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Capítulo 5 — O Primeiro Treino

O dia amanheceu com o céu encoberto, a cidade mergulhada num cinza preguiçoso. Na cobertura de vidro, Pedro continuava deitado, enrolado nos lençóis, como se o mundo lá fora não existisse. O relógio marcava sete horas quando a porta do quarto se abriu sem que ele tivesse permitido.

— Você é realmente folgado, sabia? — a voz de Rose soou firme.

Pedro abriu um olho, irritado, apenas para encontrar a figura dela encostada no batente, já em roupas de treino: calça justa preta, camiseta leve e tênis de sola silenciosa. O cabelo preso no mesmo rabo alto que deixava o rosto ainda mais austero.

— O que está fazendo aqui? — resmungou ele, cobrindo-se com o lençol. — Não ouvi falar em convite.

— Eu não espero convites. — Ela ergueu uma mochila esportiva. — Hoje você vai treinar.

Pedro riu, jogando-se de costas outra vez.

— Não, hoje eu vou dormir. E amanhã também. Quem sabe a semana inteira.

— Não é um pedido, Pedro. É uma ordem.

O tom dela o fez virar a cabeça, surpreso. Ninguém falava assim com ele. Ninguém ousava. Mas Rose estava ali, firme, como se não tivesse a menor dúvida de que ele obedeceria.

— Ordem? — ele repetiu, sarcástico. — Você é minha funcionária, Almeida. Eu é que dou as ordens aqui.

Ela caminhou até a cama, jogou a mochila no colchão e o encarou de cima.

— Então ordene a si mesmo levantar. — E puxou o lençol sem cerimônia.

Pedro sentou-se de supetão, os olhos faiscando.

— Você é louca!

— Louca seria se acreditasse que pode viver só de uísque e autopiedade. — Rose cruzou os braços. — Vai levantar ou vou arrastar você?

Por um momento, ele quis testá-la, só para ver se teria coragem. Mas algo na postura dela, no olhar afiado, dizia que ela não estava blefando.

— Isso é sequestro — resmungou, levantando-se. — Meus advogados vão adorar.

— Ótimo. Assim eles se exercitam também. — Rose abriu um sorriso seco. — Vista algo decente.

Meia hora depois, estavam no salão vazio da cobertura. Pedro usava calça de moletom escura e camiseta simples, os pés descalços sobre o piso frio. Rose já estava alongada, movendo-se com a agilidade de quem transformara disciplina em segunda natureza.

Ele a observava de braços cruzados, irritado.

— Você realmente acha que pode me ensinar alguma coisa?

— Não acho. Sei. — Ela assumiu posição de guarda, joelhos flexionados, punhos erguidos. — Vamos começar pelo básico.

— Eu não sou nenhum idiota. Já lutei boxe no colégio.

— Boxe de colégio não salva ninguém. — Rose avançou um passo. — Quero ver até onde você aguenta.

Pedro suspirou, ergueu os punhos de qualquer jeito e tentou imitá-la. O resultado foi patético: postura aberta demais, equilíbrio frouxo. Rose deu uma volta ao redor dele, avaliando cada detalhe.

— Está expondo o abdômen. — Ela bateu de leve com a ponta dos dedos na região. — Qualquer soco aqui te derruba.

— Ei! — ele recuou, surpreso com o toque.

— Exato. Recuou. — Rose ergueu uma sobrancelha. — Inseguro, sem base. Vai cair antes mesmo de começar.

Pedro cerrou os dentes.

— Está me provocando de propósito.

— Claro. — Ela sorriu de canto. — A provocação faz parte do treino.

Ele bufou, ajeitando-se novamente.

— Muito bem, senhora mestre. Mostre o que devo fazer.

Rose não perdeu tempo. Aproximou-se e posicionou as mãos nos braços dele, ajustando a altura. Depois empurrou levemente os ombros para baixo.

— Flexione. Não é desfile de moda, é combate.

O toque dela o deixou tenso por dentro, embora não admitisse. Sentiu o calor dos dedos dela percorrer-lhe a pele através da camiseta, e uma faísca indesejada acendeu em algum lugar que preferia ignorar.

— Melhorou — ela disse, afastando-se. — Agora me ataque.

Pedro piscou, confuso.

— O quê?

— Isso mesmo. Venha pra cima de mim.

Ele riu, incrédulo.

— Eu nunca vou bater em uma mulher.

— Não estou pedindo. Estou mandando. — Rose ergueu os punhos. — Se não vier, eu vou.

Ela não esperou. Avançou num movimento rápido, e Pedro mal teve tempo de reagir. O braço dela se ergueu em um soco contido, que parou a centímetros de seu queixo.

— Morto. — Ela sorriu, firme. — Outra vez.

Pedro arregalou os olhos, impressionado apesar do orgulho.

— Você é insana.

— E você é lento. Vamos de novo.

Os minutos seguintes foram um desfile de frustrações para ele. Cada golpe mal lançado, Rose desviava com facilidade. Cada movimento mal calculado, ela corrigia com uma palmada seca nos braços, no abdômen, nas pernas. A cada erro, a paciência dela parecia intacta; a raiva dele, em ebulição.

