O céu sobre Valéria estava carregado, as nuvens escuras rolando como ondas de um mar revolto. Savannah Reed sentia a eletricidade no ar enquanto dirigia para Eldoria, o bairro histórico que se tornara o epicentro de sua vida nas últimas semanas. A câmera repousava no banco do passageiro, pronta para capturar mais imagens do projeto de revitalização, mas sua mente estava em outro lugar. O mal-entendido com Endrik no bistrô, dois dias antes, ainda pesava. A imagem de Clara, a cliente de vestido vermelho com a mão no ombro dele, queimava em sua memória, trazendo à tona ecos de Mark e suas traições. Savannah apertou o volante, tentando afastar a dor antiga. “É só trabalho”, murmurou para si mesma, mas o vazio no peito dizia que ela já estava envolvida demais.
Hoje, ela e Endrik tinham marcado uma visita a uma casa antiga no coração de Eldoria, um imóvel que seria transformado em um centro comunitário. Era uma tarefa essencial para o projeto, mas também uma chance de esclarecer as coisas — ou de manter a distância que ela vinha tentando impor desde o beijo impulsivo no terraço. A mensagem dele naquela manhã fora breve: “Casa na Rua das Flores, 14h. Precisamos conversar. E fotografar, claro.” A última parte parecia uma tentativa de manter as coisas leves, mas Savannah sabia que a conversa seria tudo, menos trivial.
Quando ela chegou ao local, o ar estava úmido, e o vento começava a soprar, carregando o cheiro de chuva iminente. A casa era uma relíquia do passado de Eldoria: uma construção de dois andares com janelas quebradas, paredes de tijolos desbotados e uma varanda que rangia sob o peso do tempo. Endrik já estava lá, sozinho, inspecionando a entrada com uma prancheta na mão. Ele usava uma jaqueta preta à prova d’água e jeans, o cabelo escuro ligeiramente bagunçado pelo vento. Seus olhos encontraram os dela, e por um instante, o mundo pareceu se reduzir àquele olhar — intenso, cheio de promessas não ditas.
“Você veio”, disse ele, a voz grave cortando o silêncio. “Pensei que talvez fugisse de novo.”
Savannah ergueu uma sobrancelha, ajustando a alça da câmera. “Fugir não é meu estilo, Voss. Mas manter as coisas profissionais? Isso eu sei fazer.” Ela passou por ele, entrando na casa, mas não antes de notar o leve sorriso que curvou os lábios dele.
O interior da casa era um labirinto de poeira e memórias. Móveis antigos cobertos por lençóis, rachaduras nas paredes, e o eco dos passos deles no assoalho de madeira. Savannah começou a fotografar, capturando os detalhes: o corrimão entalhado da escada, os azulejos quebrados na cozinha, a luz que entrava pelas janelas em estilhaços dourados. Endrik a seguia, apontando áreas que seriam restauradas, mas a tensão entre eles era palpável, como uma corda esticada prestes a romper.
“Sobre o outro dia”, começou ele, enquanto ela ajustava a lente para uma foto da lareira. “Clara é só uma cliente. Nada mais. Você saiu antes que eu pudesse explicar.”
Savannah não olhou para ele, focando na câmera. “Não preciso de explicações, Endrik. Não somos nada além de colegas de trabalho.”
Ele se aproximou, parando a poucos centímetros dela. “É isso que você quer? Ser só colegas?”
Ela baixou a câmera, os olhos encontrando os dele. “Quero manter as coisas simples. Sem complicações. Já passei por isso antes, e não acaba bem.”
Ele deu um passo mais perto, o espaço entre eles carregado de eletricidade. “Eu não sou ele, Savannah. E não quero complicar sua vida. Quero... estar nela.”
As palavras a atingiram como um raio, mas antes que ela pudesse responder, um trovão estrondoso ecoou lá fora, seguido pelo som de chuva batendo contra as janelas. Em minutos, o que era um chuvisco virou uma tempestade, o vento uivando e as janelas antigas tremendo. Endrik olhou para fora, franzindo a testa. “Não vamos sair tão cedo. Essa casa é segura, mas o telhado pode vazar. Vamos verificar o segundo andar.”
