Tempestade

O sol da manhã em Valéria parecia fraco, como se a cidade soubesse que algo estava prestes a desmoronar. Savannah Reed acordou em seu estúdio, a cama desarrumada ainda carregando o cheiro da camiseta de Endrik, que ela usara na noite anterior em seu loft. A memória da entrega total — os beijos ardentes, os toques que fizeram seu corpo cantar, a promessa sussurrada de algo mais — ainda pulsava em sua pele. Mas com a luz do dia veio a dúvida, uma sombra que crescia a cada minuto. Ela queria acreditar em Endrik, nas palavras dele sobre querer construir algo real, mas o peso do passado com Mark a fazia hesitar. Cada promessa de amor que já ouvira viera com um custo, e ela não sabia se estava pronta para pagar novamente.

No outro lado da cidade, Endrik Voss estava em seu escritório, as plantas de Eldoria espalhadas sobre a mesa, mas sua mente estava em Savannah. A noite com ela havia sido diferente de tudo o que já experimentara — não apenas paixão, mas uma conexão que o fazia sentir vivo pela primeira vez em anos. Desde a morte de Lucas e a traição de Elena, ele havia construído muralhas ao redor do coração, mas Savannah as estava derrubando, uma a uma. Ele pegou o celular, querendo mandar uma mensagem, mas hesitou. Ela pedira tempo, e ele estava disposto a dar, mesmo que cada segundo sem ela parecesse uma eternidade.

O dia passou com uma tensão silenciosa. Savannah mergulhou no trabalho, editando as fotos da sessão artística com Endrik, cada imagem reacendendo o calor da memória. Ele, por sua vez, liderou uma reunião com a equipe do projeto, mas sua concentração estava fragmentada, os pensamentos voltando constantemente para o sorriso dela, o som de seu gemido, a vulnerabilidade em seus olhos. Eles haviam marcado uma nova vistoria em Eldoria naquela tarde, e ambos sabiam que o encontro seria um teste — não apenas para o projeto, mas para o que estavam construindo juntos.

Quando Savannah chegou ao local, uma praça antiga onde uma fonte seria restaurada, o céu estava novamente carregado, as nuvens prometendo outra tempestade. Endrik estava lá, conversando com um engenheiro, mas seus olhos encontraram os dela imediatamente. Ele terminou a conversa e se aproximou, a expressão uma mistura de alívio e cautela. “Você está aqui”, disse ele, a voz suave, mas com um toque de urgência. “Quase pensei que não viria.”

Ela ajustou a alça da câmera, tentando manter a fachada profissional. “É o trabalho, Endrik. Não vou fugir disso.” Mas as palavras soaram frágeis, e o olhar dele dizia que ele sabia disso.

A vistoria começou com a equipe discutindo detalhes técnicos, enquanto Savannah capturava imagens da fonte coberta de musgo e das árvores retorcidas ao redor. Endrik a acompanhava, apontando elementos que queria destacar nas fotos, mas a conversa era hesitante, como se ambos estivessem pisando em terreno instável. Quando o grupo se dispersou para outras áreas, eles ficaram sozinhos, o som da cidade abafado pela brisa que começava a soprar.

“Savannah, sobre ontem...”, começou ele, parando ao lado da fonte. “Eu quis dizer cada palavra. Quero você na minha vida, não só no projeto.”

Ela olhou para ele, o coração apertado. “Eu sei que você quis dizer isso. Mas... estou com medo, Endrik. Não sei se posso confiar completamente. Não em você, mas em mim mesma.”

Ele deu um passo mais perto, os olhos escuros cheios de intensidade. “Deixe-me te ajudar a confiar. Me diga o que você precisa.”

Antes que ela pudesse responder, uma figura familiar apareceu na praça. Era Jenna, uma amiga de Savannah dos tempos de faculdade, que por acaso trabalhava como jornalista em Valéria. Jenna correu até ela, sorrindo, mas sua expressão mudou ao ver Endrik. “Sav? Meu Deus, quanto tempo! E esse é...?” Ela olhou para Endrik, curiosa.

“Endrik Voss, arquiteto do projeto”, disse ele, estendendo a mão com um sorriso educado.

