Capítulo 4

Enya

Eu não dormi quase nada na noite anterior. A cabeça não parava de latejar, o medo me consumia e a voz da Bruna ecoava na minha cabeça, como um eco teimoso:

— Você tem que contar pra Nádia.

Eu sabia que tinha. Mesmo que doesse. Mesmo que me esmagasse por dentro.

Peguei o celular e disquei o número dela com as mãos tremendo. Ela atendeu no terceiro toque, a voz cansada como sempre.

— Alô?

— Nádia… sou eu.

— O que foi? — o tom dela ficou tenso de repente.

— A gente precisa conversar. Pessoalmente. — respirei fundo, tentando não desabar. — Hoje.

Houve um silêncio pesado do outro lado. Depois ela soltou um suspiro.

— Tá… me diz onde.

— Tem um barzinho aqui perto de casa. A Bruna disse que é tranquilo — eu falei, tentando soar calma. — Eu te mando a localização.

— Tá bom — ela disse, a voz já meio irritada. — Mas seja rápida.

Desliguei o telefone e fiquei parada olhando pra parede. A respiração saía curta, o estômago embrulhado. Eu nem sabia por onde começar.

O bar era pequeno, meio escuro, cheio de pôsteres de bandas velhas e cheiro de cerveja no ar. Eu cheguei cedo, sentei numa mesa num canto e fiquei esperando. O coração batia tão rápido que parecia querer sair do peito.

Quando a Nádia chegou, eu quase não a reconheci. O cabelo preso num coque mal feito, olheiras fundas, a blusa amassada. Ela se sentou de frente pra mim e cruzou os braços.

— Fala logo, Enya. O que você quer?

Eu respirei fundo e olhei nos olhos dela.

— Eu… eu tô grávida.

Ela arregalou os olhos. Um segundo de silêncio. Depois explodiu:

— O quê? Você enlouqueceu? Como é que você faz uma coisa dessas?

Eu me encolhi na cadeira, sentindo as palavras dela me cortarem por dentro.

— Eu… eu não planejei isso, Nádia. Foi um erro. Eu sei. Mas eu não sei o que fazer.

Ela suspirou fundo, os olhos cheios de pânico.

— E de quem é? — perguntou, a voz falhando.

— Eu não sei. Foi só uma vez. Eu nem sei o nome dele — eu disse, baixinho.

Ela passou a mão no rosto e balançou a cabeça, nervosa.

— Você é igualzinha à nossa mãe. Irresponsável, inconsequente. O meu marido sempre disse que você ia acabar assim… — a voz dela saiu fria.

Eu senti meu peito apertar, a respiração ficando curta.

— Nádia, por favor, não diz isso.

Ela me encarou, o olhar duro.

— Eu vou tentar conseguir dinheiro pra você tirar isso — disse, a voz baixa mas cheia de veneno.

Foi como levar um soco. Eu abri a boca, mas não consegui falar nada.

— É melhor pra todo mundo, Enya. Você não tá pronta pra isso — ela continuou, com aquele tom de quem quer decidir por mim.

Antes que eu conseguisse reagir, Bruna surgiu ao nosso lado. Ela tinha vindo me buscar, mas parou ao ouvir a última frase.

— Você tá louca? — ela disse, a voz firme. — Isso não é um pedaço de unha encravada, é uma vida, Nádia.

Nádia a olhou com desprezo, mas Bruna não se intimidou.

— Eu sei que vocês têm uma história fodida, mas não vai jogar essa merda toda em cima dela.

Eu comecei a tremer. O mundo girava, o cheiro de cerveja e fritura me sufocava. Eu levei a mão à testa, sentindo tudo escurecer.

— Enya? — Bruna perguntou, preocupada. — Enya, respira.

Mas o mundo já tinha ficado turvo. Eu senti o chão sumir debaixo dos meus pés e a escuridão me engolir.

Érico

Eu tava no balcão, com o copo de cerveja na mão e a cabeça em outro lugar. Só queria um pouco de silêncio depois da aula — não pra pensar em nada, mas pra não sentir nada.

A conversa atrás de mim começou baixa, mas ficou impossível de ignorar. Eu ouvi cada palavra, como se o bar inteiro tivesse parado pra ouvir também.

— Eu tô grávida.

— Vou conseguir dinheiro pra você tirar isso.

As palavras ficaram ecoando, e eu virei devagar, curioso — ou talvez só querendo ver o rosto de quem falava aquilo.

Foi quando eu vi ela.

A garota que eu não conhecia. Mas no segundo em que encostei nela, o cheiro que veio no ar me parou no tempo.

Doce e quente, acertou minha cabeça como uma lâmina.

Não fazia ideia de onde conhecia aquele perfume, mas me acertou como uma memória viva.

Ela começou a desmaiar, e sem pensar, larguei o copo e fui até lá. Segurei o braço dela antes que caísse de cara no chão.

— Ei… calma. Respira — minha voz saiu mais firme do que eu esperava.

Ela levantou os olhos pra mim, confusa e pálida.

Eu só fiquei ali, firme, segurando o braço dela.

Não fazia ideia de quem era ou do que estava acontecendo, mas não ia soltar.

— Quer que eu te leve pra casa? — perguntei, a mão ainda no braço dela, sem invadir.

Ela não respondeu de imediato, só ficou me olhando como se o mundo tivesse parado.

E naquele momento, tudo o que eu podia fazer era ficar ali, sem largar.

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