Subiram a escada rangente, a chuva agora um rugido constante. No segundo andar, encontraram um quarto com uma janela que deixava entrar rajadas de água. Endrik tentou fechar as persianas, mas elas estavam quebradas. Savannah o ajudou, suas mãos trabalhando juntas para cobrir a janela com um pedaço de lona que encontraram em um canto. A proximidade era inevitável — os braços se roçando, o calor do corpo dele contrastando com o frio da chuva que molhava suas roupas.
Quando terminaram, estavam ensopados. Savannah tremia, a regata colada à pele, revelando as curvas de seu corpo. Endrik tirou a jaqueta, oferecendo-a a ela. “Toma. Você está congelando.”
Ela hesitou, mas aceitou, envolvendo-se na jaqueta que ainda carregava o calor dele. “Obrigada”, murmurou, sentindo o cheiro de sua colônia amadeirada invadi-la.
Eles se sentaram em um canto do quarto, sobre um tapete velho, enquanto a tempestade rugia lá fora. O silêncio era pesado, carregado de tudo o que não diziam. Endrik quebrou o silêncio primeiro. “Você já pensou em como seria se deixasse alguém entrar de novo?”
Savannah abraçou os joelhos, olhando para as gotas que pingavam em um balde próximo. “Pensei. Mas cada vez que tento, vejo ele. Mark. Ele me fez sentir pequena, Endrik. Como se eu nunca fosse o suficiente. E eu jurei que nunca mais me sentiria assim.”
Ele se aproximou, o rosto sério. “Você é mais do que suficiente, Savannah. Você é... fogo. Vida. Eu vejo isso em cada foto que você tira, em cada palavra que diz. E eu quero ser o homem que te faz acreditar nisso de novo.”
Ela olhou para ele, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. A vulnerabilidade dele, tão diferente do charme confiante que ele costumava exibir, desarmou-a. Sem pensar, ela se inclinou, e ele a encontrou no meio do caminho. O beijo foi lento no início, uma exploração cautelosa, mas logo se tornou urgente, faminto. As mãos dele encontraram a cintura dela, puxando-a para mais perto, enquanto as dela se enroscaram no cabelo dele, úmido da chuva.
O calor dos corpos deles contrastava com o frio do quarto. Ele a pressionou contra o tapete, os lábios descendo pelo pescoço dela, deixando uma trilha de fogo. Savannah arqueou o corpo, um gemido escapando enquanto as mãos dele exploravam a curva de seus quadris, subindo pela lateral do corpo, roçando a pele exposta sob a regata molhada. Cada toque era uma faísca, cada respiração um convite para se perder.
Mas então, a imagem de Mark surgiu em sua mente — as promessas quebradas, a dor. Ela se afastou, ofegante, colocando uma mão no peito dele. “Endrik, para. Eu... não posso. Não agora.”
Ele parou imediatamente, os olhos cheios de desejo, mas também de preocupação. “Tudo bem. Não vou te pressionar.” Ele se sentou, passando a mão pelo cabelo, tentando recuperar o controle. “Mas saiba que eu quero você, Savannah. Não só hoje, mas de verdade.”
Ela se levantou, ainda tremendo, não mais pelo frio, mas pelo desejo que ainda pulsava em suas veias. “Eu sei. E eu... sinto o mesmo. Mas preciso de tempo.”
A chuva começou a diminuir, e eles decidiram esperar até que fosse seguro sair. Sentados em silêncio, a tensão entre eles era uma presença viva, um fogo que não se apagava, mas que agora queimava mais baixo. Quando finalmente voltaram para o carro, a jaqueta dele ainda cobria os ombros dela, um lembrete físico da conexão que quase os consumiu.
Naquela noite, em seu apartamento, Savannah se deitou na cama, o coração dividido. O toque de Endrik ainda estava em sua pele, e ela sabia que o desejo não iria embora tão fácil. Enquanto isso, no outro lado da cidade, Endrik olhava pela janela de seu loft, a chuva ainda caindo em fios finos. Ele queria Savannah mais do que jamais quisera alguém, mas sabia que precisava ganhar sua confiança. A tempestade podia ter passado, mas o verdadeiro ponto de ebulição ainda estava por vir.