo da mão dele e despejo o conteúdo na cabeça do infeliz. —Você precisa esfriar essa cabeça, amorzinho. — digo com um sorrisinho debochado e jogo um beijinho no ar. Vejo a expressão dele mudar — uma mistura de raiva e choque. Fica ali parado, com uma carranca, e eu não espero pra ver o resto da reação. Me apresso e vou embora antes que comece a gritar de novo. --- Chegando em casa, encontro as meninas brigando por uma panela de brigadeiro. Aquilo me relaxa. —Oi, meninas! — sorrio, jogando minha bolsa no sofá. —Oi, Carol! — Bia é a primeira a responder. — Como foi o seu dia? —A mesma coisa de sempre. A diferença é que o babaca do Felipe tá se achando mais do que nunca. — suspiro. Isso me preocupa, mas não quero entrar nesse assunto agora. —Ah, e também esbarrei num cara mal-humorado... mas dei um jeitinho de esfriar a cabeça dele. —O que você fez? — Wanessa se aproxima, curiosa. —Nada demais. Só usei um copo de água gelada. — faço cara de paisagem. As duas caem na gargalhada. Acabo rindo junto, até que, de repente, Bia fica séria. —Carol? —Quê? —Você sabe se esse cara era hóspede do hotel? Me dá um frio na barriga. Eu não tinha pensado nisso. Um arrepio corre pela minha espinha. Um misto de medo e arrependimento me atinge em cheio. Se ele for mesmo um hóspede... e souber que eu trabalho lá... Ferrou. Eu tô muito fodida.