Durante séculos, os shifters viveram à beira da extinção. Apenas lobos machos restaram após o massacre humano que levou suas mulheres e crianças. Isolados, eles aguardavam o inevitável fim… até que, numa noite marcada pela lua cheia, uma voz feminina ecoa nos sonhos de um dos guerreiros, despertando um fio de esperança esquecido. Cassie sempre acreditou ser apenas uma humana comum. Entre turnos como garçonete e longas horas de estudo, ela lutava por uma vida melhor. Mas tudo muda quando homens misteriosos a cercam e revelam uma verdade impossível: ela é a escolhida da lua, destinada a salvar uma espécie inteira. Agora, dividida entre o medo do desconhecido e a força de um vínculo que a chama para além da razão, Cassie precisará decidir se aceita seu papel como a Última Luna, a única capaz de reacender o futuro dos lobos… ou se fugirá, mesmo sabendo que negar o chamado pode significar o fim de todos.
Leer másO bar estava quase vazio naquela noite. As luzes amareladas pendiam cansadas do teto, iluminando mais poeira do que pessoas. Cassie deslizava o pano úmido sobre uma das mesas como se a superfície de madeira fosse um palco só dela. A cada passo, seus quadris se moviam no ritmo da música que apenas ela ouvia. Cantarolava baixinho, deixando a melodia escapar entre os lábios como um segredo.
Era sempre assim quando a clientela ia embora e restavam apenas mesas sujas, cadeiras arrastadas e o cheiro persistente de cerveja velha impregnado no ar. Naquele silêncio gasto, ela se permitia sonhar. Fechou os olhos por um instante, girou em torno de si mesma, o pano acompanhando seu gesto como um adereço improvisado. Em sua mente, não havia mais mesas manchadas de gordura nem chão grudando de bebida derramada. Havia refletores, uma orquestra invisível e uma plateia vibrando. Um pigarreio curto e debochado interrompeu a fantasia. Cassie abriu os olhos e encontrou Cindy parada na porta do balcão, braços cruzados, um sorriso enviesado no rosto. — O que está fazendo, Cassie? — perguntou, inclinando a cabeça. — Seu turno acabou faz uma hora. Cassie parou, sem jeito, ajeitando o pano na mão. — Estou esperando o Joe. Preciso saber se ele vai me pagar essa semana. O aluguel já passou do prazo. Cindy suspirou, apoiando-se no balcão. Ainda usava o avental amarrotado, cabelo preso num coque apressado que não resistia à gravidade. — Nem me fale — disse, cansada. — Preciso comprar tênis novos para o Carl. O menino já furou o dedão no par antigo. O tom era de exaustão, mas também de ternura. Cassie sabia o quanto Cindy lutava para criar o filho sozinha. Admirava aquela força, mas também temia se ver presa na mesma roda viva, contando moedas para sobreviver. Como se tivesse ouvido seu nome ser amaldiçoado, Joe surgiu do escritório, a expressão carrancuda cravada no rosto. As chaves tilintavam na mão, denunciando sua pressa de ir embora. Cassie respirou fundo, reuniu coragem e deu um passo à frente. — Joe! — chamou, a voz firme, mas suave. — Eu queria saber que dia vai nos pagar a quinzena. Estou com algumas contas atrasadas e preciso quitar minhas aulas. Ele parou apenas o suficiente para lançar-lhe um olhar impaciente. — Você mora no fim do mundo, Cassandra. — A voz saiu grossa, envenenada. — Não vai ser uma aulinha de teatro que vai mudar isso. As palavras atingiram Cassie como um soco no estômago. Por um instante, seus olhos queimaram. Não era só sobre o dinheiro. Era sobre seu sonho, sobre a forma como ele era constantemente ridicularizado. Ela ergueu o queixo. — Eu quero as contas. Hoje foi meu último dia. Joe bufou, já caminhando em direção à porta. — Não, não foi. — Nem sequer olhou para trás. — Você precisa pagar seu aluguel, Cassandra. Eu pago vocês na próxima semana. E bateu a porta ao sair, deixando o eco de sua arrogância preso no ar. Cassie ficou parada, o pano escorrendo pelas mãos. Sentiu a raiva subir como fogo. Aquilo era o limite. Não ia mais se deixar enganar. Virou-se para o caixa, onde Cindy observava sem saber se intervia ou não. A chama de decisão nos olhos de Cassie a surpreendeu. Ela abriu a gaveta com firmeza, tirando notas amassadas até formar o valor exato. — Vamos ver… — murmurou com sarcasmo, contando uma a uma. Joe poderia chamá-la de sonhadora, mas ladrão ela não deixaria. Cassie separou algumas notas e estendeu para Cindy. — Para os tênis do Carl. Cindy arregalou os olhos. — Cassie, você enlouqueceu? Mas havia um sorriso escondido em sua incredulidade. Cassie sorriu de volta, aquele tipo de sorriso que carrega mais coragem do que segurança. Tirou o avental e o jogou sobre o balcão como quem abandona uma