Acordei antes do despertador. Não foi sono; foi estratégia. Permaneci imóvel, olhos abertos no escuro, ouvindo a respiração dele ao meu lado — profunda, pesada, uma mentira ritmada. Quando o alarme tocou, eu já estava no banheiro, rosto lavado, cabelo preso, o corpo coberto pela armadura mais básica de todas: uma expressão neutra.— Dormiu bem? — ele perguntou pelo espelho, ajeitando a gravata como quem organiza a própria consciência.— O suficiente — respondi, e sorri pequeno. O sorriso de quem não quer conversa, mas não quer briga. O sorriso perfeito de uma mulher “normal”.Ele me observou com atenção por um segundo a mais, talvez tentando decifrar o que não havia. Desviei o olhar e peguei a nécessaire. Ali dentro, escova de dentes, rímel, um batom discreto… e um pen drive que eu nunca tinha usado. Ontem à noite, depois que a casa se calou, eu reorganizei duas gavetas e uma vida inteira. Não era muito, mas era um começo.— Vou sair mais cedo hoje — disse, como sempre faz quando tem
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