Jenna apertou a mão dele, mas seus olhos voltaram para Savannah, uma sombra de preocupação cruzando seu rosto. “Sav, você está bem? Depois de tudo com Mark, eu fico preocupada quando te vejo com alguém novo.”

Savannah congelou, o nome de Mark como um soco no estômago. Ela tentou sorrir, mas o esforço foi fraco. “Estou bem, Jenna. Só trabalhando.”

Endrik franziu a testa, percebendo a mudança na expressão dela. “Mark? Quem é Mark?” A voz dele era calma, mas havia uma ponta de tensão.

Jenna, sem perceber o impacto, continuou. “O ex dela. Um babaca manipulador que quase destruiu a confiança dela. Você não sabia?”

Savannah sentiu o chão sumir sob seus pés. “Jenna, por favor, agora não.”

Mas o dano estava feito. Endrik a encarou, os olhos escurecendo com uma mistura de mágoa e confusão. “Você não me contou tudo, não é? O que ele fez com você, Savannah?”

Ela cruzou os braços, tentando se proteger do peso daquele momento. “Não é algo que eu gosto de revisitar, Endrik. Mark era... controlador. Ele me fazia duvidar de mim mesma, me isolava, fazia eu me sentir como se não valesse nada. Eu saí, mas ainda carrego isso.”

Ele passou a mão pelo cabelo, a frustração evidente. “E você achou que não podia me contar isso? Depois de tudo o que compartilhamos? Eu te contei sobre Lucas, sobre Elena. Fui aberto com você, Savannah.”

A acusação a atingiu com força. “Não é tão simples! Eu não escondi por querer, Endrik. É doloroso. E eu... eu não sabia se estava pronta para te contar tudo.”

“Então, o que foi ontem?”, perguntou ele, a voz mais alta agora, carregada de emoção. “Foi só desejo? Porque para mim, foi mais. Mas agora não sei se você confia em mim o suficiente para isso significar algo.”

As palavras cortaram como faca. Savannah sentiu os olhos arderem, mas se recusou a deixar as lágrimas caírem. “Você não entende. Não é sobre você, é sobre mim. Sobre o que ele me fez.”

“E como posso te ajudar se você não me deixa entrar?”, retrucou ele, o tom misturando raiva e desespero. “Eu quero tudo de você, Savannah. Não só as partes boas. Mas você precisa querer isso também.”

A chuva começou a cair, primeiro em gotas leves, depois em um aguaceiro. Jenna, percebendo a tensão, murmurou um pedido de desculpas e se afastou, deixando-os sozinhos. Savannah olhou para Endrik, o coração partido. “Eu preciso de espaço”, disse ela, a voz tremendo. “Não posso fazer isso agora.”

Ele abriu a boca para protestar, mas parou, os ombros caindo. “Se é isso que você quer, tudo bem. Mas não me peça para parar de querer você.”

Ela virou-se, caminhando sob a chuva, a câmera protegida pela mochila, mas o coração exposto. Cada passo era um esforço, a dor da discussão misturando-se com a culpa por não ter sido capaz de se abrir completamente. Ela sabia que Endrik merecia a verdade, mas o medo de reviver o passado a paralisava.

No seu estúdio, Savannah se sentou no chão, as roupas molhadas coladas à pele. As fotos de Endrik ainda estavam na tela do laptop, e ela sentiu uma saudade quase física dele — do toque, do riso, da promessa de algo mais. Mas a voz de Mark ecoava em sua mente, lembrando-a de como o amor podia doer. Ela abraçou os joelhos, deixando as lágrimas caírem, a tempestade lá fora ecoando a que rugia dentro dela.

Endrik, no seu loft, socou a parede com frustração, o som abafado pela chuva. Ele queria Savannah mais do que qualquer coisa, mas a sensação de que ela ainda guardava uma parte de si o fazia questionar tudo. Ele abriu uma garrafa de uísque, tomando um gole, mas o álcool não apagava a dor. A imagem dela, vulnerável, mas fechada, o perseguia. Ele sabia que a amava — a palavra o assustava, mas era a verdade. E agora, com a distância entre eles, ele temia que o fogo que os unia pudesse se apagar.

A chuva continuou a cair sobre Valéria, uma cortina que separava os dois, mas não extinguia o desejo. A tempestade havia chegado, e o futuro deles estava tão incerto quanto o céu escuro acima.

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