corrente. Foi até os fundos, pegou a bolsa gasta e a jaqueta de couro que herdara da mãe. Quando voltou, seus olhos brilhavam de uma forma diferente, como se finalmente tivesse entendido o próprio destino. — O que está fazendo, Cassie? — Cindy perguntou de novo, quase em um sussurro. Cassie parou no meio do salão, olhou em volta para cada detalhe — as mesas bambas, as garrafas vazias, o cheiro de cigarro impregnado. Era a última vez que veria aquele cenário como parte de sua vida. Endireitou a postura, e a resposta veio como música: — Vivendo. A palavra ecoou pelo bar vazio, soando maior do que parecia. Ela deu as costas sem hesitar. Empurrou a porta e sentiu o vento frio da noite do Arizona bater contra o rosto. O céu estava pontilhado de estrelas, tão vasto que parecia abrir caminho. Do outro lado da rua, a placa de néon piscava, oscilando entre “Joe’s” e escuridão. Era um lembrete de tudo o que ela estava deixando para trás — e de tudo o que ainda podia conquistar. Cassie respirou fundo. Por dentro, sentia uma mistura de medo e euforia, como se estivesse prestes a saltar de um penhasco sem saber se haveria chão. Mas havia também uma certeza: ela não poderia continuar vivendo aprisionada. Los Angeles a chamava. Era agora ou nunca. Cassie caminhou pela calçada estreita com passos firmes, mas por dentro o coração batia em descompasso. O frio da noite a fez encolher os ombros dentro da jaqueta, e a bolsa pendurada no braço parecia mais pesada do que de costume. Não era pelo peso real — carregava apenas carteira, chave e um caderno cheio de letras de músicas e anotações de aulas —, mas pelo que significava. Era tudo o que tinha. Enquanto atravessava a rua quase deserta, lembrou-se da mãe. A voz dela ainda ecoava em sua memória como uma canção antiga: “Nunca desista do que faz sua alma dançar, Cassie”. A mãe fora garçonete como ela, mas guardava no peito o mesmo amor por música. Partira cedo demais, deixando a filha órfã ainda adolescente, com apenas aquele sonho como herança. Desde então, Cassie contava moedas. Um turno extra aqui, uma gorjeta ali, tudo para pagar as aulas de teatro e dança na escola comunitária da cidade vizinha. Eram passos pequenos, mas que mantinham acesa a esperança de que um dia poderia se tornar algo maior do que “a garçonete do Joe’s”. Ela se lembrava da sensação de pisar no palco improvisado daquela escola: a luz simples, o cheiro de madeira e poeira, mas também o arrepio na pele quando os primeiros acordes soavam. Ali, por breves minutos, Cassie deixava de ser uma órfã perdida no interior do Arizona. Transformava-se em uma artista. E agora, no silêncio da rua, ela sabia que precisava buscar um palco de verdade. Los Angeles era distante, quase inalcançável, mas Cassie não podia mais aceitar viver à margem do próprio sonho. Com os olhos marejados, ergueu o rosto para o céu estrelado e sussurrou como promessa: — Eu vou cantar. Eu vou dançar. E vou ser lembrada. O vento soprou forte naquela hora, frio e repentino, como se a noite tivesse ouvido sua jura. Cassie abraçou a si mesma, sem saber que, muito além das fronteiras do Arizona, existiam ouvidos atentos — e que seu desejo acabara de despertar algo antigo, selvagem e faminto, em uma floresta distante.O som da porta se abrindo quebrou o silêncio preguiçoso da cozinha.Cassie, ainda com o rosto corado e os cabelos um pouco desalinhados, virou-se rápido, quase derrubando a concha que segurava.Uriel estava atrás dela, mexendo uma panela, apenas o avental amarrado sobre o peito nu e calças de algodão. O aroma do tempero fresco misturava-se a algo mais denso no ar — um calor que não vinha apenas do fogão.Hendrick parou no batente, observando.Demorou alguns segundos antes de falar — o suficiente para entender sem precisar de explicações.A tensão era quase palpável, uma vibração silenciosa entre Cassie e Uriel que o olfato aguçado dele captou no mesmo instante. O cheiro dela ainda estava no ar.Ele soltou uma risada baixa, um som rouco e breve, balançando a cabeça.— Espero que o almoço esteja tão bom quanto o cheiro — disse, com ironia tranquila.Cassie piscou, nervosa, tentando parecer natural.— Está quase pronto — respondeu. — Uriel se superou hoje.— Ah, imagino. — Hendrick sorri
