Enya
Eu ainda estava sentada no chão do banheiro, segurando aquele maldito teste como se fosse uma sentença de morte. A segunda linha me encarava, firme e clara, e não deixava dúvida: minha vida nunca mais seria a mesma.
Bruna estava ali, parada na porta, me olhando de cima com a testa franzida. Ela tragou o cigarro e soltou a fumaça devagar, como se quisesse empurrar o silêncio pra longe.
— E agora? — ela perguntou, a voz rouca, firme, como se não houvesse espaço pra enrolação.
Eu respirei fundo, tentando segurar o choro que já ameaçava transbordar.
— Agora… eu não sei — respondi, a voz falhando no final.
Bruna deu um riso seco, mas o olhar dela não era de deboche. Era de quem sabia que eu não podia fugir disso.
— Tá. Então a gente vai fazer o quê? Sair pelo campus gritando “Ei, alguém lembra de ter comido minha amiga na festa dos calouros há duas semanas?” — ela disse, e o jeito que falou me fez soltar um risinho nervoso.
— Não brinca com isso — pedi, apertando os dedos em volta do teste, como se aquilo fosse me proteger de tudo.
— Eu não tô brincando, Enya. Eu tô tentando entender como a gente vai lidar com isso — ela respondeu, a expressão mais séria agora. — Porque, de verdade, você não sabe quem é o pai. Não sabe nem o nome.
Eu engoli em seco, sentindo o enjoo voltando.
— Foi só aquela noite, Bru… Eu não pensei. Eu só queria esquecer tudo.
— E agora vai ter que lembrar. — Bruna suspirou e apagou o cigarro no vaso, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Ela se agachou na minha frente, ficando cara a cara comigo.
— Você tem que contar pra Nádia — disse, com aquela firmeza que só ela sabia usar.
Eu fechei os olhos. — A Nádia… ela vai me matar.
— Ela não vai te matar, Enya. Mas ela tem o direito de saber — falou baixo, me segurando pelos ombros.
A lembrança da Nádia me ligando nos últimos dias me atravessou como uma faca. Ela sempre perguntava:
— Quando vai voltar pra casa?
E eu sempre dizia:
— Não enquanto você ainda estiver com ele.
O marido dela. O mesmo que me expulsou com o olhar cheio de ódio.
Eu não conseguia nem imaginar encarar a Nádia e contar isso tudo. O medo me prendia como correntes invisíveis.
Bruna segurou meu queixo e me forçou a olhar pra ela.
— Eu sei que você tá com medo. Mas não vai passar por isso. Eu tô aqui — disse, com aquele jeito prático dela, o humor afiado que escondia a coragem. — Eu tô aqui.
Eu respirei fundo e deixei as lágrimas caírem. Não dava pra segurar mais.
Bruna me puxou pra perto e me abraçou, o cheiro de cigarro e perfume doce misturado, mas era um abraço quente, firme.
— A gente vai dar um jeito — ela sussurrou no meu ouvido. — Não importa o que aconteça, eu vou ficar do seu lado.
Eu encostei a cabeça no ombro dela e fiquei ali, sentindo o mundo rodar em volta de mim, mas sabendo que não ia enfrentar tudo isso desamparada.
Porque, por mais que eu quisesse desaparecer, eu sabia: o inferno que começou naquela noite ia queimar por muito tempo.
Mas eu não ia deixar que me consumisse.