Na segunda-feira, o clima no escritório parecia mais carregado do que o normal. Ou talvez fosse só dentro de mim. Desde a cena do carrinho, eu sabia que Enzo não iria simplesmente deixar o assunto morrer. E estava certa.

Ele apareceu na minha sala sem avisar, apoiando uma das mãos na moldura da porta. Enzo estava de terno cinza chumbo, completamente alinhado, mas com a camisa branca levemente desabotoada. Tão atraente que por alguns segundos me perdi nos meus pensamentos.

— Temos que conversar. — O tom era seco, mas não agressivo.

Larguei a caneta sobre a mesa, tentando demonstrar calma.

— Sobre?

Ele entrou, fechou a porta e parou diante da minha mesa.

— O carrinho de ferro.

Me forcei a sorrir.

— Já disse. É do meu sobrinho. Sinceramente, não entendo seu interesse.

— Engraçado… — ele inclinou a cabeça. — Eu não lembro de você mencionar uma irmã. Ou irmão.

— Não tenho. — respondi rápido demais, enquanto organizava uns papéis que estavam em cima da minha mesa.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Então…?

— É do filho de uma amiga. — Completei, cruzando os braços, começando a me cansar dessa insistência dele. — Posso voltar ao trabalho? Se eu não te entregar o projeto dentro do prazo, você não vai gostar.

O silêncio que veio depois foi pior do que qualquer acusação. Ele me encarou como se tentasse encaixar uma peça que não se ajustava. E então, suavizou o olhar.

— Jante comigo. — disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Não. — Minha resposta saiu antes que eu pudesse pensar. — De forma alguma.

— Por quê? — ele insistiu.

— Não misturo trabalho com vida pessoal.

Ele deu um meio sorriso, se afastando um passo, mas sem tirar os olhos de mim.

— Às vezes, não temos escolha.

— Sempre temos. — repliquei, firme.

Enzo me estudou por mais alguns segundos, e eu quase podia ouvir o raciocínio dele trabalhando. Então, deu de ombros.

— Tudo bem. Mas o convite continua em aberto.

Respirei aliviada quando ele saiu da sala. Mas o alívio durou pouco.

No final da tarde, eu estava revisando alguns relatórios quando ouvi o som de saltos se aproximando pelo corredor. Não reconheci de primeira, mas estava completamente imersa no trabalho acumulado, quando ergui os olhos, vi uma mulher parada à porta, acompanhada por Enzo.

Alta, magra, de um tipo de beleza impecável. Cabelos loiros, pele clara e um olhar azul calculista. Vestia um vestido de seda verde-escuro que caía perfeitamente no corpo. E um sorriso… daqueles que parecem educados, mas não chegam aos olhos.

— Luna, esta é Chiara. — disse Enzo. — Minha… noiva.

A palavra ficou suspensa no ar por um instante, como se ele próprio não tivesse certeza de como queria defini-la. Eu me levantei, mantendo a postura. Ajeitei minha roupa que estava um pouco amarrotada pela quantidade de horas sentada.

— Prazer, Luna. — estendi a mão.

Chiara a apertou com delicadeza ensaiada, como quem mede a força para não parecer rude. Seus olhos, no entanto, me analisaram de cima a baixo como se me catalogassem.

— Então é você. — disse, com um sorriso contido.

— Eu? — arqueei a sobrancelha.

— A nova contratada que está cuidando do projeto mais importante da empresa. — Ela lançou um rápido olhar para Enzo antes de voltar para mim. — Ele falou muito de você.

— Só profissionalmente. — Acrescentei rápido, sem pensar.

Chiara riu baixo, como se tivesse captado mais do que eu queria dizer.

— Claro.

Enzo interrompeu o que parecia um duelo silencioso.

— Chiara, Luna tem muito trabalho. Talvez vocês possam conversar depois.

Ela assentiu, mas não se mexeu.

— Claro. Aliás, estou descendo agora. Luna, vamos no mesmo elevador? — perguntou, com a voz doce demais.

— Eu tenho algumas coisas para finalizar… — retruquei hesitante.

— Eu insisto. — replicou, sem perder o sorriso.

Eu sabia que recusar soaria estranho. Peguei minha bolsa e caminhei com ela até o corredor. Enzo ficou para trás, falando com um assistente.

O elevador chegou rápido. Entramos. O espaço fechado fez a tensão se multiplicar. Ela se posicionou de frente para mim, com um leve sorriso que me deixava mais desconfortável do que se estivesse séria.

— Faz tempo que você trabalha aqui? — perguntou, como se fosse uma conversa casual.

— Há alguns anos, porque? — respondi, observando os números mudando no painel.

— Parece ser uma ótima empresa. — continuou. — Mas eu não acredito que você tenha chegado até aqui sem mexer uns pauzinhos

A porta fechou completamente. O elevador começou a descer, e ela se inclinou ligeiramente para mim, mantendo o tom baixo. Eu estava completamente em choque e sem reação.

— Cuidado, querida. — sussurrou, ainda sorrindo. — Você tem muito mais a perder do que imagina. E eu… sou ótima em descobrir segredos.

As portas se abriram no térreo. Ela saiu primeiro, deixando no ar um perfume caro e uma ameaça implícita. Fiquei parada por um segundo, tentando manter o controle da respiração. Detesto quando eu travo nesses momentos e as palavras somem totalmente.

Assim que saí, vi Vanessa organizando alguns documentos na recepção.

— Vanessa… — chamei, ainda com o coração acelerado. — Quem era aquela mulher?

— Chiara? — Vanessa franziu o cenho. — Ela é filha de uma das famílias mais ricas da Europa. Velho dinheiro. Um império bilionário.

— E noiva de Enzo. — completei, sentindo o peso das palavras.

Vanessa suspirou, como quem sabia mais do que queria dizer.

— Noiva arranjada. Uma união estratégica para negócios e poder. Mas… — baixou a voz — não se engane, Luna. Ela pode parecer elegante, mas não é o tipo de pessoa que gosta de concorrência.

Aquela frase ficou latejando na minha mente. Concorrência. No fundo, eu sabia que não queria estar no radar de Chiara. Mas claramente, eu já estava.