CAPÍTULO 5

Lisanne despertou com os primeiros raios da manhã atravessando as frestas da janela. Pela primeira vez em noites, havia conseguido dormir por mais de algumas horas sem sobressaltos. Ainda assim, sentia-se exausta — era o quarto dia desde a tragédia na catedral, mas parecia que meses haviam se arrastado sobre seus ombros.

Permanecer deitada era tentador. A cama, agora levemente aquecida por seu corpo, parecia o único abrigo possível naquele mundo que desmoronava lenta e silenciosamente. Mas não podia se permitir definhar. Precisava reagir.

Ergueu-se com esforço e caminhou até a janela. A rua, lá embaixo, estava silenciosa, ainda mergulhada em neblina. Seis da manhã. Um resquício de paz pairava sobre o asfalto molhado. Após um banho rápido e a rotina de higiene, escolheu uma blusa de gola alta que escondesse o curativo em seu pescoço. Preparou um café fraco, ajeitou a bolsa e, antes de sair, encheu o pote de ração e água para o pequeno gato que havia resgatado. Acariciou sua cabeça com carinho e, com um último olhar para o apartamento, trancou a porta.

Caminhava com a cabeça baixa, o pensamento vagando entre memórias confusas e sensações que ainda não compreendia. As ruas estavam vazias, como se a cidade ainda estivesse em luto. E então, sem perceber, esbarrou em alguém que vinha em sentido contrário.

Assustou-se, o corpo enrijecido pelo susto. — Me desculpe! — murmurou imediatamente.

O homem à sua frente a encarou por alguns segundos. Os olhos eram escuros, intensos, e sua pele tinha um tom pálido que contrastava com as roupas pretas que usava.

— Não foi nada — respondeu com um sorriso leve. — Também estava distraído.

Nunca o tinha visto por ali. Havia algo em seu olhar, uma calma estranha, um interesse silencioso que causava um leve arrepio.

— Sou novo por aqui — continuou ele, puxando conversa com naturalidade. — Cheguei há pouco de outra cidade… estou estranhando o silêncio. Está sempre assim?

Lisanne o observou melhor. A aparência incomum chamava atenção, mas ela própria sabia que não estava em seu melhor estado.

— Ainda está muito cedo… logo as lojas começam a abrir — respondeu, tentando manter a voz firme. — Estou indo trabalhar.

Ele assentiu, os olhos não se desviando do rosto dela.

— Tem algum lugar por aqui para alugar? Algo nessa rua? Gostei do lugar… parece central.

— Não sei ao certo, mas… o prédio da frente costuma ter apartamentos disponíveis. Talvez mais tarde você consiga informações com o dono ou zelador.

— Obrigado. E desculpe pelas perguntas — disse, dando um passo para trás. — Nem te conheço e já estou aqui te parando.

— Tudo bem — respondeu Lisanne, sentindo algo estranho naquele encontro, mas sem conseguir nomear.

— Qual seu nome?

— Lisanne.

— Lian — disse ele, estendendo a mão. O toque foi gelado, mas firme. Ela sorriu por educação e seguiu caminho.

O que não percebeu foi que, ao se afastar, Lian permaneceu parado no mesmo lugar, observando-a se distanciar. Seus olhos escuros pareciam absorver cada detalhe dela, como se seus sentidos pulsassem de forma involuntária. A íris vermelha, que geralmente entregaria sua origem a qualquer desavisado, estava oculta. Apenas o negro intenso preenchia os olhos, como se fossem dois poços de escuridão silenciosa.

Seu coração — geralmente silencioso, letárgico — bateu uma segunda vez em menos de cinco minutos. Uma dor sutil veio em seguida, uma fisgada súbita nos ossos do peito, como se o próprio corpo o alertasse: isso não é comum. Não deveria estar acontecendo.

Mas havia algo nela. Algo que escapava à compreensão. Um resíduo antigo. Um eco de algo que, talvez, já não existisse no mundo há muito tempo. E se ainda fosse possível existir, estava muito bem oculto.

O cheiro dela ainda pairava no ar. Suave. Natural. Tão limpo que quase parecia irreal. Ele olhou para o alto, identificando a janela do apartamento com facilidade. Um simples salto e estaria lá. Seus músculos estavam prontos. Bastava um movimento e ele alcançaria o terceiro andar com a leveza de um felino.

— Nem pense nisso.

Jaden surgiu da névoa, o olhar afiado cravado nele.

