Na manhã seguinte, o sol entrou pela janela sem pedir licença, mas a claridade não me incomodou. Eu já estava acordada muito antes. A cama ainda guardava o calor dele, mas ele já havia saído, apressado como sempre. Sentei-me na beira do colchão, abracei os joelhos e respirei fundo. A partir de hoje, eu não seria apenas uma mulher reunindo provas. Eu faria o primeiro movimento.
Peguei o caderno preto da gaveta. Abri na página marcada por uma fita vermelha e escrevi com a calma de quem sabe que cada palavra é munição:
7. Encontrar a amante.
Fechei a capa, vesti-me e caminhei até o escritório. Abri o computador dele novamente, digitando a senha ridícula que já parecia uma piada. Na caixa de e-mails, um nome se repetia em mensagens antigas: Elena Moreau. O sobrenome francês soava como máscara escolhida às pressas. Não havia remetentes recentes, mas havia rastros: notas de reservas, passagens, e até um cartão de aniversário digital. Cliquei.
"Mon amour, ainda não aguento a distância. Obrigada por me sustentar e acreditar em mim. Logo estaremos juntos, como sempre foi para ser."
Meu estômago se revirou, mas não fechei a tela. Ampliei os detalhes. Havia um número de telefone no rodapé. Internacional. Salvei no meu celular com outro nome: Projeto.
Passei o resto da manhã tentando manter a mente no trabalho, mas cada notificação que piscava na tela do celular era um lembrete de que eu segurava uma bomba prestes a explodir.
À tarde, tomei coragem. Abri um aplicativo de mensagens e criei uma conta nova, sem foto, sem identificação. Digitei devagar, cada letra como um tiro silencioso:
"Ele não é tão fiel quanto você pensa."
Enviei.
Segundos depois, os dois risquinhos ficaram azuis. O coração bateu alto demais, como se o corpo inteiro fosse tambor. A resposta não demorou:
"Quem é você?"
Sorri para a tela. Ah, se ela soubesse.
"Alguém que sabe da cirurgia. Alguém que sabe do rim."
Três pontinhos apareceram, desapareceram, voltaram. Por fim, a resposta veio:
"Você não sabe nada. Ele fez por amor. Eu nunca pedi."
Ri sozinha na sala. O teatro era perfeito. Amor, a palavra favorita dos culpados.
"Claro que não pediu. Só manipulou. Só mentiu. Só deixou uma mulher sangrar por você."
Desta vez, ela demorou mais. E quando a resposta veio, era como uma confissão disfarçada:
"Cuidado com o que diz. Se ele descobre que você me achou, ele pode enlouquecer."
Ele. Sempre ele. O homem que sacrificou tudo — até a própria esposa — por uma amante que nem precisava.
Desliguei o celular e anotei no diário:
8. Elena está atenta. Sabe que pode ser desmascarada.
Na hora do jantar, fingi normalidade. Preparei macarrão com molho fresco, servi o vinho favorito dele. Ele parecia aliviado, até mesmo animado.
— Você está diferente — comentou, sorrindo. — Parece mais leve.
Sorri de volta. Se ao menos soubesse.
— Talvez eu tenha aprendido a aceitar algumas coisas.
Ele brindou, satisfeito, e comeu sem desconfiar de nada. Cada garfada dele era uma vitória silenciosa minha.
Quando foi para o banho, aproveitei para abrir a gaveta do criado-mudo. O celular dele estava lá. O aparelho vibrou: uma mensagem nova.
"Preciso falar com você. Agora."
Era dela. Elena.
O sangue gelou, mas respirei fundo. O primeiro movimento tinha surtido efeito. Eles estavam abalados. Agora era só esperar o próximo erro.
Fechei a gaveta antes que ele voltasse.
Deitei-me na cama, escutei a água caindo no box e fechei os olhos. A vingança não se constrói em gritos, mas em silêncio, paciência e estratégia.
E naquela noite, com a respiração dele embalando o quarto, eu soube que a partida tinha, enfim, começado.