— Você é impossível! — ele explodiu, após tropeçar e quase cair.

— E você é preguiçoso. — Rose deu um passo à frente, o olhar firme. — Está tentando vencer com força bruta, mas não é assim que se luta.

Pedro respirava ofegante, o suor começando a pingar. O corpo não estava acostumado àquele esforço, e a vaidade dele doía mais do que os músculos.

Rose se aproximou outra vez, tocando-lhe os ombros para corrigir a posição. O contato breve pareceu incendiar a pele dele.

— Estabilidade, Pedro. — A voz dela soou próxima, quase um sussurro. — A luta começa nos pés.

Ele engoliu em seco, os olhos presos nos dela por um instante. O coração acelerou de um jeito diferente, que não tinha nada a ver com exercício.

E odiou sentir aquilo.

— Chega por hoje — disse Rose, recuando finalmente. — Você vai desmaiar se eu continuar.

Pedro jogou-se no sofá, ofegante, pegando uma toalha para secar o rosto.

— Você é um pesadelo.

— Não. — Rose pegou a garrafa de água e entregou a ele. — Eu sou a sua realidade.

Pedro bebeu em silêncio, o peito ainda arfando. Quando ergueu o olhar, encontrou o dela fixo nele. Não havia deboche, apenas determinação.

E, pela primeira vez, ele se perguntou se não estava lutando contra o inimigo errado.

Pedro ainda estava jogado no sofá, respirando pesado, quando Rose voltou ao centro do salão. Ela girava os ombros devagar, como se o treino para ela tivesse sido apenas um aquecimento. O contraste entre a exaustão dele e a calma dela era quase humilhante.

— Não terminou ainda — disse ela, firme.

Pedro ergueu o olhar, incrédulo.

— Você só pode estar de brincadeira.

— O básico não basta. Quero que aprenda defesa. — Rose ergueu os punhos. — Levante.

Ele bufou, mas obedeceu. Parte por orgulho, parte porque não suportava vê-la vencer outra vez.

— Muito bem, playboy. — Rose se aproximou, lenta. — Ataque de novo.

Pedro tentou um soco direto. Ela desviou facilmente e segurou o braço dele, torcendo-o até que ele se curvou. O corpo dele colidiu contra o dela, tão perto que conseguiu sentir o perfume leve que ela usava.

— Se fosse um inimigo, já teria quebrado o braço. — Rose o soltou de repente. — Mais uma vez.

— Você tem prazer em me torturar, não é? — ele resmungou, massageando o ombro.

— Só em ensinar. — O olhar dela brilhou de provocação. — Mas confesso que estou gostando de ver sua máscara cair.

Pedro se lançou novamente, dessa vez tentando surpreendê-la com um golpe baixo. Rose bloqueou com a perna e o empurrou para trás com facilidade. Ele perdeu o equilíbrio, quase caiu, mas ela segurou-o pelo peito antes que batesse no chão.

O tempo parou.

Os olhos de Pedro encontraram os dela, tão próximos que qualquer movimento a mais faria os lábios se tocarem. O coração dele disparou, o corpo inteiro em alerta, mas não pelo combate.

Rose, por um segundo, também sentiu a pele queimar. A respiração dele batia contra o rosto dela, carregada de adrenalina e raiva contida. Mas ela recuou rápido, soltando-o como se tivesse tocado fogo.

— Concentre-se — disse, seca. — Luta não é sobre perder o controle.

Pedro riu, tentando disfarçar o nervosismo.

— Fácil falar quando não é você quem quase foi derrubada.

— “Quase” não conta. — Rose voltou à posição de guarda. — Mais uma.

Dessa vez, Pedro não atacou. Ficou parado, apenas olhando-a. O suor escorria pelo rosto, a camiseta colada ao peito, mas o olhar dele não era mais de deboche. Era de desafio… e algo além.

— O que foi? — ela perguntou, impaciente.

Ele sorriu de canto.

— Estava pensando… que se eu sobreviver a você, sobrevivo a qualquer um.

Rose piscou, surpresa, mas não respondeu. Apenas baixou os punhos. O treino havia acabado, mas o jogo entre eles estava só começando.

Mais tarde, sozinha no vestiário improvisado da cobertura, Rose olhou o próprio reflexo no espelho. Passou água no rosto, tentando afastar o calor que ainda sentia. Não era só o esforço físico. Era a lembrança do instante em que segurara Pedro, da proximidade perigosa.

— Controle, Rose. — murmurou para si mesma. — Controle.

Mas, pela primeira vez, não tinha certeza se conseguiria manter a disciplina.

Pedro, deitado novamente no sofá, ainda sentia a pressão da mão dela em seu peito. Fechou os olhos, exausto, mas o corpo inteiro pulsava de um jeito estranho. Não sabia se odiava Rose ou se a desejava.

Talvez os dois.

E essa era a luta que realmente o assustava.

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