A casa estava silenciosa, mas o ar parecia mais denso do que o normal. Cassie deixou o casaco sobre a cadeira e respirou fundo, tentando disfarçar o turbilhão que Kallias havia despertado dentro dela. Uriel, que estava encostado na bancada, apenas a observava — o olhar calmo, quase analítico, mas atento demais para ser distraído. Ele segurava uma faca e cortava as ervas com precisão, sem romper o silêncio. Cassie se ocupou com as frutas, fingindo naturalidade. Mas sabia que o lobo dele podia sentir cada centelha de tensão que ela tentava esconder. — O piquenique foi bom? — ele perguntou, a voz grave, rouca como se tivesse acabado de acordar. — Foi, sim. — Cassie sorriu, aliviada por ele mudar de assunto. — Tyler e Taylor estavam impossíveis. Riram o tempo todo, me encheram de piadas... e de beijos. — Ela riu sozinha, balançando a cabeça. — Pareciam dois garotos disputando quem me fazia corar primeiro. Uriel soltou um som que era meio riso, meio suspiro. — Jovens com energia demai
O primeiro sol do ano nasceu com timidez.Não trazia o calor do verão, mas uma claridade suave, dourada, que parecia acariciar as folhas ainda úmidas da chuva da noite anterior. A vila, pela primeira vez em muitos dias, não acordou sob o peso do frio. Cassie abriu a janela e deixou o ar entrar — leve, fresco e cheirando a terra viva.O sol aparecia tímido entre as nuvens, como se quisesse espiar o novo ciclo que começava. Depois de semanas, aquele brilho suave parecia um presente da Dama da Lua — um pequeno milagre de calor e luz.Cassie aproveitou. Decidiu que aquele dia merecia ser celebrado.Na cozinha, cortou pedaços de torta de frutas, arrumou pães ainda mornos e algumas maçãs numa cesta de vime.Enrolou uma manta, e adicionou um punhado de morangos frescos que Nick havia guardado do estoque, ela chamou os gêmeos para um piquenique próximo à cachoeira.Tyler e Taylor não pensaram duas vezes; qualquer desculpa para escapar das tarefas da patrulha matinal era boa o suficiente — esp
A chuva fina descia constante, quase preguiçosa, desenhando caminhos pelas janelas da casa de Hendrick. O som era suave, ritmado — um lembrete gentil de que o ano estava chegando ao fim.Cassie terminou de ajeitar o cobertor dobrado sobre o sofá e deu um passo atrás para observar o resultado. A sala estava completamente transformada: almofadas espalhadas pelo tapete, mantas dobradas nos cantos, travesseiros, cestos com pipoca e canecas fumegantes de chocolate quente.— Está parecendo um acampamento humano — brincou Amos, segurando o projetor nas mãos. O brilho discreto do aparelho refletia na parede enquanto ele o ajustava sobre a mesa de centro.Cassie riu. — Esse é o objetivo. — Puxou uma almofada para o chão. — A ideia é que seja aconchegante, nada de formalidades hoje.— Formalidades nunca foram o problema. — Ele a olhou com aquele humor discreto, os cantos dos lábios curvando-se. — A parte difícil foi encontrar uma tomada compátivel e baixar arquivos tão pesados.Cassie gargalhou
O som da porta se abrindo fez Cassie erguer o rosto.Hendrick entrou, o casaco ainda úmido pela neve fina que começava a cair lá fora. Ele parou ao ver Matt sentado à mesa com ela — o olhar do médico parecia mais grave do que de costume.Matt foi direto, mas a voz veio calma, ponderada:— Fizemos o teste e já estou com o resultado, Hendrick.O alfa franziu o cenho, os olhos passando de um para o outro. — E então?Matt respirou fundo, desviando o olhar para Cassie antes de responder:— O teste deu negativo. Ela não está grávida.O silêncio que se seguiu pareceu comprimir o ar da sala. Cassie baixou os olhos, sentindo o nó subir à garganta.Por um instante, ela não soube o que sentir. Alívio, talvez. Tristeza, também. Como se algo que ela nem sabia que queria tivesse sido arrancado antes mesmo de existir.— Cassie — Matt começou, em tom gentil — não significa que não possa acontecer. Pode ter sido cedo demais.Ela apenas assentiu, sem conseguir falar.Hendrick se aproximou, parando atrá
A manhã nasceu fria, o céu prateado sobre o vale, e Cassie já estava acordada antes do sol tocar os telhados cobertos de geada. Hendrick havia saído cedo, e a casa parecia mais silenciosa do que o habitual. A tensão dos últimos dias ainda pairava no ar, mas ela tentava se concentrar no agora.Bateu à porta do consultório de Matt poucos minutos depois das oito. O som metálico de instrumentos e o cheiro de álcool e ervas a receberam quando ele abriu a porta com seu sorriso tranquilo.— Cassie — ele a cumprimentou, abrindo espaço. — Que bom que veio cedo.Ela entrou, observando o ambiente ordenado: prateleiras de vidro, frascos rotulados em letras pequenas, uma escrivaninha com papéis meticulosamente empilhados. O consultório ficava no térreo da casa de Matt, e era o único lugar onde a modernidade humana parecia ter tocado aquele vilarejo de lobos — microscopias antigas, tubos, ampolas e um estetoscópio pendurado na parede.— Você está nervosa — Matt comentou, sem olhá-la, a voz calma co
Último capítulo