— Hérus mandou vigiar e proteger essa moça. Se quer respostas, vá falar com ele.

Lian manteve-se imóvel por um instante, depois virou-se sem dizer nada e caminhou em direção à neblina densa, seguindo por uma estrada que levava à colina. Lá no alto, quase escondida por entre árvores e sombras, erguia-se a antiga mansão.

Ao chegar, encontrou apenas Nick na sala principal, que parou sua pintura e o observou com um leve sorriso no rosto. Mas ao notar a feição fechada de Lian, o pouco de alegria que sentira ao ver o irmão se foi.

— Onde está o Hérus?

Nick apenas apontou com o queixo para a porta do escritório. Lian seguiu até lá, empurrando a madeira pesada sem hesitar.

Hérus estava de pé, junto à janela, como se já o aguardasse.

— Hérus.

— Lian, está satisfeito com o que fez?

— Não vim falar sobre isso. Por que colocou proteção perto daquela mulher?

— Hum. Primeiramente, o que foi que viu nela, Lian? — sua voz era calma, mas firme. — Você nunca deixa ninguém escapar. Por que ela?

Lian permaneceu calado por um segundo, então avançou dois passos.

— O sangue dela. Quando o provei… algo percorreu meu corpo. Como se… como se uma energia pura corresse em cada célula. Foi êxtase. Puro êxtase.

Hérus virou-se, atento.

— E você nunca sentiu isso antes?

Lian balançou a cabeça.

— Nunca. Com ninguém. Foi diferente de tudo. E eu quero mais. Preciso de mais.

Hérus cruzou os braços, a mente em movimento.

— Então por que veio me contar isso? Não é o tipo de coisa que você costuma dividir.

Lian hesitou. O orgulho mordeu sua língua, mas a necessidade falou mais alto.

— Eu quero entender. Se você sabe de algo… eu preciso saber também.

Hérus deu um passo à frente.

— Não vá embora, fique aqui. Vamos descobrir isso juntos.

Lian estreitou os olhos, desconfiado, mas ficou.

— O que exatamente você sentiu? Além da energia?

— Era como se… meu corpo, por um instante, se lembrasse do que era estar vivo. Mas vai além disso também, me senti mais forte, mais ágil. Como se a fome arrefecesse, se acalmasse junto da raiva, mas quando eu penso, volta como um vício. Dura muito pouco.

O silêncio pairou entre os irmãos, denso.

— E por que está protegendo ela, Hérus? Está interessado também? Sua esposa já não basta para você? — Lian se exaltou, o tom quase feroz. — Fui eu que a encontrei primeiro. Não vou deixar você tirar isso de mim.

Hérus ergueu as sobrancelhas.

— Interessado? Não. Só quero entender o que está acontecendo. E não quero que você a mate. Já chega de matança, Lian. Você não se escuta? Fala como se ela fosse sua, e ela não é.

— Qual o problema nisso? E eu não quero matá-la. Mas também não vou deixá-la ir. Quero… manter ela viva. Beber dela. Até entender o que há nesse sangue.

Hérus franziu o cenho.

— Vai aprisioná-la? Como nos tempos antigos? Como fazia com quem não cedia às suas vontades?

— Se for necessário, sim. Só que eu só quero ela, não quero mais ninguém. Os outros… são insossos. Fracos. Ela tem algo que me arrasta.

— Ela tem uma vida. Não é um animal, Lian. E não tem culpa da sua desgraça.

Lian riu, sarcástico.

— Então farei diferente. Vou me aproximar dela. Conquistar sua confiança. Convencê-la a fazer um pacto comigo. Como você fez com as pessoas dessa cidade.

Hérus estreitou os olhos. Algo estava se desenhando diante dele, algo que jamais acreditara ser possível. A intensidade nos olhos do irmão... o modo como falava do sangue da mulher... aquilo não era simples obsessão. Não era apenas sede obsessiva.

Era algo mais.

Um pensamento ousado começou a se formar dentro de Hérus, mas ele o guardou para si. Se estivesse certo, talvez... só talvez... Lisanne fosse uma anomalia rara. Um ponto chave que poderia mudar o rumo dos caminhos de seu irmão.

Mesmo que todas as possibilidades jogassem contra. Mesmo que parecesse improvável demais.

Talvez algum deus antigo — adormecido, esquecido, enfraquecido pela passagem das eras — tivesse finalmente escutado sua prece.

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